Saúde Mental e Qualidade de Vida no Trabalho

AutorRúbia Zanotelli de Alvarenga/Flávia Moreira Marchiori
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC Minas/Mestre em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz)
Páginas169-177

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Introdução

Este artigo objetiva expor uma análise das situações que provocam sofrimento e adoecimento, afetando a saúde física e mental dos trabalhadores e, por consequência, a sua produtividade relacionada ao trabalho. à luz de estudos jurídicos e psicológicos, abordam-se aqui a saúde mental no trabalho e as consequências do adoecimento psíquico para os trabalhadores, listando-se algumas das principais manifestações contemporâneas de sofrimentos provocados por violência, estresse e assédio nas relações de trabalho.

1. Os sentidos do trabalho

Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida

E vida é trabalho...

E sem o seu trabalho

O homem não tem honra E sem a sua honra

Se morre, se mata...

Não dá prá ser feliz Não dá prá ser feliz..

(Gonzaguinha).

Sonho, vida, honra, morte, felicidade... Na música de Gonzaguinha, os múltiplos sentidos do trabalho para o ser humano são apresentados. A noção de sofrimento está presente na origem da palavra “trabalho”, que se associa aos termos latinos tripalium e trabicula, cujos significados estão ligados à tortura, a algo penoso e, até mesmo, indesejado. Por outro lado, como pensar a vida sem o trabalho, atividade que constroi o homem e a sociedade e que tem um papel fundamental para a saúde e para a qualidade de vida das pessoas. Esta atividade que caracteriza a vida humana, identificando o homem e fazendo o elo com a vida social, é sempre uma mistura entre prazer e sofrimento.

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O sofrimento do trabalho e suas consequências para a saúde mental dos trabalhadores foi narrado pelo clássico filme “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin (1936). Na obra, a brilhante interpretação e a sensibilidade do artista traduziram uma crítica à modernidade e ao capitalismo, denunciando a violência produzida pelas transformações impostas pelo taylorismo e pelo fordismo sobre a organização do trabalho na linha de montagem.

O estudo das relações entre o trabalho, a saúde e a doença mental foi bastante desenvolvido pelo psiquiatra e psicanalista francês Christophe Dejours, fundador da psicodinâmica do trabalho. Estudando os impactos do trabalho para a saúde mental, Dejours distinguiu dois tipos de sofrimento: o sofrimento criador e o sofrimento patogênico.

Para Dejours (1994. p. 137), o sofrimento patogênico aparece, quando

[...] todas as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho já foram utilizadas. Isto é, quando não há nada além das pressões fixas, rígidas, incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo ou o sentimento de impotência.

Ressalte-se que a saúde mental dos trabalhadores está diretamente relacionada a um trabalho que propicie ações criativas transformadoras do sofrimento presente nas ações laborativas que contribuam para uma estruturação positiva da identidade do homem no trabalho. Neste sentido, Dejours aponta a outra noção de sofrimento, o criador, ligado à superação da paralisia e da destruição das relações de trabalho. É criador,

[...] quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade, ele traz uma contribuição que beneficia a identidade. Ele aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática. O trabalho funciona então como um mediador para a saúde (DEJOURS, 1994. p. 137).

A dinâmica entre o prazer e o sofrimento no trabalho tem origem nas situações vivenciadas entre os indivíduos e as organizações.

2. Saúde mental no trabalho

O Direito do Trabalho, desde o seu nascedouro, tem a função de promover a dignidade humana do trabalhador por meio de instrumentos normativos de tutela à saúde do trabalhador.

Para Oliveira, S. G. (2011. p. 73): “o homem não busca apenas a saúde no sentido estrito, anseia por qualidade de vida; como profissional não deseja só condições higiênicas para desempenhar sua ativi-dade, pretende qualidade de vida no trabalho”.

Neste aspecto, assinala Silva, J. A. (1997. p. 54) que o objeto de tutela jurídica do direito ambiental “não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o direito visa proteger (sic) é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida [...]”.

