A multiplicidade da secularização: a sociologia da religião na era da globalização

AutorCarlos Eduardo Sell
CargoDoutor em Sociologia Política e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas44-73
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p44
44 44 – 73
A multiplicidade da secularização:
a sociologia da religião
na era da globalização
Carlos Eduardo Sell1
Resumo
A teoria weberiana da secularização é atualmente criticada por reproduzir pressupostos
teleológicos oriundos das teorias da modernização. Defrontando-se com essa crítica, este
artigo retoma a tese da unidade e variação desenvolvida por Shmuel Eisenstadt e, a partir de
tais pressupostos, discute as possibilidades de atualização do conceito de secularização diante
do cenário da globalização e da multiplicidade da modernidade. Após demonstrar que em Max
Weber o tema já é tratado de forma multidimensional (histórica e estrutural), o artigo busca
sistematizar o debate sobre a secularização no campo da sociologia da religião. Em seguida,
examinam-se criticamente três modos distintos de apreensão das variedades da secularização: 1)
multiplicidade de vias de secularização, 2) múltiplos secularismos e 3) múltiplas secularidades.
O artigo advoga pela fecundidade e atualidade da teoria da secularização para determinar não só
a natureza e a diversidade do religioso em condições modernas mas também para determinar o
moderno na sua relação com o religioso.
Palavras-chave: Max Weber. Religião. Secularização. Múltiplas Modernidades. Secularismo.
Laicidade.
Introdução
No pensamento de Max Weber, a religião, mais do que objeto de uma
sociologia aplicada, é o locus metodológico estratégico para se pensar a con-
dição moderna. Contudo, tal centralidade reete-se de forma desigual nos
desdobramentos da sociologia weberiana contemporânea. A teoria das moder-
nidades múltiplas de orientação culturalista de Shmuel Eisenstadt (2001) deu
bastante destaque à questão; mas, na sua vertente estruturalista – representada
1 Doutor em Sociologia Política e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 36 - Maio./Ago. de 2017
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hoje por omas Schwinn (2013), somente agora esse tema começa a merecer
uma atenção mais detalhada2. No debate sobre a natureza da modernidade
no Brasil, a situação não é muito distinta, e a despeito de algumas incursões
importantes, como em Ortiz (2006) e Tavolaro (2005) –, a variável religião
vem sendo pouco explorada parar entender as profundas transformações so-
ciais em curso.
Levar em conta o papel da religião no contexto social não é uma exigência
que decorre apenas de razões teórico-imanentes, mas um clamor que brota da
realidade. Como pensar a condição da modernidade no Brasil sem considerar
a imensa transformação de seu perl religioso que, de majoritariamente ca-
tólico (em 1872 eles eram 99% da população), conta agora com uma signi-
cativa comunidade evangélica (22,2%), reduzindo-se os católicos a 64%? Tal
dado impõe a necessidade de um diálogo entre teoria sociológica e sociologia
da religião. No entanto, no Brasil, tal área tem reforçado cada vez mais suas
características endógenas e a principal categoria macrossociológica a pensar
os vínculos entre modernidade e religião – a secularização – vem perdendo
centralidade nas discussões.
Nos anos 1990, o tema ainda foi o foco de uma instrutiva controvér-
sia. De um lado, Antônio Flávio Pierucci (1997a, 1997b, 1999) centrou seu
fogo contra o que denominou de teóricos da “volta do sagrado”, estudiosos
que, segundo ele, estariam a ver no dinamismo da esfera religiosa brasileira
uma negação das teses da secularização (PIERUCCI, 1998). De outro lado,
tais estudiosos negaram-se a assumir a condição revisionista a eles atribuída
(NEGRÃO, 2005), além de criticarem os vínculos estreitos entre a concep-
ção weberiana da secularização e a sociologia da modernização (MONTERO,
1999, 2003a, 2003b; VELHO, 1998). Apesar da defesa da centralidade da
categoria (MARIANO, 2012), a crítica ao caráter teleológico do paradigma
da secularização não foi ainda suciente respondida e, na prática, o debate so-
bre a secularização, ainda que não totalmente ausente, vem sendo sutilmente
sobrepujado por novas perspectivas (como as da laicidade e do secularismo),
estreitando-se fortemente na direção do político. Impulsionados pelos cres-
centes conitos entre grupos religiosos e seculares na esfera pública (POMPA,
2 Para a distinção entre uma versão culturalista e outra institucionalista da sociologia neoweberiana, conferir
Sell (2014).

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