Moralidade Administrativa, Código de Ética do Servido Público e o Esgotamento do Formalismo

AutorMathias Mailleux Santana
CargoEx-aluno de graduação do Curso de Direito da Universidade de Brasília.

O tema a ser abordado neste artigo é o do controle da moralidade da atuação do Poder Público, em especial pelo enfoque aos servidores públicos. O controle da moralidade da atuação dos servidores públicos é um tema bastante novo, ainda estranho à formação da grande maioria dos operadores jurídicos, com uma literatura bem escassa.

De certo modo, o desinteresse pela questão da moralidade pode ser explicado pela cisão outrora realizada entre Moral e Direito, elevada a postulado dos sistemas normativos positivos ou dos sistemas de direito sob influência do conceito positivista de ciência1.

Para alguns, o estudo jurídico sobre a ética ou sistema moral do serviço público pode até mesmo parecer uma contradição em termos, na medida em que o estudo jurídico deveria, pretensamente, ater-se às normas de conduta positivadas e não a qualquer sistema específico de moralidade, ou a qualquer sistema ético em particular.

Este entendimento prevaleceu claramente na formação e desenvolvimento do Estado moderno, mas a questão assume cada vez mais relevância função do próprio sistema normativo. Na medida em que normas, como a Lei n.°8112/90, ou a própria Constituição estabelecem que não só os atos, mas a própria Administração Pública deverá seguir o princípio da moralidade, o tema da ética do servidor público assume relevância indiscutível.

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O processo de formação do Estado moderno está intimamente ligado à evolução dos modos de dominação utilizados pelos setores socialmente hegemônicos. Enquanto a forma de dominação da idade média ou da antiguidade era incrivelmente dependente de modelos teológicos ou metafísicos de justificação, a era moderna é caracterizada pelo surgimento de uma justificação objetiva (no sentido de universalmente subjetiva) da dominação.

Weber é um referencial obrigatório no estudo das formas de dominação, e é por meio de sua análise que se fez a mais conhecida distinção entre os modelos de Estado pré-modernos e os modernos. Para Weber, existem três tipos puros de dominação, que jamais se concretizam materialmente, mas que servem de categorias analíticas. Dada uma determinada sociedade, é possível identificar qual dos três tipos é mais preponderante, sendo impossível dizer que qualquer tipo específico esteja perfeitamente identificado em qualquer sociedade real2. Os tipos puros são a dominação carismática, tradicional, ou legal burocrática. Os dois primeiros são, grosseiramente, os modelos de dominação que se baseiam nas virtudes excepcionais de um líder, ou da tradição deixada por esse líder ou constituída convencionalmente com base em uma concepção ético-religiosa. São as formas de dominação características dos Estados anteriores ao Estado moderno. A modernidade gera a possibilidade de um novo tipo de dominação, a dizer, a dominação legal burocrática. Nesta nova forma, a dominação é exercida por meio de um sistema normativo heterônomo, e toda a coação legítima do sistema social é aplicada conforme este conjunto de normas.

O caráter "pós-tradicional" do Direito e do Estado modernos, e a preponderância dos sistemas de dominação legal-burocrática traz consigo a possibilidade de uma racionalização sem precedentes dos institutos jurídicos. De fato, Habermas afirma que as características mais notórias do esquema legal-burocrático são a Positividade, a Legalidade, e o Formalismo do Direito moderno3. As três características, estabelecem novas bases epistemológicas para a fundamentação do Direito e, portanto, sugerem um deslocamento dos problemas de fundamentação. Contudo, na concepção mais ingênua da fundamentação weberiana, todo o sistema jurídico passa a ser justificado exclusivamente pelo princípio de positivação (Satzungprinzip).

Isto tudo significa essencialmente que a dominação legal gera as condições para que o Estado legitime suas ações na medida em que estas conformem-se com imperativos formais previamente estabelecidos. A legitimidade dos agentes do Estado se presume não mais como conseqüência dos fins que estes tendam a preservar, mas sim pelo simples fato destes agentes poderem ser reconhecidos formalmente como tal.

A tecnicização advinda desta noção de Direito permitiu um avanço extraordinário do sistema das relações econômicas, e estabilizou o poder do Estado de modo absolutamente inusitado. O Estado já não mais depende do líder ou da perenidade das tradições deixadas por este: depende exclusivamente de sua capacidade de respeitar sua própria legalidade. Este sistema permite que decisões formalmente adequadas (que respeitassem os ritos e hierarquias previstas), sejam inquestionáveis em seus fundamentos morais, ou de sua função teleológica.

Este fenômeno, o da formalização, tem sido amplamente tratado por analistas críticos do Direito como sendo um dos motivos da impossibilidade da realização da justiça substantiva. O Direito enquanto sistema formal busca essencialmente a garantia de soluções coerentes com o ordenamento total, e não soluções "justas" ou "injustas" frente a uma concepção majoritária de Ética. O deslocamento dos problemas de fundamentação do Direito acarretou uma alteração essencial do sentido da busca do direito. No sentido dado por Habermas, isto corresponde à...

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