Sobre os mitos contemporâneos

AutorFurio Jesi
Páginas87-90
doi:10.5007/1984-784X.2014v14n22p87
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SOBRE OS MITOS CONTEMPORÂNEOS
Furio Jesi
O mito é uma “história real”, ocorrida no tempo das origens, que explica
como nasceram todas as coisas do universo e como fizeram os homens, pela
primeira vez, para comer, para se reproduzir, para fabricar objetos, para com-
bater, etc. O mito fornece, portanto, ao homem “primitivo” ou “antigo” certos
modelos de comportamento sempre válidos. Tudo já aconteceu pelo menos
uma vez: para se comportar convenientemente em cada circunstância, é
necessário saber como agiu o antepassado mítico na mesma circunstância, e
imitá-lo. Por isso, o comportamento das sociedades “primitivas” é com fre-
quência rigorosamente conservador: toda mudança, toda derrogação à tradi-
ção, é um absurdo ou um grave risco. As novidades objetivas (por exemplo, a
chegada do cargueiro) são reconduzidas e bloqueadas nos esquemas tradicio-
nais do mito (o cargueiro, de fato, torna-se uma embarcação mítica da pros-
peridade, como aquela do progenitor, etc.).
Na linguagem moderna, a palavra “mito” significa quase sempre “história
não verdadeira” ou, pelo menos, “não totalmente verdadeira”. O homem
possui outros instrumentos (ciência) e outras formas organizativas, com as
quais enfrenta os riscos daquilo que não conhece e com as quais forma, às
vezes, um modelo de comportamento.
No entanto, da psique dos homens continuam a florescer espontanea-
mente mitos; e outros mitos são produzidos deliberadamente, para servir a
determinados objetivos. Muito frequentemente os novos mitos (ou melhor,
as sobrevivências modernas dos antigos mitos) representam uma fuga das
restrições e das dores da realidade histórica. Não podendo ser um “herói”, o
homem cria heróis exemplares nas pessoas que gozam de particular riqueza,
sucesso, notoriedade, etc. Não podendo possuir “tesouros” reais, o homem
cria tesouros supremos em bens de consumo dos quais ele ressalta sua im-
Sui miti contemporanei.
Riga, Milano, n. 31 (Org. Marco Belpoliti e Enrico Manera), p. 126-128, 2010.
Texto inédito, presente em arquivo privado, escrito em 1971.
Tradução de Davi Pessoa Carneiro
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 14, n. 22, p. 87-90, 2014|

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