Os motoristas vinculados a aplicativos e o direito do trabalho: necessária coletivização do debate

AutorFlávio Leme Gonçalves
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas137-142
Os Motoristas Vinculados a Aplicativos e o Direito do Trabalho: Necessária Coletivização do Debate 137
OS MOTORISTAS VINCULADOS A APLICATIVOS E O DIREITO DO
TRABALHO: NECESSÁRIA COLETIVIZAÇÃO DO DEBATE
Flávio Leme Gonçalves(1)
Introdução
Atualmente existem milhares de trabalhadores que prestam seus serviços por meio de plataformas digi-
tais, oferendo aos usuários um serviço importantíssimo para a economia e para a vida das pessoas que vivem,
sobretudo, em centros urbanos. No entanto, a relação de tais trabalhadores com as empresas que criaram e
disponibilizam os aplicativos nem sempre é de interesses afins.
Nos últimos anos, no Brasil e no mundo, milhares de processos trabalhistas, com vistas ao reconheci-
mento do vínculo de emprego, assim como o reembolso de despesas decorrentes dos serviços prestados, vêm
sendo ajuizados.
Nesse contexto, a questão que se coloca é se a legislação vigente é suficiente para resolver conflitos
relativos à chamada Indústria 4.0. Desviamos propositalmente da discussão apenas legislativa ou quanto a
existência (ou não) de vínculo de emprego entre motoristas que prestam seus serviços via aplicativo. Isso se
deve, não ao fato de o assunto ser desinteressante ou desimportante, não o é, mas à necessidade de discussão
sob o enfoque do Direito Coletivo do Trabalho — ainda escassa em nosso entendimento.
Longe de esgotar o assunto, o presente trabalho tem vistas a fomentar o debate acerca das questões
coletivas dessa nova forma de trabalho em um mundo cada vez mais digital e conectado, sempre nos valendo
das lições que a História fornece.
1. A tecnologia como impulso na transformação das relações de trabalho
Coincidem com os grandes feitos tecnológicos as mudanças mais substanciais da abordagem jurídica
sobre o mundo do trabalho. Entre o escravo e o senhor, entre mestres, companheiros e aprendizes, assim
como entre empregadores e empregados sempre houve relação de interesses em decorrência do trabalho.
No entanto, o que mudou ao longo de cada período histórico foi a forma como o Direito (Estado, portanto)
decidiu enfrentar os conflitos inerentes neste ramo, que é base e fundamento das sociedades modernas.
O ser humano trabalhador, visto como res(2) em sociedades escravocratas (como a greco-romana e a
brasileira até 1888, após quase quatrocentos anos de escravidão negra), conquista considerável valor nas
sociedades capitalistas ao oferecer sua força de trabalho, havendo limites ex lege para a exploração de sua
mão de obra. Tal organização típica do capitalismo, evoluída ao fordismo e taylorismo, tem seu ápice nos anos
70 do século passado, quando os serviços e a informática começam a alterar com maior relevância o cenário.
Assim, historicamente, desde a possibilidade de navegar mares e fazer surgir os burgos, até as máquinas a
vapor, assim como a iluminação artificial, até a informática, robótica e nanotecnologia, foi a tecnologia que
revolucionou as relações entre prestadores de serviços pessoais e seus tomadores.
(1) Advogado, pesquisador do Núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral, vincula-
do ao Departamento de Direito do Trabalho da Univesidade de São Paulo, coordenado pelo Professor Guilherme Guimarães Feliciado,
Especialista e Mestrando em Direito do Trabalho e da Previdência Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
(2) FELICIANO, Guilherme G. Curso Crítico de Direito do Trabalho: Teoria Geral do Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 46.

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