Impenhorabilidade de bens. Sociedade de economia mista concessionária de serviços portuários. Bens afetados à prestação de serviço público

AutorProf ª. Alice Maria Gonzalez Borges
CargoAdvogada. Professora Titular de Direito Administrativo das Faculdades de Direito da Universidade Católica de Salvador e da Universidade Salvador.
Páginas1-13

Advogada. Professora Titular de Direito Administrativo das Faculdades de Direito da Universidade Católica de Salvador e da Universidade Salvador. Membro do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo. Presidente do Instituto de Direito Administrativo da Bahia.

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Honra-nos o Dr. Diretor - Presidente da COMPANHIA DOCAS DA BAHIA - CODEBA com a solicitação de um parecer jurídico sobre as indagações objeto da presente

Consulta
  1. A COMPANHIA DOCAS DA BAHIA - CODEBA é uma sociedade de economia mista federal, concessionária de serviços públicos pertinentes ao funcionamento de portos organizados, nos termos do art. 21, inciso XII, alínea f, da Constituição da República, qualificada como Autoridade Portuária pela Lei n.º 8.630/93.

Ultimamente, vem sofrendo execuções por dívidas trabalhistas, tendo sido efetuada, por ordem judicial, como garante da execução, a penhora de alguns equipamentos essenciais ao funcionamento dos serviços do porto organizado de Aratu, o que pode vir a causar sérios prejuízos ao desempenho normal dos referidos serviços.

Em vão tem tentado, judicialmente, a substituição de tais bens, objeto de penhora, por outros que não estejam diretamente afetados ao funcionamento dos serviços portuários, mas não tem logrado êxito. Alega-se que, tratando-se de uma sociedade de economia mista , acha-se inteiramente sujeita à incidência do art. 173 da Constituição, sobretudo quanto ao inciso II do § 1.º , que determina sua "sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias." . Bem assim, é argüida a aplicação, às sociedades de economia mista, do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações, que determina serem seus bens penhoráveis. Page 2

Em face do exposto, indaga - se :

1.ªTratando - se de sociedade de economia mista prestadora de serviços, não votada à exploração de atividade econômica strictu sensu, como se lhe aplicam as disposições do inciso II, § 1º do art. 173, da Constituição da República, bem como do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações ?

2.ªPode incidir penhora sobre bens de concessionária, diretamente afetados à prestação do serviço público objeto da concessão ?

3.ª Como resolver- se o problema, se a sociedade de economia mista concessionária de serviços públicos, não dispuser de recursos suficientes para saldar os seus débitos ?

Respondemos
  1. Efetivamente, a COMPANHIA DOCAS DA BAHIA - CODEBA é uma sociedade de economia mista, cujo acionista controlador é a União, nos termos da Ata de Sessão Pública de Constituição , datada de 17/02/97, para os fins de, mediante concessão, exercer as atividades previstas no art. 21, inciso XII, alínea f, da Constituição da República.

    Compete - lhe, como concessionária de serviço público federal, a administração e exploração das áreas dos portos organizados de Salvador, Ilhéus e Aratu, demarcadas e delimitadas conforme as Portarias MT nos. 237 e 239, de 27/06/96, publicadas no DOU de 28/06/96, bem como na Portaria MT n.º 376, de 27/08/98, publicada no DOU de 28/08/98, sobre as quais tem jurisdição como Autoridade Portuária, conforme determina a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993 ( Lei de Modernização dos Portos ), em seu artigo 3.º , com as amplas atribuições e responsabilidades previstas nos arts. 33 e 34 ( Seção II do Capítulo VI ).

    Ainda o Decreto federal nº 1.990/96 veio incluir expressamente, no Plano Nacional de Desestatização, as Companhias de Docas Federais, na sua qualidade de concessionárias de portos organizados.

    Como facilmente se verifica, trata-se de uma sociedade de economia mista dedicada à exploração de serviço público federal. Nem de longe se pode tê-la como enquadrada nas previsões constitucionais direcionadas para as sociedades de economia mista e empresas públicas que se dedicam à exploração de atividade econômica.

