Locação

AutorMarcelo de Oliveira Milagres
Ocupação do AutorMestre e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Páginas55-77
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LOCAÇÃO
O termo “locação” compreende uma variedade de regimes veiculadores do des-
dobramento possessório, por meio dos quais o locador atribui, mediante remuneração
(aluguel), a posse direta da coisa (móvel ou imóvel) ao locatário. Em termos gerais,
podem ser apontadas a locação de coisas, a locação urbana residencial e a locação ur-
bana não residencial. Em termos mais específ‌icos, as locações em shopping center, a
locação built to suit, a locação para temporada, o arrendamento rural (Lei 4.504/1964)
e o arrendamento mercantil (Lei 6.099/1974).
O contrato de locação de coisas tem previsão no Código Civil brasileiro, nos arts. 565
a 578. Trata-se de instrumento pelo qual uma parte, mediante certa retribuição (preço)
e por prazo determinado ou indeterminado, atribui a posse direta da coisa a outra parte.
O Código Civil não restringe o objeto da locação, que pode ser móvel ou imóvel,
devendo apenas ser não fungível, pois compete ao locatário a restituição da coisa, f‌inda
a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular
(art. 569, IV).
Cumpre ao locatário a contraprestação essencial consistente no pagamento pon-
tual do aluguel nos prazos ajustados e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar
(art. 569, II).
Em tempos dos possíveis efeitos da Covid-19 em contratos dessa natureza, esse
elemento essencial da locação (aluguel) ganha extremo relevo. Na busca da mantença
do sinalagma funcional, destacamos os arts. 567 e 572.
Segundo o art. 567, se, durante a locação, deteriorar-se a coisa alugada, sem culpa
do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel ou resolver o contrato,
caso já não sirva a coisa para o f‌im a que se destinava. Trata-se de impossibilidade fun-
cional superveniente, que pode ensejar o abatimento do preço ou a própria resolução
não culposa do contrato. Em uma interpretação estrita, a palavra deterioração se ajusta
a uma perda de natureza material, da própria coisa. Em uma interpretação f‌inalística,
poderíamos defender uma perda da f‌inalidade ou, no dizer da Catarina Monteiro Pires,
perda da aptidão que tenha a prestação para satisfação das necessidades do credor.1
Semelhante entendimento é defendido por Aline de Miranda Valverde Terra, ao
pugnar pela aplicação do art. 567 do Código Civil a situações de limitação de fruição de
1. PIRES, Catarina Monteiro. Impossibilidade da prestação. Coimbra: Almedina, 2020. p. 227; “A perda do interesse
do credor, apreciada objetivamente, não se confunde com o puro e simples desaparecimento parcial de uma
expectativa de lucro do credor, não tem de reportar-se a um interesse reconhecível pelo devedor aquando da
celebração do negócio. É, no fundo, a ‘aptidão que tenha a prestação para satisfazer as necessidades do credor.’”
CONTRATOS IMOBILIÁRIOS: IMPACTOS DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS • MARCELO DE OLIVEIRA MILAGRES
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imóvel objeto de locação não residencial por ato do Poder Público. Segundo a autora,
“no comum dos casos, portanto, haverá mera deterioração das faculdades do locatário,
a autorizá-lo, por força do art. 567, a requerer a redução do valor do aluguel, mesmo que
ainda não tenha transcorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 19 da Lei 8.245/91, já que
aos contratos de locação comercial se aplica, supletivamente, o Código Civil. O desaf‌io,
evidentemente, é calcular o valor da redução, que deverá levar em conta a composição
do aluguel e ser proporcional à restrição sofrida pelo locatário”.2
Em relação ao direito constituído, não há regra expressa, no direito brasileiro,
sobre percentual de redução do valor do aluguel em razão de impossibilidade tempo-
rária, total ou parcial, de fruição do imóvel. Relevante, nesse sentido, é a regra do art.
1040º do Código Civil português, que só permite a redução do valor do aluguel, por
fato externo ou alheio ao comportamento das partes, se a impossibilidade de fruição,
total ou parcial, exceder um sexto de duração do contrato.3 Não se afasta a iniciativa
do locatário de resolução do contrato “se, por motivo estranho à sua própria pessoa ou
à dos seus familiares, for privado do gozo da coisa, ainda que só temporariamente”.4
No direito brasileiro projetado, destaca-se o Projeto de Lei da Câmara dos Depu-
tados 1.112/2020, de autoria dos deputados Marcelo Freixo e Túlio Gadêlha, que, com
manifesto dirigismo contratual e sob a perspectiva de dif‌iculdade somente do locatário,
suspende, enquanto durar as medidas de isolamento ou quarentena, mandados de despe-
jo e de reintegração de posse pelo inadimplemento de verbas locativas, bem como impede
a incidência de multa, juros e correção monetária de valores devidos e, ainda, prevê
regras de desconto linear do valor do aluguel de imóvel objeto de locação residencial.
Com maior destaque é o Projeto de Lei do Senado 1.179/2020, de autoria do Sena-
dor Antonio Anastasia, que resultou, com vetos, na Lei 14.010, de 10 de junho de 2020.
Sobreleva notar que a proposição legislativa (aprovada como Lei 14.010/2020) não
revoga disposições de direito privado, apenas suspende a sua aplicação até o termo f‌inal
de 30 de outubro de 2020. O termo inicial da suspensão depende da incidência dos efeitos
da Covid-19 e da natureza do instituto aplicado. Por exemplo, os prazos prescricionais
consideram-se suspensos ou impedidos a partir da vigência da lei. Igualmente, os prazos
de usucapião imobiliário. Por sua vez, a suspensão do art. 49 da Lei 8.078/1990 tem a
data de 20 de março de 2020 como termo inicial.
2. Covid-19 e os contratos de locação em shopping center. Cf. Disponível em: [https://www.migalhas.com.br/
depeso/322241/covid-19-e-os-contratos-de-locacao-em-shopping-center].
3. Artigo 1040º. (1) se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou
diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da
privação ou diminuição e a extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior. (2) Mas, se a privação
ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou
outra exceder um sexto da duração do contrato. (3) Consideram-se familiares os parentes, af‌ins ou serviçais que
vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador.
4. Artigo 1050º. O locatário pode resolver o contrato, independentemente de responsabilidade do locador: a) se,
por motivo estranho à sua própria pessoa ou à dos seus familiares, for privado da coisa, ainda que só temporaria-
mente; b) se, na coisa locada existir ou sobreviver defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário ou
dos seus familiares.

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