O nascimento ou não de obrigação tributária em razão do fechamento de empresa individual com a transferência dos seus ativos à pessoa física

AutorFernando Rister de Sousa Lima
CargoDoutorando em Direito PUC/SP. Foi pesquisador visitante na Universidade de Lecce, Itália
Páginas213-232

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I - Introdução
  1. Este artigo pretende resolver a seguinte indagação: nasce ou não obrigação tributária (IR), em razão do fechamento de empresa - sendo esta firma individual - e com a transferência dos seus ativos à pessoa física.

  2. Assim, para, procurar, elucidar a questão, por diversos ângulos, e, não deixar brechas, rigorosamente, procurar-se-á - na linha do orientado pelo mestre francês René Descarte - dividir em partes o problema e ao final unir as premissas chegadas e auferir uma opinião científica sobre a proposição ofertada.1 E, ainda, neste breve intróito, relata-se que se procurou fazer uma pesquisa na dogmática e no campo empírico. Todavia, visou-se, também, adotar premissas que, ao nosso sentir, são as adotadas pelo Direito Positivo, e, para tanto, nos baseamos em três grandes referências no mundo jurídico, ligadas, umbilicalmente, aos temas enfrentados: uma delas é o Mestre italiano Tullio Ascarelli, autor de uma clássica obra sobre a teoria da empresa, intitulada Corso di Diritto Commerciale, utilizada como premissa irretocável no que diz respeito à empresa e ao empresário; ligados ao Direito Tributário, buscamos amparo nas balizas delineadas por dois grandes Maestros, o primeiro foi criador da Escola de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São -PUC/SP e conseguiu um feito para poucos: ser Professor Titular dessa prestigiosa Universidade e da Faculdade de Direito da

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    Universidade de São Paulo - FADUSP -Largo do São Francisco, o inesquecível Geraldo Ataliba, que contribuiu de forma imensurável com o trabalho: Hipótese de Incidência Tributária; e o segundo Mestre - por fim, mas de forma alguma menos importante ao desenvolvimento deste la-voro, como será demonstrado no texto - o legendário Roque Antonio Carrazza, Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, precursor dos estudos de Direito Constitucio-nal Tributário no Brasil, com a já consagrada e imortalizada obra Curso de Direito Constitucional Tributário e a mais recente: Imposto sobre a Renda, a qual foi referência obrigatória por todo o trabalho, isto, facilmente, constatado pela sua repetição nas notas de rodapé, o que se justifica devido à temática pertinente e mormente à sua valorosa contribuição à Ciência Tributária.

  3. À vista do exposto, apresenta-se o seguinte sumário:

    I- Introdução. II-Do Imposto de Renda: brevíssima menção histórica e conceitua-ção. III - Da tipificação constitucional. IV - Do enquadramento infraconstitucio-nal. V-Do fato gerador do IR: VIa - Conceito de renda; VIb— Da posição da jurisprudência sobre a tributação ou não do IR na retirada da quota social pelos sócios. VII - Do patrimônio da firma individual no novo Código Civil. VIII-Do não-nas-cimento da obrigação tributária. IX-Das conclusões.

II-Do Imposto de Renda: brevíssima menção histórica e conceituação
  1. O Imposto de Renda, famoso e também odiado imposto, começou a ser cobrado a partir de 1924 - é verdade que foi criado no ano de 1922 pela Lei Orçamentária 4.625/1922 - depois de várias tentativas infrutíferas, o seu escopo era tributar toda renda líquida, obtida anualmente. Enquanto, porém, a sua origem os historiadores não chegaram a um consenso, alguns apontam à Prússia - século IX - outros datam o ano de 1779 na Inglaterra, por meio de um ato parlamentar no mandato do Primeiro Ministro Willian Pit, com escopo de conseguir fomento às tropas britânicas, que naquele momento lutavam com Napoleão Bonaparte.2

  2. Como o próprio vernáculo utilizado pelo Direito Positivo induz (ver arts. 16 e 43 do CTN, e art. 153 da CF), o Imposto sobre a Renda é uma espécie do gênero tributo, sendo cobrado do acréscimo patrimonial, obtido por meio da renda ou dos proventos de qualquer natureza, todavia, sem qualquer atividade vinculada do Estado, quer dizer, cobra-se sem oferecer nenhuma contraprestação em troca, são os tidos: "impostos como tributos não vinculadas à atuação estatal".

