Meio ambiente e agronegócio: a produção do negócio ambiental?

AutorCelso Antonio Favero
CargoCelso Antonio Favero é doutor em Sociologia (Université du Québec à Montreal, Canadá), professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e Líder do Grupo de Pesquisa Democracia e Desenvolvimento. Do mesmo Autor, ver 'A transnacionalização das práticas sociais dos agricultores' (Cadernos do CEAS, 180: 39-62. Salvador, Centro de Estudos e Ação ...
Páginas9-25
MEIO AMBIENTE E AGRONEGÓCIO:
A PRODUÇÃO DO NEGÓCIO AMBIENTAL?
CELSO ANTONIO FAVERO *
1. INTRODUÇÃO
As origens das discussões sobre o meio ambiente e a ecologia coincidem, no
tempo, com a primeira crise da idéia de progresso, na virada para o século XX,
e se consolida, nas décadas seguintes, com a emergência de vários
movimentos rebeldes que se opunham ao avanço da quimificação da
agricultura (Ehlers, 1999). No entanto, com a retomada vigorosa da
industrialização da agricultura após a Segunda Grande Guerra, em nome do
crescimento econômico, esse debate foi quase completamente marginalizado.
Mais recentemente, com a emergência dos movimentos ecológicos e
ambientalistas e a criação do Programa das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente (1972) e da Fundação Internacional de Alternativas de
Desenvolvimento (1976), o debate foi retomado, provocando, inclusive,
mudanças paradigmáticas no mundo científico. Nesse novo contexto, pela
primeira vez articulou-se meio ambiente e desenvolvimento e, após a
Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro, em 1992, foi
introduzida definitivamente a idéia de desenvolvimento sustentável.
Nesse percurso, produziu-se um quase consenso quanto à necessidade da
articulação entre meio ambiente e desenvolvimento, apesar da existência de
profundas divergências quando se trata da definição desses conceitos e,
assim, das relações entre eles (Porto-Gonçalves, 2004: 24-26). Tais
desentendimentos, que repercutem nos meios acadêmicos e na mídia, onde
ganham novos conteúdos, têm origem nos movimentos sociais e, em grande
medida, no denominado agronegócio, que se constitui com base numa relação
tensa e, freqüentemente, predatória com a natureza.
Situado nesse quadro, o objetivo deste trabalho é desvendar o modo como o
denominado agronegócio representa a questão ambiental. O cenário é o Oeste
do Paraná e, mais especificamente, a sub-região de Toledo. No quadro das
estatísticas nacionais, se trata de um dos centros de excelência do
agronegócio brasileiro, principalmente na produção de soja, suínos, aves e,
ultimamente, leite. Em termos estruturais, contribuem para isso, primeiro, a
excelência dos solos da região, segundo, a tradição em agropecuária dos
colonizadores da região e, terceiro, a presença de grandes empresas que são,
tomadas no conjunto, produtoras agropecuárias, integradoras e indutoras das
unidades agrícolas familiares (96% das unidades agrícolas do município são
integradas a empresas e/ou cooperativas), industrializadoras e exportadoras.
Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Toledo detém o primeiro lugar no ranking do Produto Interno Bruto
(PIB) agropecuário do Paraná e do Sul do país (posição que vem ocupando
nos últimos doze anos) e o décimo primeiro posto no Brasil.
Em termos culturais, apesar de ser uma região relativamente urbanizada e
industrializada (a população rural do Oeste do Paraná, na soma geral, não
ultrapassa os 10% do total), predominam modos de vida e formas de pensar
essencialmente rurais, elaborados com base em uma religiosidade de
tendência conservadora e familista. No entanto, visto da perspectiva dos
jovens e adolescentes da região, é possível afirmar que se trata de uma
ruralidade em crise, fragmentada e em processo de perda ou de mudança de
identidade. Esse perfil sócio-cultural tem reflexos nos sistemas organizacionais
e nas administrações municipais, marcados, de um lado, pela forte presença
de um comunitarismo religioso-familista-gregário e, por outro, por um
individualismo competitivista e racionalista exacerbado.
No meio rural, os pilares desse modo de vida são a propriedade familiar e a
rede de organizações locais, de base religiosa-associativa (comunidades
eclesiais, associações de moradores e de idosos e clubes de mães),
desarticulada (pelo menos formalmente) com relação a outra rede, mais ampla,
das organizações cooperativas e empresariais, fortemente competitivas,
inseridas em mercados mundiais. Recentemente, em virtude da intensa
migração para outras regiões do país e, também, para as cidades e,
conseqüentemente, da diminuição do número de moradores nas áreas rurais,
especialmente de jovens, as comunidades encolheram, envelheceram e se
tornaram lugares de festa (religiosas e gastronômicas) e de lazer.
Essas mudanças no perfil e nas estruturas das comunidades rurais se inserem
num contexto maior de transformações, envolvendo, inclusive, a produção de
uma nova hegemonia social-política regional e, conseqüentemente, dos
próprios modos de sua auto-representação. Ou seja, se, por um lado, não se
apaga o passado rural e religioso, por outro, este reaparece num novo
processo, metamorfoseado e combinado com o urbano, o moderno, o racional,
o calculista. Nos discursos públicos, e mesmo nas conversas cotidianas,
dependendo das circunstâncias, enfatiza-se ora uma dimensão, ora outra.
Inserido nesse contexto, o agronegócio, enquanto ator social e produtor de
representações, é o resultado e a expressão mais nítida desse processo.
Com base nessas considerações, neste trabalho, após definir os conceitos de
agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente, pretende-se acompanhar os
passos do agronegócio enquanto ator no processo de produção de uma forma
de representar a questão ambiental e, sobretudo, de um modo de representar
a relação entre a sociedade e o meio ambiente na perspectiva do denominado
desenvolvimento sustentável. O cenário para isso não poderia ser mais
adequado. Durante o ano de 2004 e nos primeiros meses de 2005 as
autodenominadas lideranças da população rural do município elaboraram um
Plano Municipal de Desenvolvimento Rural. Além disso, desde novembro de
2004, por causa de pressões oriundas do Instituto Ambiental do Paraná (IAP)
com relação à concessão de licenciamento para a instalação de sistemas
produtivos, desencadeou-se um intenso movimento na região, com o propósito
de obter modificações na legislação ambiental e elaborar para a região uma
espécie de Pacto Ambiental, que seria denominado, como ocorrera no Estado
de Santa Catarina, Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta.

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