Movidas pelo afeto: três mulheres na resistência à ditadura no Brasil, Paraguai e Bolívia (1954-1989)

AutorCristina Scheibe Wolff - Tamy Amorim da Silva
CargoDoutora em História Social pela Universidade de São Paulo, São Paulo - Graduada em História, Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis
Páginas190-211
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n1p190
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
MOVIDAS PELO AFETO:TRÊS MULHERES NA RESISTÊNCIA À DITADURA NO
BRASIL, PARAGUAI E BOLÍVIA (1954-1989)
Cristina Scheibe Wolff1
Tamy Amorim da Silva2
Resumo:
Neste artigo são discutidas as relações de afeto e o comprometimento político nos
movimentos que lutaram pelos Direitos Humanos durante as ditaduras civil-militares
no Brasil, na Bolívia e no Paraguai, focando o olhar em três mulheres que ocuparam
um lugar de reconhecimento na resistência à ditadura. São elas: Therezinha Godoy
Zerbini, líder do Movimento Feminino pela Anistia, no Brasil; Carmen Casco Miranda
de Lara Castro fundadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos do
Paraguai e, Loyola Guzmán Lara, organizadora da Associação de Detidos,
Desaparecidos e Mártires de presas/os e desaparecidas/os na Bolívia. Portanto, o
objetivo deste trabalho é propor uma análise comparativa entre a ação política
dessas três mulheres, em três países diversos, para entender como agiam em um
momento em que a ditadura paralisava muitas pessoas.
Palavras-chave: Gênero. Direitos Humanos. Ditaduras Militares.
Introdução
O afeto é um estado da alma e, de acordo com Spinoza, pode aumentar
nossa vontade de agir. Certamente o afeto foi um importante componente na busca
por justiça de muitas mulheres e homens que, durante as ditaduras do Cone Sul,
colocaram suas vidas em risco para denunciar as violações aos Direitos Humanos,
as torturas e desaparecimentos de seus filhos e filhas, companheiros e amigos. O
presente artigo visa apresentar três mulheres que se tornaram defensoras dos
Direitos Humanos em seus países no Cone Sul, mais precisamente no Paraguai,
1 Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Professora Associada
do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. Atua no
Programa de Pós-Graduação em História e no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq. É uma das coordenadoras editoriais da Revista Estudos
Feministas. E-mail: cristina.wolff@ufsc.br
2 Graduada em História, Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, SC. Apoio Técnico-CNPq do Laboratório de Estudos de Gênero e História. E-mail:
tamyamorim@gmail.com
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.10, n.1, p. 190-211, Jan./Jul. 2013
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Bolívia e Brasil3, e discutir os cruzamentos dessa história. Carmem Lara Castro,
Loyola Guzmán e Therezinha Godoy Zerbini foram fundadoras e organizadoras das
organizações de familiares desaparecidos e detidos e movimentos pela anistia entre
as décadas de 1960-1980, durante o período que se conhece no Cone Sul pelos
governos de cunho autoritário e repressivo.4 Cada uma delas teve seus próprios
motivos para engajar-se nessa luta menosprezando a repressão, condicionantes de
gênero e o medo. Essas três mulheres mostraram protagonismo político então
reservado a figuras masculinas nesses países, liderando movimentos que tiveram
papel significativo na redemocratização dessas sociedades, posteriormente.
As organizações de familiares de presos e desaparecidos e movimentos pela
anistia surgiram relacionados às violações de Direitos Humanos cometidos pelos
regimes autoritários. O perfil dos integrantes desses movimentos era bastante
variado, apesar de terem uma postura apolítica, entre outros motivos, para
neutralizar a repressão, havia no interior dessas organizações a participação de ex-
guerrilheiros, intelectuais de esquerda e estudantes. Embora a literatura sobre o
assunto5 destaque que o compromisso dessas mulheres com os movimentos
raramente vinha de convicções ideológicas democráticas ou de cálculos
estratégicos, sugerindo que as mulheres foram movidas pelo afeto diante da
repressão a lutar por seus familiares, e amigos, que haviam caído nas mãos do
Estado, o caso dessas três mulheres é um pouco diferente. Como se verá na
trajetória de cada uma delas, de distintas formas elas estavam desde o início
comprometidas com ideais e organizações políticas, nas quais, talvez por serem
mulheres, não eram consideradas lideranças, o que não impedia sua adesão.
Gradualmente, com a experiência de luta tornaram-se figuras públicas que
reivindicavam pelo retorno à democracia (JELIN, 2006, p. 263).
O objetivo deste artigo é comparar a ação política dessas três mulheres para
entendermos como surgiram essas associações, e quais foram os motivos para se
organizarem em torno de grupos de assistência aos familiares de presos e
desaparecidos políticos. Em cada trajetória buscamos outro olhar sobre a história
3As ditaduras se iniciaram nestes países respectivamente: Paraguai em 1954, Brasil em 1964, Bolívia
em 1964 (SADER, JIKINGS, 2006, p. 900, 222, 192).
4 O tipo característico de regime ditatorial das últimas décadas do século XX f oi o governo militar
baseado na doutrina de segurança nacional, que se concentrou no Cone Sul do Continente. Ver em:
(SADER, JIKINGS, 2006, p. 412).
5Elizabeth Jelin, por exemplo, trabalha com este enfoque de que as mulheres primeiramente foram
movidas pelo afeto e que raramente seriam levadas a participar de algum movimento por razões
ideológicas. Ver em: (JELIN, 2006, p. 263).

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