Movimentos sociais, governo e estado em confrontação: a experiência da Bahia

AutorDaniel Piccoli
CargoDaniel Piccoli é assessor da Equipe Rural do CEAS e membro da Equipe Editorial dos Cadernos do CEAS. Do mesmo Autor, ver 'Para não esquecer... leiam (uma recensão à 20ª edição da publicação da CPT)' (resenha) (Cadernos do CEAS, 217: 83-88. Salvador, Centro de Estudos e Ação Social, mai.-jun., 2005). [danielpiccoli@uol.com.br]
Páginas23-34
MOVIMENTOS SOCIAIS, GOVERNO E ESTADO EM CONFRONTAÇÃO:
A EXPERIÊNCIA DA BAHIA
DANIEL PICCOLI *
1. INTRODUÇÃO
Quero, inicialmente, definir o meu “lugar”, o lugar de onde falo. Definir o lugar
de onde falamos, de onde agimos, é importante, pois a realidade, a conjuntura,
nos aparece condicionada, diferente, de acordo com este nosso ponto de vista
(o lugar) e de ação. Por exemplo, o ponto de vista de um funcionário do
Governo Federal ou Estadual, a perspectiva de um Secretário de Governo ou o
papel de um Assessor que participou das negociações entre os representantes
dos movimentos urbanos e rurais é, evidente, bastante diferentes. O lugar que
cada um de nós ocupa, o ponto de vista de onde analisamos a realidade, o
papel que ocupamos na sociedade, condicionam toda a reflexão e análise,
principalmente quando o assunto em questão é a relação entre Movimentos
Sociais, Governo e Estado. Também a perspectiva de alguém que é
Coordenador de um Movimento Popular ou membro da Coordenação Geral da
Mobilização é diferente, condicionada pelo lugar e pela função que ocupa.
Portanto, o lugar de onde falo e formulo estas minhas reflexões é o meu
trabalho de presença solidária, de apoio a movimentos populares, sobretudo
camponeses, como membro de uma entidade de assessoria a grupos
populares urbanos e rurais. Este é o meu lugar e é a partir dessa experiência e
dessa prática que passo a fazer algumas reflexões sobre o tema em questão.
2. EXPERIÊNCIAS DE UNIFICAÇÃO DAS LUTAS URBANAS E RURAIS
O que foi que aconteceu naquela manhã de segunda-feira, dia 11 de abril de
2005, quando mais de dois mil trabalhadores camponeses de toda a Bahia,
juntamente com movimentos e grupos urbanos, ocuparam a sede da
Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) em Salvador, enquanto outro grupo de mais de quinhentos
trabalhadores sem-terra ocupava simultaneamente a Usina do Funil, em
Ubaitaba, no Sul da Bahia. Era o início de mais uma confrontação entre
movimentos populares e o Estado, o INCRA, o Governo da Bahia, neste “Abril
Vermelho”. Naquela manhã havia oito superintendências do INCRA ocupadas!
Aqui na Bahia foram onze dias de muita pressão, tensão, negociações,
contatos com Brasília, telefonemas, discussões, construção de pautas
coletivas, assembléias, reuniões, manifestações, marchas, audiências em
Brasília e em Salvador. Momentos de tensão, de confrontação, mas também
momentos de encontros, conversas, descontração, cantos, místicas, futebol,
oficinas. Participei do dia a dia do acampamento, onde tudo é precário,
improvisado, desde a comida, o banho, a lavagem de roupa, a dormida, tudo.
Seria muito interessante e construtivo analisar aspectos desta experiência, a
convivência, a saudade que bate, o jeito de cada um, a organização dos

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