A modernidade: uma nova (era) cultura axial?

AutorWolfgang Schluchter
CargoDoutor em Sociologia pela Universidade Livre de Berlim
Páginas20-43
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p20
20 20 – 43
A modernidade: uma
nova (era) cultura axial?1
Wolfgang Schluchter2
Resumo
A proposição de uma era axial, durando aproximadamente entre 800 e 200 a.C. e ocorrendo
nas principais civilizações do mundo antigo (China, Índia e Oriente Próximo), independentes
umas das outras, foi primeiramente introduzida por Alfred Weber e Karl Jaspers. Posteriormente
ela foi desenvolvida por Robert Bellah e Shmuel Eisenstadt, entre outros, e procurava entender
desde o início se teria havido uma segunda era axial que nos conduziu à modernidade e, em
caso af‌irmativo, se ela consiste em uma secularização das conquistas da primeira era axial. Neste
artigo argumenta-se que a noção de segunda era axial é signif‌icativa, mas que a emergência da
modernidade não pode ser explicada em termos de secularização das realizações da primeira era
axial. Ao invés, institucionalizou-se um novo princípio axial que separa o mundo moderno do
pré-moderno. Esse novo princípio é enunciado com referência a Hans Blumenberg, Charles Taylor
e, sobretudo, Max Weber. A ênfase encontra-se na dialética do desencantamento e no lugar da
religião em uma era secular.
Palavras-chave: Primeiro e segundo princípio axial. Dialética do desencantamento. Religião em
uma era secular.
Introdução
No nal de sua vida, o sociólogo americano Robert Bellah (2011) nos
apresentou um luminoso estudo intitulado: Religion in Human Evolution. Po-
demos ler este estudo como a solução para problemas com os quais ele já vinha
trabalhado desde o início de sua obra. Em 1963, na Universidade de Harvard,
juntamente com Talcott Parsons e Shmuel N. Eisenstadt, ele já discutia o pro-
blema da evolução das religiões. Resultou daí o texto “Religious Evolution”,
mais tarde publicado na sua inuente coletânea de escritos intitulada Beyond
1 Tradução de Carlos Eduardo Sell.
2 Doutor em Sociologia pela Universidade Livre de Berlim, com livre docência na Universidade de Mannheim. É
professor emérito do Instituto Max Weber de Sociologia da Universidade de Heidelberg.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 36 - Maio./Ago. de 2017
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Belief3 (BELLAH, 1970). Este texto foi profundamente inuenciado pelos
argumentos de Cliord Geertz e de Max Weber. Partindo de Geertz (1973,
p. 87 ss), ele formulou sua denição de religião ou simbolismo religioso e
partindo de Max Weber (1920, p. 387 ss) retomou a ideia de que, no curso da
evolução religiosa, é possível perceber uma transição da armação do mundo
para a negação do mundo, isto é, para sua rejeição religiosamente motivada.4
Sua argumentação está baseada em dois pressupostos (que ele chamada de
fatos): 1) No primeiro milênio antes de Cristo, em diferentes culturas do
mundo antigo, e de forma quase simultânea, assistimos ao surgimento do
fenômeno da rejeição do mundo, cuja consequência é uma “[...] avaliação
extremamente negativa do homem e da sociedade e a exaltação de outra esfe-
ra da realidade como a única verdadeira e innitamente valiosa” (BELLAH,
1970, p. 22). Esta rejeição do mundo ainda não existia nas religiões anteriores
e também desapareceu do mundo moderno (BELLAH, 1970, p. 23).
Neste artigo, Bellah (1970) diferencia cinco estágios na evolução das reli-
giões: o primitivo, o arcaico, o histórico, o pré-moderno e o moderno. Mas o
corte decisivo está na transição do estágio arcaico para o histórico, pois é nele
que se desenvolveu uma imagem dualista do mundo – no qual há uma nítida
diferença entre o imanente e o transcendente e no qual este último possui a
prioridade em relação ao primeiro. Nas culturas do mundo antigo essa rup-
tura radical conseguiu institucionalizar-se de forma duradoura, mas na tran-
sição do estágio histórico para o estágio pré-moderno esse cenário começou
a mudar. Portanto, ainda que possamos encontrar movimentos similares em
todas as religiões, o fato é que apenas o cristianismo conseguiu adaptar-se ao
estágio moderno. Para que isso fosse possível, Bellah acentua especialmente o
signicado global da Reforma que, para tomar emprestado uma expressão de
Ernst Troeltsch, nos levou para uma era confessional. Apenas ela pôde insti-
tucionalizar permanentemente a relação direta entre o indivíduo e a realidade
transcendental: “A Reforma Protestante é a única tentativa que foi institucio-
nalizada com sucesso”, arma Bellah (1970, p. 36). Mesmo assim, o autor
coloca em dúvida se este estágio pré-moderno realmente se diferencia dos
demais, pois pode ser que se trate apenas de uma fase de transição. Por outro
3 O artigo foi publicado primeiramente na American Sociological Review em 1964.
4 Também em Max Weber-Gesamtausgabe, I/19, p. 479ss. (MWG I/19).

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