Mercantilização da educação, precarização do trabalho docente e o sentido histórico da pandemia covid 19

AutorRoberto Leher
CargoLicenciado em Ciências Biológicas. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo
Páginas78-102
MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E O SENTIDO
HISTÓRICO DA PANDEMIA COVID 19
Roberto Leher
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Resumo
O artigo discute no vas conformações da precarização do trabalho docente como a plataformização do trabalho,
engendradas pela particular mercantilização da ed ucação brasileira alavancada po r fundos de investimentos e sociedades
anônimas. Conceitua a mercantilização como expressão contemporânea da crise estrutural e da correspondente
financeirização. Examina o movimento da mercantilização em curso no País, por meio de categorizações explicativas
referenciadas no escopo da reprodução ampliada do capital (Marx, O Capital). Discute o contexto de guerra cultural em
curso no Brasil e as novas oportunidades de avanço do capital, em especial das corporações de tecnologia (BigTechs)que,
em linha com organismos internacionais, situaram a pandemia de Covid-19 como uma oportunidade de novos negócios na
educação. Conclui indicando eixos para a defesa da educação pública não mercantil.
Palavras-chave: crise estrutural; mercantilização da educação; precarização do trabalho docente; pandemia de Covid-19;
guerra cultural.
COMMODIFICATION OF EDUCATION, PRECARIOUSNESS OF TEACHING WORK AND THE HISTORICAL M EANING
OF THE COVID 19 PANDEMIC
Abstract
The article discusses new conformations of the precariousness of teaching work, such as the platformization of work,
engendered by the particular commodification of Brazilian education leveraged by investment funds and corporations. It
conceptualizes commodification as a contemporary expression of the structural crisis and the corresponding financialization.
It examines the commodification movement underway in the country through explanatory categorizations referenced in the
scope of the expanded reproduction of capital (Marx, O Capital). It discusses the context of the cultural war underway in
Brazil and the new opportunities for capital advancement, especially for technology corporations (BigTechs) that, in line with
international organizations, have placed the Covid-19 pandemic as an opportunity for new bus iness in the education field. It
concludes by indicating axes for the defense of non-market public education.
Keywords: structural crisis; commodification of education; precariousness of teaching work; Covi d-19 pandemic; cultural
war.
Artigo recebido em: 14/02/2022 Aprovado em: 30/05/2022
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Licenciado em Ciências Biológicas. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor Titular da Faculdade
de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em
Educação pela Universidade de São Paulo
Roberto Leher
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1 INTRODUÇÃO
A problemática da mercantilização da educação e de suas interconexões com o trabalho
docente é indissociável dos movimentos, crises e contradições do capital e de suas conformações
como modo de produção capitalista. Recusando o determinismo economicista, o presente artigo
propugna que o movimento do capital e suas crises definem o fundamental da agenda educacional,
situação dilatada no contexto de irrupção de uma pandemia com dimensão planetária, como a Covid-
19, que, no final de maio de 2022, totalizava 529,1 milhões de registros com 6,23milhões de mortos.
Essas conexões abrangem não apenas as consequências imediatas da pandemia na
educação mundial expressas na interrupção das aulas presenciais, mas também pelos movimentos do
capital direcionados: à destruição de postos de trabalho regulados por legislações trabalhistas; à
expropriação do conhecimento dos professores; à corrosão da autonomia didático-científica dos
professores e das escolas, e à intensificação da exploração do trabalho docente. O movimento do
capital na esfera educacional objetiva subordinar o conhecimento curricular às gelatinosas
competências defendidas pelos Aparelhos Privados de Hegemonia empresariais (APHe) propagadas
pelas plataformas tecnológicas das corporações educacionais.
Outro ângulo a ser considerado é a consequência das políticas neoliberais para o
financiamento da educação pública, para o desenvolvimento do sistema de ciência e tecnologia e para
o fortalecimento das cadeias produtivas que poderiam demandar melhores postos de trabalho. Por
meio de um complexo processo de acionamento ideológico, balizado nas ideologias da austeridade
fiscal, da liberalização da economia e desregulamentação dos direitos sociais, o próprio Estado vem
sendo reconfigurado, em detrimento de suas dimensões constitucionais públicas, afetando de modo
direto a educação como dever do Estado e direito dos cidadãos.
Com efeito, a pandemia condensa diversas expressões da crise estrutural assumindo a
dimensão de um acontecimento de escala “tectônica” que está alterando e convulsionando
profundamente a educação mundial. Como se fosse uma ‘tempestade perfeita’, os tempos da letal
pandemia são coetâneos de deslocamentos de grande magnitude no interior do sistema de estados
interimperialista (WOOD, 2003), de mudanças climáticas globais de imensa magnitude e de ainda
desconhecidas mudanças no mundo do trabalho. A rigor, as interconexões entre os elementos que
conformam a referida tempestade devastadora configuram uma totalidade ainda longe de ser
compreendida e explicada em todas as suas dimensões, a exemplo do espectro do fascismo em
diversas regiões do mundo.
Assim é o modo de produção capitalista no século XXI: eventos climáticos extremos,
pandemias, fome, erosão dos direitos trabalhistas e sociais, turbo concentração de renda e ignominiosa

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