Lei de responsabilidade fiscal, correlação entre metas e riscos fiscais e o impacto dos déficits públicos para as gerações futuras

AutorProf. Gilmar Ferreira Mendes
CargoMinistro do Supremo Tribunal Federal. Professor Adjunto da Universidade de Brasília - UnB. Mestre e Doutor em Direito. Ex-Advogado-Geral da União.
Páginas1-7

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I - Introdução

É certo que o advento da Lei Complementar Nº 101, de 4 de maio de 2000, representou um avanço significativo nas relações entre o Estado fiscal e o cidadão. Mais que isso, ao enfatizar a necessidade da accountability,i atribuiu caráter de essencialidade à gestão das finanças públicas na conduta racional do Estado moderno, reforçando a idéia de uma ética do interesse público, voltada para o regramento fiscal como meio para o melhor desempenho das funções constitucionais do Estado.

Este artigo tem por objetivo analisar dois temas de fundamental importância para a viabilidade da idéia de responsabilidade fiscal. A correlação entre metas e riscos fiscais e o impacto dos déficits públicos sobre as futuras gerações.

Percebe-se que esses dois temas se vinculam à função prospectiva da noção de responsabilidade fiscal. Enquanto o primeiro, normalmente, se adstringe a situações futuras próximas, o segundo vincula-se a situações futuras a longo prazo.

Portanto, além de a responsabilidade fiscal cumprir o papel de proporcionar recursos de imediato a fim de que o Estado realize as funções a que constitucionalmente está vinculado, busca controlar a situação orçamentária a fim de não comprometer nem o futuro imediato, muito menos o futuro mais distante. Page 2

II - A Lei de responsabilidade fiscal e a correlação entre metas e riscos fiscais

Em dado momento da segunda metade do século XX, chegou-se a acreditar que as fontes de recursos nunca cessariam de existir e, do mesmo modo, brotariam sempre fontes novas a que se recorrer. Este princípio, denominado de inesgotabilidade dos recursos públicos, foi sendo posto em prova pela implacável constatação de que a dinâmica econômica a isto não correspondia.

O tempo em que se propalava tal princípio não é remoto. O desregramento fiscal, em nome de uma infeliz política econômica que via a imensidão do céu sem perceber que utilizava asas feitas de cera, afigurava-se como um dos mais nítidos reflexos da adoção de tal princípio, levando à terrível constatação de ver os efeitos desestabilizadores de uma política monetária inflacionária e sua gravíssima repercussão no agravamento das desigualdades no Brasil.

É justamente tendo em vista corrigir equívocos desta percepção que se tem a idéia de Estado Democrático e Social Fiscal. A necessidade de unir, como prioridades do Estado, o controle do desregramento fiscal como objetivo e a canalização do que se evitou gastar para políticas que busquem assegurar os direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos, função maior do constitucionalismo moderno, é não somente premente como legitimamente justificável.

O binômio regramento e desregramento fiscais gera, por conseqüência, a contraposição entre metas e riscos fiscais, numa relação inversamente proporcional. A criação de metas pouco impositivas e mal aplicadas gera um maior risco fiscal, que se substancializa na constatação de que os gastos públicos encontram poucos ou quase nenhuns limites; por sua vez, a maior rigidez das metas e sua aplicação efetiva leva naturalmente a uma redução dos riscos fiscais e, naturalmente, a aplicação mais racional do orçamento.

Não é preciso aqui ressaltar a importância de se reduzirem os riscos fiscais. A despesa pública, criada de modo desorganizado e caótico, faz com que sejam preteridas necessidades prementes e de cunho universal, em favor de outras, pouco urgentes e benéficas para pequenos grupos sociais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, ao buscar fixar rígidos limites nos gastos públicos, busca atenuar ao máximo os riscos fiscais, uma vez que a extinção destes riscos é virtualmente impossível, dadas as variáveis impostas pela realidade.

A Proteção dos Direitos Fundamentais e a busca da redução das desigualdades sociais necessariamente não se realizam sem a reflexão acurada acerca de seu impacto na esfera econômica. Page 3

Um caso paradigmático neste sentido é aquele em que o Tribunal Constitucional Alemão se deparou...

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