Os meios de obtenção da prova digital

AutorDario José Kist
Ocupação do AutorMestre em Direitos Fundamentais
Páginas137-279
Prova Digital no Processo Penal 137
CAPÍTULO II
OS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA DIGITAL
Conforme anunciado, o presente capítulo é destinado à análise dos
principais meios de obtenção de prova digital, em especial, mas não só,
aqueles previstos na Convenção de Budapeste.
1. CONSERVAÇÃO EXPEDITA DE DADOS
1.1. Noções conceituais
De acordo com o artigo 16º da Convenção de Budapeste, os Estados
signatários podem adotar medidas legislativas para permitir às respectivas
autoridades competentes investigar os cibercrimes, ordenarem a con-
servação expedita de dados informáticos especí cos, incluindo dados de
tráfego, armazenados em sistema informático, nomeadamente nos casos
em que tais dados são particularmente suscetíveis de perda ou alteração.
Orienta, também, que a ordem seja endereçada a quem detenha sua
posse ou sobre eles tenha controle, para “conservar e proteger a integrida-
de dos referidos dados por um período tão longo quanto o necessário, até ao
máximo de 90 dias, por forma a permitir às autoridades competentes a
obtenção da sua divulgação”, podendo ser prevista “a subsequente renovação
de tal injunção” – art. 16, nº 2. Acrescenta que as medidas legislativas hão
de incluir a obrigação de a pessoa responsável pelos dados a manter sigilo
sobre a implementação da ordem de conservação dos dados.
No Relatório Explicativo da Convenção, itens 158 e seguintes, lê-se
que o
termo “preservação” implica que os dados, já existentes e armaze-
nados, sejam protegidos de tudo quanto seja susceptível de provocar
a alteração ou a deterioração de sua qualidade ou do seu estado atual,
mantendo-os a salvo de toda e qualquer modi cação, dani cação ou
eliminação. A preservação, por outro lado, não signi ca que os dados
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sejam “congelados”, ou seja, tornados inacessíveis, em especial para
os seus utilizadores legítimos. A pessoa à qual a ordem é dirigida poderá
continuar a acessá-los, cando tal acesso dependente das especicações
que gurarem na referida ordem de preservação.
Além disso, o
poder
de ordenar a preservação expedita de dados aplica-se a qualquer tipo
de dados informatizados armazenados, como registros comerciais,
médicos, pessoais ou outros.
Percebe-se, portanto, tratar-se de medida com especial valor
quando existam motivos para crer que os dados sejam particularmente
vulneráveis e passíveis de injunções de terceiros, aí incluído o investi-
gado, destinando-se à sua preservação.
Na legislação portuguesa, a preservação expedita de dados vem
contemplada no art. 12 da Lei nº 109/2009, a Lei do Cibercrime. A
norma pode ser assim sintetizada:
a) s
e no decurso do processo for necessário à produção de prova,
tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos
especícos armazenados num sistema informático, incluindo dados
de tráfego, em relação aos quais haja receio de que possam per-
der-se, alterar-se ou deixarem de estar disponíveis, a autoridade
judiciária competente pode ordenar a quem tenha disponibilidade
ou controle sobre esses dados, em especial o fornecedor de
serviço221, que os preserve;
b) havendo urgência ou perigo na demora, a preservação pode ser
ordenada pelo órgão de polícia criminal, que deverá dar notícia
imediata do fato à autoridade judiciária e transmitir-lhe relatório;
c) na ordem de preservação devem ser discriminados a natureza
dos dados, a sua origem e destino, se conhecidos, e o período
de tempo pelo qual deverão ser preservados – até três meses,
prazo prorrogável até o máximo de um ano;
221 A denição de fornecedor de serviços consta no artigo 1º, alínea “c”, da Convenção:
A expressão «fornecedor de serviços» designa: i) qualquer entidade pública ou privada que
faculte aos utilizadores dos seus serviços a possibilidade de comunicarem através de um sistema
informático; ii) qualquer outra entidade que processe ou armazene dados informáticos em
nome do referido serviço de comunicações ou dos utilizadores desse serviço”. Em síntese, trata-
se das entidades públicas e privadas que oferecem aos utilizadores dos seus serviços a
possibilidade de comunicar por meio de um sistema informático.
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d) o cumprimento e execução da ordem consiste na imediata pre-
servação dos dados em causa, protegendo e conservando sua
integridade pelo tempo xado, de modo a permitir à autoridade
judiciária competente a posterior obtenção;
e) o destinatário da ordem de conservação ca obrigado a assegurar
a condencialidade acerca da existência da medida processual.
Observa-se, portanto, que a medida consistente na preservação
de dados tem natureza instrumental para outra medida posterior, que é
o acesso, conhecimento e utilização de dados informáticos como prova
em processo penal. Seu objetivo, conforme se intui das normas citadas, é
preservar dados que, de acordo com as autoridades que estão investigando
determinado fato, possam ser necessários para a “descoberta da verdade
e que se suspeita possam ser alterados ou destruídos. Ademais, os dados
a serem preservados podem tanto estar na posse “material” do destinatário
da ordem ou, não estando, estejam sob o seu controle.
Ainda segundo o Relatório Explicativo da Convenção, a preservação
não se confunde com o arquivamento dos dados, compreendido este
como o processo de guardar e manter na sua posse, para o futuro, dos
dados que estão sendo produzidos; a medida de preservação de dados,
ora em análise, refere-se apenas àqueles que já existem por haverem
sido recolhidos pelo detentor, e não abrange a obtenção de dados em
tempo real e, muito menos, o acesso ao conteúdo das comunicações222.
1.2. Tipos de dados a serem conservados
A medida em questão permite conservar qualquer tipo de dado: de
localização, de base, de tráfego e mesmo de conteúdo, como registros
comerciais, médicos, pessoais, etc., na medida em que visa apenas isso
(proteger dados de qualquer tipo de modicação, danicação ou elimina-
ção), e não o acesso, que deverá ser obtido por meio de outra medida.
DUARTE NUNES traz à consideração, e com acerto, que a ecácia
da medida de preservação expedita de dados “depende de o destinatário
222 Nesse sentido: NUNES, Duarte Rodrigues. Os meios de prova previstos na Lei do Cibercrime.
Coimbra: Gestlegal, 2018, p. 35. Para acessar o conteúdo de comunicações em trânsito há
outro meio de prova, a interceptação, analisada em outra passagem.
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