Macaúbas - Vara cível

Data de publicação17 Agosto 2022
Número da edição3158
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1.ª VARA DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE MACAÚBAS
INTIMAÇÃO

8000970-31.2021.8.05.0156 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Macaúbas
Autor: Ana Rodrigues Dos Santos
Advogado: Laila Dos Santos Farias (OAB:BA64375)
Reu: Banco C6 Consignado S.a.
Advogado: Fernanda Rafaella Oliveira De Carvalho (OAB:PE32766)

Intimação:

Do Relatório. Cuida-se de “AÇÃO DECLARATÓRIADE DE NULIDADE C/C COM DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA” (ID 104540242), proposta por ANA RODRIGUES DOS SANTOS em face de BANCO C6 CONSIGNADO S.A. – FICSA. Sustenta a parte autora que fora surpreendida com a contratação de empréstimos consignados do banco requerido em seu nome, na medida em que não solicitou ou anuiu com os negócios referidos. Informa que os valores têm sido descontados de seu benefício previdenciário, fato que tem lhe acarretado danos. Por tais fatos, pugna pela declaração de inexistência dos débitos cobrados, com cessação dos descontos referidos, restituição em dobro dos valores pagos, bem como seja indenizada pelo abalo moral suportado.

A decisão interlocutória deferiu a tutela provisória de urgência (ID 105328675).

O demandado apresentou contestação (ID 121758772) refutando a pretensão e arguindo a seguintes preliminares: a) incompetência absoluta do Juizado Especial Cível, b) indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

A parte requerente apresentou réplica (ID 108662963) refutando a existência do contrato de empréstimo e reafirmando o a existência de danos de cunho moral e material.

Audiência realizada conforme termo (ID 123199728).

É o relato do essencial, sendo que maiores digressões são dispensadas, tendo em vista o que prevê o art. 38 da Lei nº 9.099/95.

Das Preliminares. A preliminar de incompetência deste Juizado Especial deve ser afastada. O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade (Lei n. 9.099/95, Art. 3º). A aludida complexidade não diz respeito à matéria em si, mas sim à prova necessária à instrução e julgamento do feito, devendo ser reconhecida a incompetência dos juizados sempre que o fato exigir uma perícia complexa. Na hipótese dos autos, a existência ou não do vício do produto é de fácil constatação, não exigindo uma prova intrincada. Decerto, a matéria discutida restou comprovada documentalmente, de modo que existem elementos suficientes à formação do convencimento deste Juiz. Deve-se recordar, ainda, que, no Juizado Especial, o juiz possui ampla liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica (art. 5º da Lei nº 9.099/95). Desse modo, rejeito a preliminar de incompetência.

Noutro giro, confirmo a gratuidade judiciária tendo em vista a condição de aposentado pelo INSS recebedor de proventos não superiores a um salário-mínimo. O valor do contrato firmado não pode ser utilizado como parâmetro, sobretudo porque não foi reconhecido pelo beneficiário. Mantenho a gratuidade da justiça da parte autora, haja vista que a requerida não trouxe aos autos elementos de convicção que indiquem a possibilidade da autora em arcar com as despesas processuais.

Da Fundamentação de Mérito. O caso está suficientemente instruído. O acervo documental, coligido aos autos pelas partes, basta para a solução do litígio. As questões controvertidas recaem apenas sobre teses jurídicas, sendo desnecessárias outras diligências probatórias. Ademais, “cabe ao Juiz, como destinatário final da prova, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, decidir pela produção probatória necessária à formação do seu convencimento” (AgInt no AREsp 1787991/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2021). O Código de Processo Civil adota o sistema do livre convencimento motivado: O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento (CPC, art. 371).

É evidente a relação de consumo entre as partes, sendo aplicável à presente lide o Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o art. 14, caput, da Lei n. 8.078/90, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Por sua vez, o § 1º do citado artigo dispõe que o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido. Estabeleceu o CDC, a hipótese de inversão legal do ônus da prova (art. 14, §3°) e a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, estando fulcrada na teoria do risco do empreendimento.

Aliado a isso, deve-se ressaltar que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 802.832/MG, Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 21/09.2011, pacificou o entendimento de que, em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), a inversão do ônus da prova decorre da lei, não dependendo da demonstração da vulnerabilidade ou hipossuficiência do consumidor. Considerando a alegação da parte autora de que não contratou ou consentiu aos descontos, competiria à ré demonstrar a licitude da contratação ou do desconto consentido, pelo fato da autora não poder provar o fato negativo de que não contratou ou autorizou os pagamentos. No caso dos autos, verifico que a parte autora foi vítima de fraude em razão da ausência da segurança necessária nos serviços de concessão de crédito fornecidos pela parte ré, na medida em que esta concedeu o empréstimo sem adotar as cautelas mínimas.

O contrato de fato veicula dados, documentos e assinatura, contudo é de se ter em vista que tais elementos (dados e imagens) são facilmente obtidos por bancos de dados compartilhados entre fornecedores de serviços e produtos entre si ou por meio dos serviços de SPC e SERASA. Não obstante o formulário pertença à instituição financeira demandada, é importante constatar que não conta a identificação e qualificação do preposto responsável pelo confecção do documento tampouco a assinatura de testemunhas do ato negocial (ID 121758775 - Pág. 4). Sem a identificação e qualificação de preposto e testemunhas, o fornecedor de serviço tenta transferir o ônus de provar a idoneidade do negócio jurídico para a parte hipossuficiente, já que não se tem interesse em arrolá-las como testemunhas nem se permite por outro lado que sejam convocadas tais pessoas para serem inquiridas em juízo.

Em audiência de instrução a parte requerente afirmou o seguinte: que não celebrou contrato de empréstimo com a instituição bancária requerida ou com outra instituição bancária; que não identificou deposito em sua conta bancária do montante de R$ 13.702,24 (Treze mil e setecentos e dois reais e vinte e quatro centavos); que é residente e domiciliada na Rua Via do Acesso, Bairro Barreiro, Boquira-BA; que a assinatura constante no contrato de empréstimo presente nos autos não é sua; que o documento pessoal de identificação presente junto ao contrato de empréstimo é seu, que não se recorda o número da conta e agência bancária em que recebe seu benefício previdenciário.

Sublinhe-se que, no atual estágio da internet e aplicativos, é facilmente editável, especificamente no tocante à assinatura, o documento considerado como contrato pelo banco. Tecnologias à disposição, como o recurso da gravação de voz que sempre é invocada pelos serviços de 0800 pelas empresas fornecedores, não foram aqui aplicadas: sem fotografia nem vídeo do ato, apenas uma assinatura, atribuída a pessoa de pouca instrução, em documento não original que nem mesmo a instituição financeira sabe dizer quem providenciou e onde foi providenciada a sua colheita.

Oportuno ressaltar que o contrato objetado não apresenta dados que demonstram que a pessoa jurídica responsável pelo preenchimento do documento apresenta endereço díspar ou não do da parte autora: Av. Rio BRanco, nº 571, Edf. BArão do Rio BranSala611, cidade e estado não informados (ID 121758775 - Pág. 3). Embora não se ignore que o patamar tecnológico da atualidade permita a celebração de contrato por contraentes independentemente da distância que estejam entre si, não deixa de causar estranheza o fato de que a pessoa jurídica atuante na condição de correspondente esteja situada em local consideravelmente distante do domicílio da parte autora ao passo que, de certo há nas adjacências do local onde esta reside diversas pessoas jurídicas que poderiam realizar tal função, com mais segurança e presencialmente em uma agência bancária (ex: Banco do Brasil, Bradesco e CEF). Nota-se, ainda, que não houve a juntada de nenhum comprovante atualizado de endereço e renda do...

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