Noções Conceituais Sobre o Assédio Moral na Relação de Emprego

AutorRodolfo Pamplona Filho
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador ? UNIFACS
Páginas143-155

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1. Introdução

Falar sobre assédio moral é, em verdade, dissertar sobre um tema que remonta a tempos imemoriais e que, há bem pouco tempo, poderia ser encarado como um exagero ou uma suscetibilidade exacerbada.

De fato, encarar seriamente o assédio moral como um problema da modernidade é assumir que os valores de hoje não podem ser colocados na mesma barema de outrora, uma vez que a sociedade mudou muito a visão da tutela dos direitos da personalidade.

E é disso mesmo que se trata o assédio moral: uma violação ao um interesse juridicamente tutelado, sem conteúdo pecuniário, mas que deve ser preservado como um dos direitos mais importantes da humanidade: o direito à dignidade.

2. Conceito e denominação

O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.

Este nosso conceito busca um sentido de generalidade, pois o assédio moral não é um “privilégio” da relação de emprego, podendo ser praticado em qualquer ambiente onde haja uma coletividade, como, por exemplo, em escolas, comunidades eclesiásticas, corporações militares, entre outros.

Na relação de trabalho subordinado, porém, este “cerco” recebe tons mais dramáticos, por força da própria hipossuficiência de um dos seus sujeitos, em que a possibilidade de perda do posto de trabalho que lhe dá a subsistência faz com que o empregado acabe se submetendo aos mais terríveis caprichos e desvarios, não somente de seu empregador, mas até mesmo de seus próprios colegas de trabalho.

Por isso mesmo, os autores que têm se debruçado sobre a questão acabam sempre conceituando o fenômeno dentro do campo das relações de trabalho.

Neste sentido, Marie-France Hirigoyen entende o assédio moral como sendo “toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integri-dade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”1.

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No mesmo diapasão, é o conceito elaborado por Sônia Aparecida Costa Mascaro Nascimento, que afirma que o “assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”2.

Por fim, vale registrar que a expressão “assédio moral” é, sem sombra de dúvida, a mais conhecida. Todavia, a título de informação, saliente-se que tal fenômeno é também denominado como mobbing3

(Itália, Alemanha e países escandinavos), bullying (Inglaterra), harassment (Estados Unidos), harcèlement moral (França), ijime (Japão), psicoterror laboral ou acoso moral (em países de língua espanhola), terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho (em países de língua portuguesa).

3. Importância do tema

O tema do assédio moral se encontra na “crista da onda”.

De fato, o enorme interesse despertado sobre o tema, na contemporaneidade, se revela na imensa quantidade de publicações destinadas ao esclarecimento e estudo da matéria.

A própria Organização Internacional do Trabalho, em seus periódicos mais recentes, tem reservado grande espaço para a análise deste complexo fenômeno que pulula em diversos países.

Independentemente disso, vale salientar que a própria preocupação mundial com o problema é, por si só, um grande sinal de sua importância, uma vez que mostra que a atenção dos juslaboralistas modernos não se resume ao conteúdo patrimonializado da relação trabalhista, mas sim a uma efetiva tutela dos interesses das pessoas envolvidas nesta “elétrica” relação jurídica.

4. Distinção do assédio moral para o assédio sexual e o dano moral

Um ponto extremamente relevante, na visão introdutória sobre o assédio moral, é a sua distinção para o assédio sexual e para o dano moral.

De fato, qualquer uma das formas de assédio (tanto sexual, quanto moral) traz, em seu conteúdo, a ideia de cerco.

Todavia, a diferença essencial entre as duas modalidades reside na esfera de interesses tutelados, uma vez que o assédio sexual atenta contra a liber-dade sexual do indivíduo, enquanto o assédio moral fere a dignidade psíquica do ser humano.

Embora ambos os interesses violados sejam direitos da personalidade, não há que se confundir as duas condutas lesivas, embora seja possível visualizar, na conduta reiterada do assédio sexual, a prática de atos que também atentam contra a integridade psicológica da vítima.

Já a noção de dano moral, definitivamente, não pode ser confundida com o assédio.

De fato, o assédio, seja sexual ou moral, é uma conduta humana, como elemento caracterizador indispensável da responsabilidade civil, que gera potencialmente danos, que podem ser tanto materializados, quanto extrapatrimoniais.

O dano moral é justamente este dano extrapatrimonial que pode ser gerado pelo assédio, ou seja, a violação de um direito da personalidade, causada pela conduta reprovável ora analisada.

5. Classificação

Toda classificação varia de acordo com a visão metodológica de cada autor.

Todavia, no campo do assédio moral, é possível se visualizar três modalidades básicas, a saber o assédio moral vertical, horizontal ou misto.

O assédio vertical é aquele praticado entre sujeitos de diferentes níveis hierárquicos, envolvidos em uma relação jurídica de subordinação.

Trata-se da modalidade mais comumemente admitida de assédio moral, dada a desigualdade entre os sujeitos envolvidos.

Quando praticado pelo hierarquicamente superior, com intuito de atingir o seu subordinado, denomina-se vertical descendente, em razão do sentido adotado pela conduta.

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Por sua vez, vertical ascendente será, quando o hierarquicamente inferior agir com intuito de assediar o seu superior. Esta violência de “baixo para cima” não é tão rara como se possa imaginar, a primeira vista. Como exemplos, podemos citar situações em que alguém é designado para um cargo de confiança, sem a ciência de seus novos subordinados (que, muitas vezes, esperavam a promoção de um colega para tal posto). No serviço público, em especial, em que os trabalhadores, em muitos casos, gozam de estabilidade no posto de trabalho, esta modalidade se dá com maior freqüência do que na iniciativa privada.

Já o assédio horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estejam no mesmo nível hierárquico, sem nenhuma relação de subordinação entre si.

Frise-se que, assim como no vertical, a conduta assediadora pode ser exercida por uma ou mais pessoas contra um trabalhador ou um grupo destes, desde que, seja este grupo determinado ou determinável, não se admitindo a indeterminabilidade subjetiva (exemplo: toda a coletividade). Afinal, a conduta hostil e excludente do assédio moral, diante de sua característica danosa, será sempre dirigida a um funcionário específico ou a um grupo determinado para atingir sua finalidade.

Já o assédio moral misto exige a presença de pelo menos três sujeitos: o assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima. Pode-se dizer que o assediado é atingido por “todos os lados”, situação esta que, por certo, em condições normais, se torna insustentável em tempo reduzido.

6. Elementos caracterizadores

Na falta de uma previsão legal genérica sobre assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro, uma adequada visão metodológica da matéria impõe, para a fixação de claros limites para a sua caracterização, o destrinchar do conceito doutrinário propugnado, de forma a permitir uma efetiva compreensão do instituto.

Como conceituamos assédio moral como “uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social”, podemos extrair quatro elementos, a saber:

  1. Conduta abusiva;

  2. Natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo;


    c) Reiteração da Conduta;

  3. Finalidade de exclusão.

    Alguns autores insistem em colocar a necessi-dade de um dano psíquico-emocional como imprescindível para a caracterização do assédio moral. Embora não concordemos com tal concepção, faremos algumas breves observações sobre a necessidade ou não de tal demonstração.

6.1. Conduta abusiva

A concepção de conduta abusiva aqui utilizada se refere ao abuso de direito como ato ilícito, na forma propugnada pelo art. 187 do vigente Código Civil brasileiro.

Isto porque o convívio humano enseja o estabelecimento de laços de amizade e camaradagem, em que brincadeiras podem ser feitas de forma livre.

Todavia, quando tais gracejos extrapolam os...

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