Não esperdiço palavras. Macaco meu veste roupa

AutorCadernos do Ceas
Páginas1-5
EDITORIAL
NÃO ESPERDIÇO PALAVRAS. MACACO MEU VESTE ROUPA
É preciso não esquecer que na vida social e política, como na boa literatura, os
menores detalhes são fortemente carregados de significação. Assim entendia
Guimarães Rosa no que diz respeito a sua prosa. Na descrição que faz das
veredas do grande sertão, fauna, flora, personagens e paisagens, nada é
gratuito, nada está destituído de sentido. Por entre os arbustos do Cerrado,
cada palavra de um Riobaldo ou de um Diadorim expressa uma angústia
d’alma, uma viva confusão ou certeza. Em nossa narrativa, sócio-econômica e
política, o presente dos grandes sertões brasileiros faz brotar outros
sentimentos, reflexões, uma antiprosa oficial que, igualmente, exige precisão,
signos adequados. Roupa medida, sob encomenda.
Trazer à baila a discussão do projeto de exploração dos recursos naturais
brasileiros pelo agronegócio (inter)nacional é uma iniciativa que consideramos
mais que oportuna. É urgente colocá-la em termos mais claros. Não que o uso
econômico sem critérios de biomas seja uma novidade nestas plagas. As
atlânticas matas e seus seres se vêem submetidos a tais dissabores há cinco
séculos. O que lhes restam não mais atinge a 7% da cobertura original. Vários
projetos mercantis, do pau-brasil à cana-de-açúcar ou ao café, definiram não
só os destinos das matas mas dos rios, águas, solos e da numerosa população
indígena de riquíssima cultura e saber. Na Amazônia, a majestosa floresta
desaparece a uma velocidade insana (vinte mil km2 por ano). Em seu sítio,
gigantescos latifúndios de gado, soja, algodão... Agroexportação ou
agrodestruição? Nos Cerrados, os 20% do território ainda não submetidos ao
modelo dominante podem desaparecer nas próximas duas décadas se persistir
o ritmo de depredação atual.
Outro detalhe prenhe de significação é a noção de agronegócio, o novo nome
do modelo de desenvolvimento da agropecuária capitalista. Desde os
princípios, esse modelo passa por modificações e adaptações, intensificando a
exploração da natureza e do homem. Agronegócio, palavra da década de
1990, é, a bem da verdade, uma construção ideológica que pretende mudar a
imagem latifundista da agricultura capitalista (trabalho escravo, extrema
concentração da terra, coronelismo e atraso político). Latifúndio está associado
a terra que não produz, que, na consciência social brasileira das últimas
décadas, deveria ser utilizada para reforma agrária. A construção ideológica do
agronegócio, conforme o professor Bernardo Maçano, quer criar a figura do
“latifúndio produtivo”, renovar a imagem da agricultura capitalista para
“modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador,
expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter
produtivista, destacando o aumento da riqueza e das novas tecnologias. Em
suma, quer substituir a imagem da escravidão pela da colheitadeira controlada
por satélite.
O latifúndio de antes efetuava a exclusão pela improdutividade, o agronegócio
promove a exclusão pela intensa produtividade, ampliando a desigualdade. Se

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