Narrativas de si: memórias de experiências femininas na formação acadêmica em contextos masculinos

AutorNeiva Furlin
CargoDoutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná/Universidade Nacional Autónoma de México, tem pós-doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá, é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brasil
Páginas139-158
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GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 2 | p. 139-158 | 1. sem 2021
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NARRATIVAS DE SI: MEMÓRIAS DE EXPERIÊNCIAS FEMININAS
NA FORMAÇÃO ACADÊMICA EM CONTEXTOS MASCULINOS
Neiva Furlin1
Resumo: Este artigo analisa as relações de gênero e de poder nas memórias
de experiências vividas por mulheres no processo de formação acadêmica em
teologia, identificando as estratégias de resistência política na produção de
uma “ética de si”, em um lugar marcado pela lógica de gênero da ordem social
masculina. O estudo é baseado em narrativas de docentes de três instituições
católicas de ensino superior. Na análise, usamos o conceito de capital simbólico
de Bourdieu e as abordagens teóricas dos estudos de gênero nas definições
que envolvem as relações de poder, seus efeitos e processos de resistência e
de subjetivação ética.
Palavras-chave: Relações de gênero; Formação teológica; Subjetivação ética.
Abstract: This article analyzes the relations of gender and power in the
memories of experiences lived by women in the process of academic formation
in theology, by identifying the strategies of political resistance in the production
of an “ethics of one self” in a place marked by the gender logic of the male
social order. This study is based on the stories of teachers from three Catholic
institutions of higher education. In the analysis, we used Bourdieu’s concept
of symbolic capital and the theoretical approaches of gender studies in the
definitions that involve power relations, their eects and processes of resistance
and ethical subjectivation.
Keywords: Gender relations; Theological formation; Ethical subjectification.
1 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná/Universidade Nacional Autónoma de México,
tem pós-doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá, é professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brasil. E-mail: nfurlin@yahoo.com.br.
Orcid: 0000-0002-5103-2104
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Introdução
A entrada das mulheres nas universidades pode ser considerada uma
conquista contemporânea, conectada ao seu ingresso nas diferentes car-
reiras modernas, sobretudo, a partir das décadas de 1870 e 1880, após as
primeiras mobilizações femininas. Entretanto, a inserção de mulheres em
áreas consideradas masculinas nem sempre ocorre de forma pacífica, o que
pode ser evidenciado nas relações que se estabelecem durante a formação
profissional, como é o caso da Teologia Católica, que se caracterizou, histo-
ricamente, como o “não lugar” para as mulheres.
No Brasil, as mulheres tiveram acesso ao curso superior de teologia,
em números mais significativos a partir da década de 1970, período em que
foram se inserindo, também, em outras áreas acadêmicas, novidade que foi
resultado das intensas mudanças socioculturais provocadas pelo movimento
feminista e pelas diversas mobilizações sociais das mulheres, que influencia-
ram também o ambiente religioso e eclesial. Apesar deste contexto favorável
para as mulheres, na teologia ainda se verifica a predominância de alunos do
sexo masculino, como os principais destinatários desse saber.
Em uma pesquisa quantitativa realizada em 2008, em que participaram
40 instituições católicas que possuíam a graduação em teologia, revelou-se
uma diferença de 58,2 pontos percentuais entre estudantes do sexo mas-
culino e feminino: enquanto os discentes masculinos chegavam a 79,1% do
total, as mulheres eram apenas 20,9%2. Em parte, isso se deve à influência
de um discurso teológico tradicional permeado de representações simbó-
licas de gênero, que sempre favoreceu os interesses de uma ordem social
masculina. Tal discurso gerou, ao longo da história, impactos na organização
da estrutura e nas relações socioeclesiais, impedindo o exercício da lide-
rança feminina em diferentes instâncias da instituição eclesial, incluso da
participação no corpo dos especialistas do saber e da docência teológica.
Essa falta de perspectiva profissional é um dos fatores que tem desmo-
tivado as mulheres a seguirem carreira na teologia. Portanto, neste trabalho
buscamos evidenciar as relações de gênero e de poder nas memórias de
experiências vividas por mulheres no processo de formação acadêmica em
teologia, identificando as estratégias de resistência política na produção de
uma “ética de si”, em um lugar marcado por discursos hegemônicos e por
lógicas de gênero da ordem social masculina. Para isso, utilizamos as narrativas
2 Dados quantitativos de uma pesquisa de tese doutoral sobre a docência feminina no ensino superior em
teologia católica. Para outros detalhes, consultar Furlin (2014).

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