Marx e o Direito do trabalho: a luta de classes, o terreno jurídico e a revolução

AutorVitor Sartori
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito, Belo Horizonte, MG, Brasil
Páginas293-308
293DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592019v22n2p293
R. Katál., Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 293-308, maio/ago. 2019 ISSN 1982-0259
Marx e o Direito do trabalho: a luta de classes, o
terreno jurídico e a revolução
Vitor Sartori¹
https://orcid.org/0000-0001-9570-9968
Recebido em 01.10.2018. Aprovado em 20.11.2018. Revisado em 17.04.2019.
ESPAÇO TEMÁTICO: CONFLITOS SOCIAIS, IDEOLOGIA, CULTURA E SERVIÇO SOCIAL
Marx e o Direito do trabalho: a luta de classes, o terreno jurídico e a revolução
Resumo: Neste artigo trataremos da relação de Marx com o emergente Direito do trabalho. Pretendemos mostrar que ao mesmo tempo
em que Marx considera o terreno jurídico como um palco do conflito classista, ele traz à tona as limitações da esfera jurídica. Com isso,
diz Marx ser essencial a luta pela diminuição da jornada de trabalho, bem como a busca pela regulamentação jurídica. No entanto,
simultaneamente, enxerga tais lutas, na melhor das hipóteses, como parte da preparação do terreno revolucionário, em que, em verdade,
segundo ele, trata-se de suprimir a sociedade capitalista, o Direito e a própria centralidade que a atividade produtiva adquire na vida dos
homens da sociedade burguesa. Se Marx diz que a diminuição radical da jornada de trabalho é necessária, trata-se de algo que não seria
possível por meio do Direito, mas pela transformação substantiva da produção.
Palavras-chave: Marx. Direito do trabalho. Luta de classes.
Marx and Labor Law: The class struggle, the legal arena, and the revolution
Abstract: This article discusses the relation between Marx and the emerging labor law. The study shows that Marx points out the
limitations of the legal arena, at the same time as he considers it as a stage of class struggle. According to Marx, it is crucial to fight for
the reduction of the working day, as well as for legal regulation. However, at best he sees such struggles as part of the preparation of the
revolutionary terrain in order to suppress the capitalist society, the law, and the centrality of the productive activity in the life of the
human in the bourgeois society. Therefore, when Marx advocates for a radical reduction of the working day, he is not referring to a
struggle in the legal arena, but a substantive transformation of production.
Keywords: Marx. Labor law. Class struggle.
© O(s) Autor(es). 2019 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons
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1 Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito,
Belo Horizonte, MG, Brasil
294 Vitor Sartori
R. Katál., Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 293-308, maio/ago. 2019 ISSN 1982-0259
Jamais o escondemos. Nosso terreno não é o terreno do direito,
é o terreno revolucionário.
(MARX, 2010, p. 318)
Toda classe em luta precisa [...] formular suas reivindicações em um programa,
sob a forma de reivindicações jurídicas.
(ENGELS; KAUTSKY, 2012, p. 47)
Introdução
Estudar a posição de Marx nem sempre é simples. Isto se mostra bastante claro ao se perceber as
inúmeras posições que, partindo do autor de O Capital, manifestam-se sobre temas polêmicos. Em meio a
avaliações diferentes sobre o trabalho na obra marxiana – como aquela que defende quecentralidade do
trabalho na análise do autor (ANTUNES, 2008) ou aquela que defende que Marx, em verdade, é um crítico
do trabalho (POSTONE, 2014) – procuraremos trazer à tona o modo pelo qual, em Marx (2013), tem-se uma
abordagem bastante rica acerca da emergente regulamentação do trabalho fabril. Acreditamos que, em meio
a esta temática, o autor alemão explicita um caráter dúplice do trabalho e da relação deste último com a crítica
da sociedade capitalista. Assim, analisar a obra do próprio autor de O Capital pode ser bastante proveitoso.
Ou seja, aqui, não tomaremos o caminho convencional ao analisar a questão do trabalho em Marx: a
saber, tratar da relação entre trabalho concreto, trabalho abstrato, exteriorização da vida (Lebensäusserung),
alienação (Entäusserung), venda (Veräusserung) e estranhamento (Entfremdung). Em meio ao tratamento
marxiano da oposição entre o capitalista coletivo e o trabalhador coletivo – ou seja, entre as personificações
(Träger) do capital e do trabalho – procuraremos mostrar a dubiedade existente, de acordo com o texto marxiano,
quando se trata da relação entre o trabalho, a luta de classes e as reivindicações e conquistas jurídicas.
A partir da análise imanente1 do texto do próprio Marx (2013), procuraremos explicitar a relação exis-
tente entre a categoria trabalho, a luta de classes e o Direito. Com isso, ter-se-á em conta o modo pelo qual, ao
mesmo tempo em que a posição (Standpunkt) do trabalho não é resolutiva, em Marx (2012b), ao opor-se ao
capital, ela pode (embora isto ocorra de modo necessário) abrir espaço para o questionamento substancial da
sociabilidade eivada pela reprodução do capitalismo2. Intentamos apreender com cuidado este movimento
contraditório – presente na obra do autor de O Capital, mas também na própria realidade. E, para tanto, por
mais que o estudo da obra marxiana seja controverso em meio ao próprio marxismo, acreditamos, deve-se
voltar ao próprio texto de Marx.
Isto se dá, em grande parte, devido aos meandros – que analisaremos neste pequeno texto – que estão
envolvidos no tratamento marxiano da relação entre a perspectiva do trabalho e o Direito. Ou seja, analisamos
a obra de Marx (2012b, 2013), primeiramente, para iluminar aspectos essenciais à compreensão de nossa
época, em que os dilemas do mundo do trabalho são muitos. Além de tal interesse, claro, tem-se a análise de um
assunto controverso na obra de um autor clássico.
O avanço do capital diante do trabalho em meio ao modo de produção capitalista emergente:
vida cotidiana e classe trabalhadora
Para Marx (2013), a dinâmica do modo de produção capitalista parece ter por trás de si uma espécie de
sujeito automático como aquele que preside o processo de reprodução social. Diz Marx (1996a, p. 273-274)
sobre o valor que “ele passa continuamente de uma forma para outra, sem perder-se nesse movimento, e assim
se transforma num sujeito automático”. A questão, porém, passa por uma espécie de mistificação, que faz
parte da própria constituição objetiva da sociabilidade capitalista. Ela está relacionada, de modo mediado, ao
caráter fetichista da mercadoria e, por extensão, do capital já que “[...] o movimento, pelo qual ele adiciona
mais-valia [Merwert], é seu próprio movimento, sua valorização, portanto autovalorização. Ele recebeu a
qualidade oculta de gerar valor porque ele é valor. Ele pare filhotes vivos ou ao menos põe ovos de ouro”.
(MARX, 1996a, p. 274). Ou seja, em meio ao processo de valorização do capital, tem-se uma inversão gritante,
objetiva e presente na própria realidade efetiva: o valor parece se autovalorizar e parece ser uma espécie de
sujeito automático. E, na imediatidade da realidade efetiva, isso, até certo ponto, é verdadeiro. Ele põe ovos
de ouro e tem qualidades ocultas, sendo valor que gera valor.
No entanto, isto só pode ocorrer porque seu movimento é dependente da extração de mais-valor (Merwert)
e, portanto, do trabalho. A reprodução do capital, assim, parece ser automática e parece ser independente de

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