A loucura na Vila: Reflexões sobre a loucura em tiradentes

AutorDavid Inácio Nascimento
CargoMestre em Teoria Literária e Critica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, MG, Brasil
Páginas79-97
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2017v14n1p79
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.1, p.79-97 Jan.-Abr. 2017
A LOUCURA NA VILA: REFLEXÕES SOBRE A LOUCURA EM TIRADENTES
David Inácio Nascimento
1
Resumo:
O presente artigo tem como objetivo analisar as condições políticas e econômicas
da Vila São José del-Rei, atualmente Tiradentes-MG, que possibilitaram a loucura
ser aceita naquele espaço e, consequentemente, romper com os procedimentos de
exclusão nos quais os loucos eram sujeitos em outras cidades mineiras. Tendo em
Michel Foucault discussões sobre os procedimentos de exclusão da loucura e
biopoder, o artigo busca, mediante os levantamentos históricos sobre a Vila de São
José del-Rei, do início do séc. XVIII até o final do séc. XX, realizar paralelos com
outras vilas e cidades mineiras do ciclo minerador e apontar nesses contextos
possibilidades que rompem com os procedimentos de exclusão.
Palavras-chave: Loucura. Tiradentes. Filosofia. História. Foucault.
1 INTRODUÇÃO
Entre os meses de junho e julho de 1973, Michel Foucault veio ao Brasil para
participar de uma série de atividades nas universidades brasileiras, incluído uma
conferência feita em Belo Horizonte sobre as instituições psiquiátricas (FOUCAULT,
2011b, p. 42), é nesse momento no qual o francês aproveita um convite para
conhecer algumas cidades históricas de Minas Gerais (ARBEX, 2013, p. 199).
Enquanto o autor de “A História da Loucura” se juntava às outras vozes críticas à
psiquiatria e ao internamento dos loucos, longe dos holofotes, estava um dos
lugares visitados pelo francês naquela oportunidade: Tiradentes, cidade colonial
originada na Vila de São José del-Rei e que, naquele momento, aos poucos via
chegar ao fim um longo período de decadência econômica e política.
Em Tiradentes, até o final da década de 1980 e início da de 1990, era comum
encontrar alguns loucos por suas ruas, fossem eles dali ou vindos de outros lugares,
como Bichinho (Vitoriano Veloso), distrito de Prados. Além de ter certa “liberdade” no
deslocamento dos ditos loucos, poderia chamar atenção a forma como a cidade e
seus moradores se relacionavam e os incluíam. As mudanças econômicas e
políticas passadas por Tiradentes ao longo de seus quase trezentos anos poderiam
1 Mestre em T eoria Literária e Critica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei, São
João del-Rei, MG, Brasil. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, Tiradentes,
MG, Brasil. E-mail: datanisgrego@yahoo.com.br
80
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.1, p.79-97 Jan.-Abr. 2017
dar indícios de como eram as condições que possibilitaram certas relações, já que,
diferente de outras cidades mineiras do ciclo do ouro, o lugar não teve grande
desenvolvimento econômico a partir da queda da produção aurífera, o que
influenciou as relações de trabalho e sua organização.
A discussão sobre a loucura e seu processo histórico não é novidade, sendo
esse processo dado a conhecer na tese defendida por Michel Foucault,
posteriormente publicada como livro. Mediante as leituras permitidas em Foucault,
ocorreu a possibilidade de uma pesquisa específica, tratando de um espaço
conhecido e pouco conhecido, visível e pouco visto: a vila. Especificamente,
Tiradentes enquanto espaço permitido ao louco. Diante disso, esse artigo tem como
objetivo elaborar um pequeno levantamento histórico sobre o desenvolvimento
econômico e político da cidade do séc. XVI ao XVIII e analisar como a decadência
da Vila de São José del-Rei/Tiradentes possibilitou uma forma diversa de
relacionamento entre os ditos “loucos” e os “normais”.
2 BREVE HISTÓRICO
A povoação de “Tiradentes” teve início em 1702, quando o taubateano João
de Siqueira Afonso encontrou veios de ouro nas encostas da Serra São José, dando
origem ao que, inicialmente, foi chamado de Arraial da Ponta do Morro, depois
conhecido como Arraial Velho do Rio das Mortes (VELLOSO, 2013, p. 16), já que,
em 1704, surge o Arraial Novo, posteriormente Vila de São João del-Rei e,
atualmente, cidade de São João del-Rei (SANTOS FILHO, 2012a, p. 1).
Foi nessa região, segundo o historiador tiradentino Herculano Velloso (1862-
1941), dedicado a pesquisar “as memórias” da vila no tempo colonial, que, entre
1707 e 1708, por motivo de “cubiça” (sic.), aconteceu o conflito conhecido como a
“Guerra dos Emboabas”. Segundo Herculano Veloso, “a abundância de ouro atraiu
desde logo a imigração, tanto paulista como a portuguesa, e, pouco tempo depois da
sua descoberta, era a Ponta do Morro arraial importante” (VELLOSO, 2013, p. 18).
Além da quantidade encontrada, o ouro de aluvião era de fácil extração, o que
chamava atenção para o arraial. O fim da guerra se deu com a retirada das tropas
paulistas do cerco ao arraial, indo para Goiás e deixando aos emboabas a
exploração do ouro e a acusação de deslealdade no episódio conhecido como
“Capão da Traição”.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT