Mairi - Vara c�vel

Data de publicação16 Maio 2023
Número da edição3332
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE MAIRI
SENTENÇA

8000237-93.2020.8.05.0158 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Mairi
Autor: Edvaldo Bispo Ferreira
Advogado: Pollyana Almeida Da Cruz (OAB:BA33135)
Reu: Banco Bonsucesso Consignado S/a
Advogado: Barbara Rodrigues Faria Da Silva (OAB:MG151204)

Sentença:

Vistos, etc.

Relatório dispensado, na forma do art. 38 da Lei n. 9.099/1995.

Cuida-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR ATO ILICÍTO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ajuizada por EDVALDO BISPO FERREIRA em desfavor do BANCO OLE CONSIGNADO S.A, ambos qualificados na exordial.

Sustenta a parte autora a nulidade na contratação do empréstimo consignado indicado na exordial. Pleiteia a declaração de inexistência do contrato, devolução dos valores descontados e indenização por danos morais.

A tentativa de conciliação restou frustrada.

O réu apresentou contestação, onde arguiu preliminares. Refutou as alegações autorais e requereu a improcedência da ação.

É o que importa circunstanciar.

DECIDO.

O pedido comporta julgamento antecipado, na forma do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil, uma vez que os arrazoados das partes e os documentos coligidos aos autos permitem o desate do litígio, independentemente da produção de outras provas. Ademais, é perfeitamente cabível que se julgue antecipadamente o mérito para se zelar pela rápida solução do litígio, privilegiando a celeridade e efetividade do processo, nos termos do artigo 139, inciso II, do Código de Processo Civil. Cumpre ressaltar, ainda, que o julgamento antecipado no presente caso não configura cerceamento de defesa, eis que compete ao Juiz, destinatário da prova, com fundamento na teoria do livre convencimento motivado, valorar e determinar a produção das provas que entender necessárias ao seu convencimento.

Com efeito, da análise objetiva das circunstâncias constantes dos autos, não vislumbro qualquer complexidade para o deslinde do feito, não havendo necessidade da perícia técnica suscitada pela parte demandada.

Para que se reconheça a complexidade de uma demanda, retirando a competência dos Juizados Especiais, é necessário que estejam presentes na lide elementos concretos que de fato impossibilitem o desate da controvérsia de forma rápida e objetiva, não sendo plausível a simples arguição abstrata de uma suposta impossibilidade técnica de compreensão dos fatos pelo magistrado, quando as circunstâncias dos autos apontam em sentido contrário.

Ademais, o Enunciado n. 54 do FONAJE preceitua que: “A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material.”

No caso em baila, os elementos concretos de prova já produzidos nos autos se mostram plenamente suficientes para o deslinde da controvérsia, não tendo a parte ré demonstrado a efetiva necessidade de intervenção pericial para a solução do caso em questão.

Dessa forma, não há qualquer razão para se concluir pela necessidade de realização de perícia técnica no caso em análise, tendo este julgador plena condição de elucidar o feito com base nos elementos concretos presentes nos autos.

Afasto a preliminar de conexão, pois, muito embora as demandas mencionadas envolvam as mesmas partes e possuam o mesmo pedido, ou seja, declaração de inexistência de negócio jurídico, indenização por danos morais e devolução em dobro dos valores descontados, a causa de pedir em cada uma das citadas ações é diversa, visto que os contratos que embasam os pedidos são distintos.

In casu, entendo totalmente desnecessária a reunião dos feitos, haja vista que parte deles já foram julgados e outros se encontram na fase de julgamento.

Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, pois entendo que os argumentos da parte Ré, na verdade, se confundem com o mérito da ação, não cabendo, em sede preliminar, discutir a existência ou não de excludente de responsabilidade.

Adentrando no mérito, de início, destaco que, não obstante a alegada ausência de contrato firmado entre as partes, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é inconteste.

Assim, estando a relação jurídica em questão sob a égide das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, é aplicável o art. 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova, motivada pela hipossuficiência da parte autora, materializada na fragilidade desta diante de grande instituição financeira, que detém poderio técnico-financeiro, sendo nítida, pois, a posição de desigualdade em que se encontra o consumidor.

Alega a demandante não ter efetuado o questionado financiamento/empréstimo junto ao suplicado.

