Poesia Modernista Brasileira e suas Afinidades com o Arcaico. João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes

AutorSusana Scramim
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina
Páginas28-58
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2011nesp4p28
POESIA MODERNISTA BRASILEIRA E SUAS AFINIDADES COM O ARCAICO.
JOÃO CABRAL DE MELO NETO E MURILO MENDES
Susana Scramim
Universidade Federal de Santa Catarina
O arcaico no presente
Uma das questões mais urgentes dos estudos e da prática envolvendo a crítica
literária dos últimos sessenta anos é recuperar sua potência de intervir no tempo presente.
Walter Benjamin, antevendo no próprio expressionismo o declínio dessa capacidade de
intervenção e de leitura do presente, já assinalava que mesmo o barroco alemão sendo um
“viver através”, isto é um Fortleben, do expressionismo, esse viver perdurado não possuía a
mesma capacidade de intervenção e força coletiva que aquela arte seiscentista produzira em
sua sociedade. Entretanto, Benjamin constatava:
E aqui o paralelo encontra seus limites. O literato barroco sentia-se totalmente vinculado ao
ideal de uma constituição absolutista, apoiada pela igreja das duas religiões. A atitude de seus
herdeiros, quando não é hostil ao Estado e revolucionária, caracteriza-se pela ausência de toda
ideia de Estado. E finalmente, não devemos esquecer, apesar de muitas analogias, de uma
grande diferença: na Alemanha do século XVII, a literatura desempenhou um papel no
renascimento da nação, por menos que esta se preocupasse com seus escritores. Ao contrário,
os vinte anos de literatura alemã aqui mencionados para explicar a renovação do interesse pelo
Barroco correspondem a um período de decadência, ainda que decadência produtiva e
preparatória de uma nova fase. (Benjamin, 1984, p.78)
A força em negativo que Benjamin destaca no expressionismo é compreendida como
produtora de uma nova época histórica, capaz de ler no presente sua potência de
reconhecimento da verdade histórica. Ainda no mesmo estudo crítico sobre a força do
barroco e seus efeitos no presente, Benjamim destacará que a busca pelo autêntico deverá
concentrar-se na pesquisa do descontínuo do tempo, para nele encontrar a sua verdade.
Cabe ao crítico, aquele que prevê os fenômenos e os analisa como imagens dialéticas, ler a
história sob a perspectiva descontínua e, com isso, libertar o objeto histórico do fluxo da
história contínua, para fazê-lo “ressignificar” e encontrar sua verdade, seu presente, ou
ainda, seu instante de uma “reconhecibilidade”.
Ler com os pressupostos do tempo contínuo faz com que o resultado encontre no
objeto o seu passado e o seu futuro, o antes e o depois. Contudo, a sua pré e pós-história
não são alcançadas no tempo contínuo, pois essas categorias não respeitam a ordem
cronológica dos acontecimentos e, sim, as afinidades internas entre os objetos, qualquer
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que seja a distância entre as épocas que as separam. Dessa maneira, Benjamin não aproxima
o drama barroco, em termos de pré-história, ao movimento que o antecedeu
cronologicamente (a tragédia renascentista), mas ao diálogo socrático e, nesses mesmos
termos, sua pós-história não é o teatro classicista, e, sim, o drama expressionista.
Tal posição crítica permite encontrar no arcaico algo que possa, de modo incisivo,
revivendo-o, intervir no presente, produzir diferença. O que importa nesse modo de
produzir novos sentidos para as mesmas coisas é a sua potência de identificação de
sentidos autênticos para o presente e não propriamente o caráter “velho” do antigo nos
objetos de leitura em oposição à atualidade dos tempos. E disso decorrem as questões: O
que conduz a crítica e os estudos literários ao âmbito dos estudos antropológicos? Como
refletir e analisar a passagem, tomada aqui como o “limiar entre” – a passagem franca que
vai e retorna –, o que é claramente reconhecido como moderno para aquilo que é arcaico,
e, portanto, também reconhecido nas sociedades ocidentais como não moderno?
Em sua conferência recentemente lida no XXVII encontro da Associação Nacional
de Pós-Graduação em Letras e Linguística, o grupo de professores que discute, analisa e
propõe diretrizes e orientações para a pesquisa e o ensino em nível de pós-graduação em
Letras na universidade brasileira, realizado entre 10 e 13 de julho de 2012, Raúl Antelo,
assessor da área de Letras junto ao CNPq, relembrava aos professores presentes naquele
congresso que há uma necessidade vital para a crítica do presente, que é a de recuperar o
sentido da tarefa com o qual ela foi investida, o que quer dizer, em outras palavras, que a
verdade que toda ciência busca, e, especialmente, na área das humanidades, será encontrada
na investigação do passado. Entretanto, ao chamar para si essa tarefa para a crítica,
reivindica a quinta tese sobre a história de Walter Benjamin:
A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem
que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. “A verdade nunca nos
escapará” – essa frase de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se
separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige
ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela. (Benjamin, 1994, p. 224)
Ainda em sua exortação Antelo conjuga a reflexão de Benjamin à de Giorgio
Agamben, quando o filósofo, igualmente discutindo o uso e a existência do método nas
investigações científicas, detecta que uma das formas de revigorar e dar sentido à tarefa da
crítica é retomar o conceito de Georges Dumézil, de ultra-história1. Antelo destaca e
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1 Agamben, Giorgio. Signatura rerum. Sul metodo. Torino, Bollati Boringhieri, 2008, p. 91-93. Dumézil,
Georges. Mito y epopeya III. Historias romanas. Trad. Sergio M. Baez. México. Fondo de Cultura Económica,
1996, p.14.

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