Mediando uma cultura de não-violência: a municipalização da medida de liberdade assistida na integração social do adolescente em conflito com a lei

AutorSidnéia Bento Duque
CargoPrefeitura Municipal de Vitória
Páginas107-114

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1 Introdução

Este estudo interpreta a violência como um fenômeno multifacetado, decorrente de uma combinação de fatores objetivos, como as desigualdades sociais, a ausência de políticas sociais e da ineficiência do funcionamento do sistema de penas; e fatores subjetivos, como a ausência de valores coletivos, a exacerbação da cultura consumista e a crise dos valores das instituições sociais, aliados a problemas de ordem individual, como a saúde mental e a ausência de incorporação de normas sociais.

A violência é interpretada como um processo histórico decorrente dos conflitos sociais acentuados pelas desigualdades da sociedade capitalista. Daí haver a defesa de um sistema de direito com valores ético-morais que corresponde ao código consuetudinário, isto é, baseado na historicidade dos costumes. O indivíduo é considerado como sujeito histórico que pode, mediante sua relativa autonomia, submeter-se ao papel social de marginalizado e delinqüente, imposto pela sociedade, ou recusar esse papel e construir um projeto de vida por meio da mediação das políticas sociais de integração social.

A violência está presente no cotidiano da sociedade brasileira, que mediante os seus meios de comunicação de massa, dissemina a idéia de um clima constante de medo e insegurança.

Segundo dados do Ministério da Justiça (BRASIL, 2008), há um aumento da criminalidade, o que pode ser verificado na ampliação do sistema prisional, tendo em vista que dados do Ministério da Justiça apontam que há uma população carcerária de aproximadamente 440.000 pessoas no Brasil.

Dentro do panorama nacional e local de aumento da preocupação com a violência, encontra-se a problemática do envolvimento de adolescentes com atos infracionais. Há na sociedade uma percepção, advinda do senso comum, que associa violência a drogas e adolescência.

Segundo dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos -Subsecretaria de Promoção dos direitos da criança e do adolescente- existem 15.426 adolescentes detidos nas unidades de internação do país. Observa-se que apesar de todos os clamores populares e dos meios de comunicação de massa em disseminar a idéia de impunidade e de aumento da criminalidade entre adolescentes, os números não revelam essa realidade. O número de adolescentes que cumprem medida de internação corresponde a 3,5% dos infratores adultos.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a internação deve ser medida socioeducativa excepcional aplicada apenas aos delitos graves. Além disso, tais medidas socioeducativas em meio aberto, restritas ao poder judiciário, limitam-se ao julgamento do adolescente em conflito com a lei, devendo o poder executivo propor políticas assistenciais de integração social. É esta a proposta da municipalização do atendimento ao adolescente em conflito com a lei, colocando como política pública executada pelo poder local. Ao desenvolver ações próximas ao cotidiano do adolescente, estaria facilitando a colaboração dos atores envolvidos/família, Estado e sociedade, vislumbrando além de políticas públicas, espaços de socialização e integração na sociedade.

2 Mediação e integração social na construção da cultura de não-violência

A polêmica que envolve a temática nos faz refletir. Afinal, o que é violência? Para funcionalistas, ela é instrumento irracional do indivíduo anômico, para marxistas, sintomas de uma sociedade irracional. A violência, como expressão da questão social, ganha proporções cada vez maiores nos noticiários da mídia e no cotidiano da sociedade. Por sua relevância social, é alvo de inúmeros debates no campo da política social que buscam estratégias de prevenção à criminalidade, apoio às vítimas da violência e políticas de integração social do infrator. No campo científico, a questão está na definição dos princípios orientadores dessas políticas. Assim, discutir o papel da violência e formas de coibi-la tornou-se preocupação de pesquisadores, formuladores e executores da política social.

Para o individualismo positivo, a liberdade, o livre arbítrio atribuído ao homem através da razão é o valor central da sociedade, o que faz Bobbio (2004) afirmar que a liberdade, ao ser princípio fundamental da revolução americana, tornou os americanos soberanos, enquanto a sociedade francesa, que preferiu defender o direito ao trabalho, é formada por súditos.

Dessa concepção de sociedade, surge a interpretação da violência como ruptura do contrato social, que seria definido como as Declarações de Direitos Humanos. A violência seria provocada pela falta de objetivação dos princípios jurídicos por meio da razão. Os homens são considerados iguais perante a lei, por isso o estatuto jurídico os eleva à condição de cidadãos. A violência seria provocada pela ausência de incorporação das normas sociais e pelas teorias coletivistas responsáveis por disseminar o ódio e o autoritarismo.

Assim, para Arendt (1994), a violência seria um problema de falta de objetivação das normas, caracterizando-a como pré-política. Arendt (1994) diferencia poder de violência, de maneira que o primeiro seria a capacidade de um grupo dominar por meio do consenso de uma maioria, enquanto o segundo é instrumental e sempre depende de uma justificativa para se tornar legítimo. O poder seria algo positivo concebido através da capacidade racional de convencer o grupo através do consenso.

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Arendt (1994) acusa a dialética marxista de justificar a violência, através da máxima de que "os fins justificam os meios" e da naturalização do conflito que serviram para reforçar atitudes violentas.

A grande confiança de Hegel e Marx no poder da negação dialética - em virtude da qual os opostos não se destroem, mas desenvolvem-se suavemente, transformando-se um no outro, pois as contradições promovem o desenvolvimento ao invés de paralisá-lo - assenta-se em um preconceito filosófico muito mais antigo: o de que o mal não é mais do que um modus privativo do bem; de que em síntese, o mal é apenas a manifestação temporária de um bem ainda oculto. Tais opiniões, desde há muito veneradas, tornaram-se perigosas (ARENDT, 1994, p. 44).

Segundo Arendt (1989), o adepto ao totalitarismo tem vida pessoal e profissional fracassada, possui um idealismo romântico extremado e postura heróica. Sacrifica tudo em nome de seus ideais e não cede à segurança do cotidiano. Aautora sempre analisa a violência sobre o prisma do coletivo contra o indivíduo. Assim, violento é aquele que prefere o nós ao eu; possui instintos anti-humanistas; antiliberais e anticulturais. Nessa concepção, a pessoa violenta vive num mundo ilusório que elimina a diferença entre o pensar e o agir e reprime sua subjetividade.

A análise de Arendt (1989) considera a violência como irracional e instrumental, por isso a aversão às teorias coletivistas e o apego ao liberalismo, que ela considera humanista. Regimes totalitários acontecem quando há a perda do prestígio das instituições públicas e a banalização da razão. Em função disso, os homens usam da violência para resolver seus conflitos, cindindo o mundo em heróis e bandidos.

Enquanto o liberalismo evoca a razão como categoria fundante, definindo o homem individual como o centro da...

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