Modernismo, Simbolismo e o Corpo

AutorSusana Célia Leandro Scramim
Páginas94-110
MODERNISMO, SIMBOLISMO E O CORPO.
Susana Scramim
Um “fracasso”, um “estranho” no “corpo”
Se aceitarmos a premissa de que a poesia de Baudelaire, Rimbaud,
Mallarmé, na leitura de muitos críticos brasileiros, são os marcos da poesia
moderna, deveremos então assumir que somente a vanguarda brasileira dos
anos 20 produziu poesia moderna. Otto Maria Carpeaux observa que “Aqui e só
aqui fracassou o simbolismo”, e que ainda “para a poesia moderna é preciso
buscar outra genealogia.” (CARPEAUX, 1943: 314); ressalta também que é “por
isso, que o movimento poético precedente sobreviveu quando já estava extinto
em toda a parte do mundo.” (CARPEAUX, 1964 [A]: 235). No entanto, Carpeaux
também anota que é difícil estabelecer “as fronteiras precisas entre o
simbolismo, a poesia esteticista parnasiana e o espiritualismo antimaterialista
dos tradicionalistas, muito embora, o simbolismo não tenha aceito o dogma da
tradição nem o ceticismo estético”. (CARPEAUX, 1964[B]: 2589). Não sei se
isso se deve ao “fracasso”, mas o fato é que o simbolismo foi negligenciado pela
crítica brasileira. Consultando o livro Pequena Bibliografia Crítica Brasileira, de
Carpeaux, pode-se constatar que, até a década de 50, o único estudo
monográfico de fôlego sobre o simbolismo foi o produzido por Andrade Muricy.
Não quero com isso denunciar o “seqüestro” do simbolismo dos estudos
literários brasileiros, e muito menos reivindicar-lhe um lugar no panteão das
musas, apenas registrar o quanto a leitura historicista de um “fracasso” pode
obliterar os marcos e a marcas da modernidade em uma cultura. É sintomático
também ver que no momento em que os críticos passam a empreender a tarefa
de ler as obras desses poetas, a questão do “fracasso” esteve sempre presente.
Quando Massaud Moisés escreve sobre o trabalho de Dario Vellozo anota que a
obra perde muito se lida no seu conjunto, “as fraquezas ressaltam, percebe-se a
Boletim de Pesquisa – NELIC - Edição Especial
Lindes
(2008)
armação sustentando o cenário de papelão e cola, surpreende-se a “fabricação”
do poema a partir de nenhuma idéia ou sensação poética (...) o fato de haver
composto alguns bons poemas apenas comprova que somente ao acaso era
visitado por autênticos sentimentos líricos.” (MOISÉS, 1969: 172). A rejeição ao
pertencimento à modernidade ocorre, nesse caso, porque Vellozo não era bom
poeta, ou seja, não é um poeta galante, no sentido oposto com o qual Leopoldo
Lugones será rechaçado pela vanguarda na Argentina como um poeta não-
moderno. No artigo “Un poeta socialista: Leopoldo Lugones”, publicado em El
Tiempo, em 1897, Rubén Darío qualifica a poesia de Lugones como galante,
mas fora de lugar: “Lugones no debe seguir la maneras de los poetas galantes.
Sus cinceladuras son en oro fino, pero mal hechas. No es espontáneo, ni
natural, ni Lugones...”(DARÍO, apud Monteleone, 1989:14). Em seu estudo sobre
as leituras do modernismo na Argentina, Ana Porrúa relembra-nos que foi nas
páginas de revista Martín Fierro, publicada em Buenos Aires, entre os anos de
1924 e 1927, que se construiu uma das mais ferozes oposições a Leopoldo
Lugones cujo fundamento é a rejeição à reivindicação da metáfora e da rima por
parte da poesia deste poeta. Porrúa remete-se à crítica de Leopoldo Marechal
ao uso da rima por Lugones:
[…] lo que atrae no es la metáfora, sino el ripio. La rima es una
ratonera del ripio: toda metáfora accidental caída en el lazo es un
ripio”.1 La idea de ripio que se pone en juego acá es la de época, como
“Palabra o frase inútil o superflua que se emplea viciosamente con el
solo objeto de completar el verso, o de darle la consonancia o
asonancia requerida. (PORRÚA, 2007: 1-2)
Ana Porrúa sublinha que houve, por parte da revista Martín Fierro, uma
valorização do aspecto varonil do poema de vanguarda para com ele construir-
se a oposição ao modernismo.
1 Leopoldo Marcehal, “Retrueque a Leopoldo Lugones”, MF, Nº 26, diciembre 29 de 1925: 188.
Sobre esta cuestión ver Daniel García Helder, “Lugones rimador”, en Diario de poesía, “Dossier
Lugones”: 18, y el excelente “Anexo. Notas sobre el ritmo y la rima en el Lunario sentimental” de
Dalmaroni (197-211).
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