III - Da tipificação constitucional
  1. Dentro da perspectiva de escalonamento do Ordenamento Jurídico, a Consti-

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    tuição Federal é sempre o topo da pirâmide, significa dizer: é a base de sustentação das outras normas e, por isto mesmo, todas as outras devem estar em sintonia com as suas orientações, sob pena de inconsti-tucionalidade. Isto, aliás, já deveria ser suficiente para o operador do direito, o cidadão e principalmente ao Estado que, quando atuar, deveria olhar primeiro o seu conteúdo. Não é diferente nas questões tributárias. Não obstante tal estrutura, ainda a Carta Magna, de modo exaustivo, cria o Sistema Tributário, regrando toda a tributação, quer dizer, toda legislação infra-constitucional é inconstitucional, até que se prove o contrário. Exageros à parte, mas, a Constituição é a Regra Matriz, é a fonte primeira dos Tributos, inclusive não faltam opiniões no sentido de apontá-la como a que mais regula o sistema tributário no mundo.3

  2. A dimensão do Sistema Constitucional Tributário é de tamanha expressão que a palavra "renda" - em sua forma singular ou plural - vem mencionada nos seguintes artigos da Constituição Federal: 7o, XII; 30, III; 43, § 2o, IV; 48,I; 150, VI, "a"; 150, VI, "c"; 150, §§ 2o, 3o e 4o; 151, II; 153, III; 157,I; 158,I; 159,I e § 1o; e 201, VI e § 12. ADCT, os arts. 72,I, II, V, e § 5°, e 79; e "proventos" - em sua forma singular ou plural - vem mencionada nos seguintes artigos da Constituição Federal: 37, XI, e § 10; 40, §§ F, e incisos I-III, "b", 2o, 3o, 7o, I, II, e 18; 100, § 1o-A; 103-B, § 4o, III; 130-A, § 2o, II; 151, II; 153, III; 157, I; 158,I; 159, I, e § F; 201, § 6o; e 249. E ADCT, arts. 17, 20, 53, V e 72,I, II e V, e §5o.

  3. Ao presente é relevante a tipifica-ção constitucional do Imposto de Renda e não é omissa a nossa certidão de nascimento; pelo contrário, regula nas mais diversas formas de normas, quais sejam, as de eficácia plena, aplicabilidade imediata e mesmo as de eficácia contida; todavia, o curioso é que cabe à legislação infracons-titucional regular uma parte da matéria, no entanto, é imutável o aumento de patrimônio como conceito de renda, quer dizer, a premissa constitucional de que renda é invariavelmente o aumento, ou ainda o seu aumento, sem o acréscimo não há o imposto.4

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    8.1 Desse modo, vem regulado, pois, o conceito de renda, nos arts. 21 e 153 da Constituição, e, de forma alguma, deixa brechas para uma desconfiguração do critério de renda pelo legislador, que não o constitucional, com opinião no mesmo aspecto Roque Antonio Carrazza, Edvaldo Brito e Carlos Valder do Nascimento.5 En-tretanto, comentário, à luz do texto constitucional, merecedor de destaque é o do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e um dos maiores tributaristas brasileiro, o do baiano Aliomar Baleeiro: "A União no exercício de sua competência privada, expressa ou residual, à luz da Constituição de 1988, não poderá, de modo algum, misci-genar os conceitos de renda e capital (...)".6

  4. Em síntese, o legislador ordinário não pode alterar o fato gerador do IR - quer dizer a renda - e não pode alterar o caráter de sempre ser tido como aumento patrimonial, simplesmente em razão da pequena margem deixada pela Carta Magna.7

IV-Do enquadramento infraconstitucional
  1. O regramento, infraconstitucional - CTN, art. 43 -, legisla, de forma contundente, o imposto sobre a renda e, como

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    não poderia ser diferente, em sintonia com a Constituição Federal, só havendo tributo, com o aumento de acréscimo patrimonial.8 O legislador, aqui, foi prudente e respeitou a legalidade estrita imposta pela Carta Magna, tipificando renda como determina o legislador constitucional.

    10.1 Sendo assim, criou-se, por meio da Constituição Federal, o condicionamento do exercício válido das competên-cias constitucionais à distinção entre renda e capital, por outras palavras: não basta ter capital para insurgir tributação, deve-se, outrossim, ter aumento de capital, o qual é obtido, entre outras formas pela renda.9 Motivo pelo qual, o termo renda do CTN, art. 43, compreendem critérios de ganho de capital, quer seja, o do capital, quer o do trabalho, quer ainda a combinação de ambos, mas, sempre, havendo um acréscimo de capital.10 E, por isso mesmo, o significado da nomenclatura patrimônio carece de ser investigada,11 e, facilmente, chega-se: patrimônio é um complexo de direitos e obrigações pecuniariamente apreciáveis, nos dizeres de Edvaldo Brito, citado literalmente na nota de rodapé.12

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    10.2 Justamente o porquê de no art. 43 do CTN prever-se acréscimo do patrimônio, como fato gerador do tributo em tela.13 E o curioso é que a Suprema Corte Americana, em 1913, proferiu uma decisão abordando o critério de renda e respeitável doutrina brasileira, aponta este julgado como uma das origens de renda tipificado no Brasil, com isto, cita-se um pequeno trecho da decisão: "renda é o ganho derivado do capital, do trabalho ou de ambos combinados, sempre que se entenda incluído o benefício ganho por meio da venda ou da conversão de capital".14

  2. Ante ao descrito, fica patente a sintonia existente entre a CF e o CTN - ao menos no que diz respeito ao IR - tipificou-se em ambos os acréscimos patrimoniais - isto é, o lucro - como condição sine qua non ao nascimento da obrigação tributária.

V— Do fato gerador do IR
  1. Ao se pensar em fato gerador, logo, conota-se a dúplice distinção devida, a primeira diz respeito à...

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