A proteção à saúde é um direito fundamental do trabalhador e foi incorporada à Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos constitucionais, a saber: a) art. 1º; b) art. 6º; c) art. 7º, xxII; d) art. 194; e) art. 196; f) art. 200, II e VIII; g) art. 154; h) art. 225. É cediço ainda que esta mesma Constituição dedicou um capítulo exclusivo, dentro do Título VIII – Da ordem social, sobre o meio ambiente do trabalho. Aprofundando-se, a assertiva, Capítulo VI
– Do Meio Ambiente, expressa, por meio do caput do art. 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata, assim, a CR/88 do meio ambiente como um todo, e, por sua extensão, também abrange o meio ambiente laboral hígido e saudável.

De acordo com Minardi (2010. p. 2), a saúde mental é o bem-estar da saúde psíquica, que corresponde à saúde da mente, assim considerada a parte do cérebro ligada aos processos psicológicos superiores, chamados de cognição, como o intelecto, o pensamento, o entendimento, a concepção e a imaginação.

Conforme assegura Navarro González (apud MINARDI, 2010. p. 2): “o que é a saúde mental senão a saúde da mente, a saúde psíquica, a saúde da alma?”. Para o jurista espanhol, a proteção à saúde se refere, assim, não só à saúde física, que é a saúde do corpo, mas também à saúde mental, à saúde psíquica, à saúde anímica, à saúde da alma.

Registre-se que a Convenção n. 155 da OIT, em seu art. 3º, estabelece: a expressão “local de trabalho” abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou aonde têm que comparecer e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do empregador; e o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais

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que afetam a saúde e que estão diretamente relacionados com a segurança e com a higiene no trabalho.

Oliveira, S. G. (2011. p. 531), ao discorrer sobre a Convenção n.155 da OIT, assinala que o conceito de saúde, adotado oficialmente pela OMS, “abre vasto campo de progresso, pois visualiza o ser humano numa dimensão abrangente (biopsicossocial)”.

Em razão disso, “a tutela jurídica do hodierno meio ambiente do trabalho vai desde a qualidade do ambiente físico interno e externo do local de trabalho até as manutenções da boa saúde física e mental do trabalhador” (MINARDI, 2010. p. 39).

O direito fundamental à saúde mental está, assim, diretamente relacionado à qualidade de vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho e visa a pro-mover a incolumidade psicológica e física destes durante o desenvolvimento da sua atividade profissional, de modo que o trabalho possa ser desenvolvido de forma saudável e equilibrado, já que “sem saúde não há vida digna e sem meio ambiente equilibrado não há saúde” (SILVA, J. A. R. O., 2008. p. 8).

Neste aspecto,

Não há falar em dignidade da pessoa humana sem que haja trabalho e que este apresente (sic) em condições dignas ao cidadão, sob pena de jamais se alcançarem a paz e a justiça sociais (art. 193 da Constituição Federal de 1988), além da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego (art. 170, VII e VIII, da Constituição Federal de 1988). (MINARDI, 2010. p. 13).

Em todo este contexto insofismável de defesa ao direito fundamental à saúde, em especial, à saúde mental, o trabalhador encontra guarida para a tutela de sua vida e dos direitos da personalidade, nestes incluído o direito à integridade psicofísica.

Para melhor qualidade de vida, o trabalhador, assim, necessita conviver em um meio ambiente de trabalho saudável e equilibrado, a fim de que o exercício do trabalho não prejudique a sua saúde mental e, por consequência, à sua integridade física. Os danos de ordem psíquica e física são distintos entre si e podem atuar tanto de forma isolada como cumulativamente.

A esse respeito, destaca Simm (2008. p. 135) que devem ser protegidos tanto o físico, quanto o anímico, tendo em vista que, quando se fala em proteção à saúde, quer-se referir tanto à saúde física quanto à mental, assegurando-se ao indivíduo a sua integridade física ou mental. Além disso, há agressões que são dirigidas contra a mente da pessoa e outras que atingem diretamente seu corpo físico, mas atacando-se a parte estar-se-á igualmente atacando o todo, uma vez que os danos físicos sofridos acarretam transtornos mentais e que os danos mentais acabam produzindo também lesões físicas. Neste aspecto, há de ser respeitada e tutelada a integridade psicofísica do indivíduo.

Por conseguinte, há uma profunda relação entre o ambiente de trabalho e a saúde mental, tendo-se em vista que, pelo fenômeno da somatização, muitas perturbações de ordem psíquica acabam se refletindo...

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