Portanto, à parte ré caberia a juntada de todos os documentos comprobatórios das relações que mantenha ou tenha mantido com a cliente, mas disso não se desincumbiu o requerido, não trazendo aos autos nenhuma prova de que a requerente tenha contratado qualquer financiamento, empréstimo ou serviço junto a si, sequer trazendo aos autos o contrato que diz ter sido firmado pela parte autora, não logrando êxito em demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora.

A acionante, entretanto, provou a constituição de seu direito ao juntar aos autos o documento de ID.49864176, o qual comprova descontos mensais em seu benefício previdenciário, resultante do malfadado contrato celebrado junto ao réu.

Casos como estes têm sido frequentes, onde existe a contratação por terceiros em nome de outrem. Na maioria dos casos, instituições financeiras adotam critérios de desburocratização na contratação, oferecendo serviços e firmando contratos mesmo por telefone, não exigindo apresentação de documentos, bem como a solicitação de comprovantes de endereço, ou, se exigem, não têm o cuidado necessário na sua conferência, deixando, portanto, de agir com a segurança necessária quando da contratação, o que facilita as ações de terceiros fraudadores.

Mesmo as relações comerciais ou civis puras, com o advento do Código Civil de 2002, passaram a exigir a presença da boa-fé objetiva em todo o seu processamento. Tal comportamento impõe às partes agirem com lealdade, cooperação, proteção, cuidado uma para com a outra.

No caso dos autos, ainda que fosse demonstrada a ação de um falsário, tal não excluiria a negligência do requerido na correta conferência dos dados para a realização de transações comerciais. Ao demandado era plenamente possível se cercar de maior cautela evitando prejuízos a terceiros. Poderia diligenciar no sentido de conferir os dados do solicitante do empréstimo, exigir documentação comprobatória de dados. Assim não agindo, deixou vulnerável todos aqueles inseridos no mercado consumidor que, por infortúnio, fossem alvos de fraudadores.

O nexo causal entre a conduta do requerido e o dano suportado pela parte autora permanece intacto, ainda que com a intervenção de terceiro de má-fé. Se o requerido tivesse agido cumprindo o dever de cuidado ditado pela legislação em vigor, o fato não teria ocorrido como ocorreu.

Leva a esse resultado o disposto na Súmula 479, do STJ, publicada no DJe de 1.8.2012, a seguir transcrita:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Assim, o contrato n. 316710229-6, constituído de 72 (setenta e duas) parcelas no valor de R$ 18,00 (dezoito reais) deve ser considerado nulo e, consequentemente, deverá ser restituído ao autor os valores descontados indevidamente no seu benefício previdenciário.

A restituição há de ser em dobro, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC, uma vez não ter o requerido apresentado qualquer alegação de engano justificável.

Nesse sentido:


INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. AUSÊNCIA DE DISPONIBILIZAÇÃO DO NUMERÁRIO. DESCONTO DAS PARCELAS. ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS. Resta ilícito o desconto das parcelas acertadas entre as partes em contrato de empréstimo, se a instituição financeira não disponibilizou o montante objeto do contrato. A devolução das parcelas indevidamente descontadas, sem que esteja configurado engano justificável, deve ser feita em dobro, na forma do artigo 42, parágrafo único do CDC. (TJMG. 1.0145.04.189456-2/001(1). Rel. Des. Pedro Bernardes. DJ 05/05/2007).

No caso dos autos, a privação da autora do acesso ao seu benefício integral já configura dano moral, vez que existente uma ofensa a sua dignidade, notadamente porque se trata de pessoa de parcos rendimentos e de idade avançada.

Estabelecida, assim, a obrigação de indenizar, surge, então, a questão relativa ao quantum indenizatório, o qual deve ser aferido levando-se em conta a reprovabilidade da conduta ilícita, a duração e a intensidade do sofrimento vivenciados e a capacidade econômica de ambas as partes, de maneira que não represente gravame desproporcional para quem paga, consubstanciando enriquecimento indevido para aquele que recebe, ou não seja suficiente a compensar a vítima, desestimulando, por outro lado, o ofensor.

Considerando-se os critérios acima alinhavados, inclusive eventual culpa...

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