    É bem verdade que a Constituição não extremou tais diferenças essenciais expressamente. Anuncia-se, na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98 ao art. 173, § 1.º, que deverá sobrevir lei estabelecendo o estatuto jurídico da empresa pública , da sociedade de economia mista e suas subsidiárias, que explorem "atividade econômica de Page 3 produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. " Aguardase que a futura lei defina o tratamento jurídico das duas espécies.

    Entretanto, há muito que a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo as necessárias e indispensáveis distinções a respeito das estatais prestadoras de serviço público.

    Nem poderia ser de outro modo, se, cotejando-se o art. 173 com o art. 175, verifica-se, em interpretação conforme à Constituição, que o Texto Maior aplicou induvidosamente aos serviços públicos um regime especial de direito público. Se tal regime incide sobre quaisquer pessoas privadas que prestam serviço público em regime de concessão, não se poderia dar um tratamento desigual para entidades criadas pela lei , precisamente a esse fim .

    A propósito, é bem incisivo o pronunciamento do Ministro PAULO BROSSARD, em lapidar voto como Relator do Recurso Extraordinário nº. 172.816, do Rio de Janeiro, que teve como autora, precisamente, a Companhia Docas do Rio de Janeiro :

    "Competindo à União, e só a ela, explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais ou lacustres, art. 21, XII, f, da Constituição, parece incontestável a natureza pública do serviço de docas, atribuído à recorrida, e do qual ela se desincumbe em regime de exclusividade...................

    " o mínimo que se poderia dizer , relativamente a bens de sociedade de economia mista, destinada a explorar, como agente da União, os serviços portuários do Rio de Janeiro, é que a eles fosse dado tratamento que a lei dá a bens de empresa concessionária de serviços público. O fato de ser pessoa jurídica de direito privado não tira à Cia. de Docas do Rio de Janeiro o caráter de entidade prestadora de serviço público federal, reservado, pela Constituição, ao regime de exclusividade ".... ( Ac. do Pleno do Supremo Tribunal Federal, de 9/02/94, no RE n.º 172.816, Relator Min. PAULO BROSSARD, IN Revista de Direito Administrativo, vol. 195: 198-295, pg. 203)..

    E, mais adiante, complementa, em comentários que, embora focalizem o assunto da desapropriação, cabem, como uma luva, na análise do caso presente :

    " Em verdade, não me parece que o § 1.º do art. 173, da Constituição, legitime, ainda que em tese, a desapropriação de bens pertencentes a empresas públicas e sociedades de economia mista; nem ele abrange toda empresa pública e toda sociedade de economia mista; seu alcance é outro; supõe, obviamente, sociedade de economia mista ou empresa pública que exerça atividade econômica em regime de concorrência, afim de não beneficiar--se de privilégio em relação a empresas privadas concorrentes, que se dedicam a atividade na mesma área econômica"

    ............................................................................

    " Vê-se, claramente visto, ele não se destina a atingir sociedade de economia mista ou empresa pública que, embora exercendo atividade Page 4 econômica, não o faz em regime de concorrência, como a impetrante e recorrida, que desempenha serviço público federal, em regime de exclusividade, insuscetível de ser explorado por particular; aqui, a Cia. Docas do Rio de Janeiro faz as vezes da União, da qual é a longa manus. Daí o magistério de EROS ROBERTO GRAU:

    " o preceito, a toda evidência, não alcança empresa pública, sociedade de economia mista e entidades ( estatais ) que prestam serviço público" . ( "A Ordem Econômica na Constituição de 1988", n.º54, p. 140 ) " (idem, ibidem, pg. 204).

    A esse propósito, doutrina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO.

    "... quando a empresa estatal desempenha serviço público , ela é concessionária ou permissionária de serviço público. Ela executa o serviço por delegação do poder público e sem competição com a iniciativa privada. A elas não se estende a regra do art. 173, § 1º da Constituição , que manda aplicar o direito privado `s sociedades de economia mista e empresas públicas que exerçam atividade econômica". Ainda que o serviço público seja, também, em muitos casos, uma atividade econômica, ele não é alcançado pelo dispositivo, que tem que ser interpretado em consonância com o caput, que cuida do exercício de atividade econômica de natureza privada, exercida só excepcionalmente pelo poder público. Ao contrário do serviço público, que constitui...

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