MULHERES INDÍGENAS E SAÚDE: UMA ANÁLISE DO DISCURSO CIENTÍFICO À LUZ DA CRÍTICA FEMINISTA E DOS ESTUDOS DE GÊNERO

AutorLuciana Patrícia Zucco, Stephany Yolanda Ril
Páginas123-141
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2| 123|1. sem.2018
MULHERES INDÍGENAS E SAÚDE: UMA ANÁLISE DO
DISCURSO CIENTÍFICO À LUZ DA CRÍTICA FEMINISTA
E DOS ESTUDOS DE GÊNERO
Luciana Patrícia Zucco1
Stephany Yolanda Ril2
Resumo: Este artigo apresenta uma análise do discurso científico sobre a
saúde da mulher indígena, com enfoque na saúde sexual e reprodutiva. Nossa
proposta foi averiguar, a partir dos estudos feministas e de gênero no campo da
saúde, como as mulheres indígenas são representadas. Para tanto, realizamos
levantamento na biblioteca SciELO e análise dos dados. Os resultados indicam
produção diminuta tanto de estudos referentes à temática, quanto de trabalhos
voltados para a dimensão subjetiva e cultural. A compreensão de raça e etnia
como sinônimos atravessa a discussão, havendo predominância de estudos
epidemiológicos e o contínuo apagamento de experiências das mulheres indígenas.
Palavras-chaves: discurso científico; mulheres indígenas; saúde sexual e reprodutiva.
Abstract: This article presents an analysis of the scientific discourse on the
health of indigenous women, with focus on sexual and reproductive health.
Our proposal was to ascertain, from feminist and gender studies in the field
of Health, how indigenous women are represented. For that, we performed a
survey in the SciELO library and data analysis. The results indicate a small
production of both studies related to the theme, as well as works focusing on
the subjective and cultural dimension. The understanding of race and ethnicity
as synonyms crosses the discussion, with predominance of epidemiological
studies and the continuous erasure of experiences of indigenous women.
Keywords: scientific discourse; indigenous women; sexual and reproductive health.
1 Doutora em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do IFF,
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, Brasil). Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: lpzucco@uol.
com.br.
2 Assistente Social. Integrante do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero da UFSC (Bra-
sil). E-mail: stephanyril.ss@gmail.com.
p.123-141
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2|124 |1. sem.2018
Introdução
A crítica feminista (HARAWAY, 1995; HARDING, 1993 e 2002) aponta
que as teorias tradicionais, fundamentadas nos paradigmas da objetividade e da
neutralidade, têm sido empregadas: 1) impedindo que as mulheres sejam sujeitas/
agentes do conhecimento; 2) impossibilitando a compreensão de que as atividades
masculinas não equivalem à “humanidade” e são historicamente determinadas
pelo gênero. Nesse sentido, Haraway (1993) sinaliza que o discurso científico
ocidental, em conformidade aos demais conhecimentos, reproduz tais tendências
e é produzido socialmente, sendo permeado por relações de poder.
O entendimento de que a história da ciência é essencialmente masculina e,
deste modo, escrita a partir da perspectiva dos homens de classe, raça ou etnia
dominantes, evidenciou a premência de teorias que visibilizem as histórias das
mulheres. Louro (1996) narra que o processo de inclusão do debate de gênero
na construção dos saberes ocidentais ocorreu, primeiramente, no campo
universitário. Este processo contribuiu para deslocar a mulher das notas de
rodapé, “onde ela era entendida como um desvio da norma masculina ou
como minoria” (LOURO, 1996, p. 08), para transformá-la em sujeito-objeto
científico. A emergência do conceito de gênero, por sua vez, potencializou os
estudos sobre os processos sociais e relacionais de formação das feminilidades e
das masculinidades, instituindo a relação sujeito-sujeito.
No campo da saúde, inspirando-se nos estudos de gênero, a Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM, 2004) prevê a necessidade
de incorporar as demandas específicas das diferentes faixas etárias e dos distintos
grupos populacionais (mulheres negras, indígenas, no climatério, adolescentes,
lésbicas, entre outras), com o objetivo de contemplar todos os ciclos de vida da
mulher. Apesar do reconhecido esforço da Política em não universalizar a categoria
mulher, nos parece que ainda persiste a tendência ao apagamento das diferenças
existentes entre os sujeitos envolvidos, não só na prática cotidiana das instituições
de saúde pública, mas também na produção científica no campo da saúde.
Este artigo apresenta uma análise do discurso científico sobre a saúde da mulher
indígena, com especial enfoque na saúde sexual e reprodutiva. Nossa proposta foi
p.123-141

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT