Equivalência patrimonial e imposto sobre a renda

AutorJosé Artur Lima Gonçalves
CargoDoutor em Direito Tributário da PUC/SP - Professor do curso de Pós-Graduação da PUC/SP
Páginas86-96

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1. De volta ao básico

O imposto sobre a renda é um tributo. A advertência é válida, pois isso tem sido esquecido por certas pessoas. E é tributo da espécie "imposto". A advertência também é valida, pois a ele não tem sido dedicada a aplicação de seu regime jurídico próprio.

Pois bem, o tema da equivalência patrimonial é mais que fértil para a análise técnica dos vícios de abordagem que têm envolvido o estudo do imposto sobre a renda e, mais que tudo, seu tratamento dogmático, por leis, medidas provisórias e atos administrativos em geral.

Pretendemos chamar a atenção para o fato de que, mais uma vez, o que parece ocorrer é uma inversão de fatores, segundo a qual o instrumento (que é utilizado sem que ao menos seja tomada a cautela de se perquirir para o quê ele serve) é invocado como determinante do objeto que se busca atingir; confundindo-se, mesmo, como o próprio objeto que se busca. Sim-plificando, toma-se a equivalência patrimonial como elemento de demonstração de riqueza nova - o que não é o caso, como se verá.

Em matéria de imposto sobre a renda, o método de avaliação de investimentos por equivalência patrimonial tem sido tomado (contrariamente à sua origem e função) como técnica juridicamente relevante para a quantificação da base de cálculo do tributo, da espécie imposto, denominado e constitucionalmente concebido como imposto sobre a renda.

A norma jurídica tributária - desenvolveremos o tema mais adiante - não "inventa" fatos atinentes à realidade econômica sobre os quais atua, sobre os quais pretende projetar efeitos. Muito pelo contrário, a norma fornece atributos de identificação - predicados - de fatos correspondentes a eventos econômicos que devem ser considerados como relevantes para a produção de certos efeitos jurídicos. Ou seja, ou o evento econômico existe, com seus predicados próprios de manifestação,

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ou não existe; a referência normativa a predicados suficientes para identificação de fato correspondente a um evento só serve para isso: identificação, por predicados normativos, de evento (obviamente, traduzido em fato jurídico); a norma não gera o evento econômico, limitando-se a eleger predicados seus que devam ser tomados como relevantes para sua juridicização.

E em matéria de tributo da espécie imposto esta questão é absolutamente crítica. É que o tributo da espécie imposto - esquecem alguns - funda-se no genericamente referido princípio da capacidade contributiva.1

Não se inventa capacidade contributiva (em sentido econômico). A norma jurídica tributária fornece elementos para sua identificação (criando o recorte que corresponderá à capacidade contributiva em sentido jurídico). Nada além disso. Obviamente, não estamos, aqui, tratando de temas relacionados à verdade material/formal (não estamos afirmando que não haja limites para a busca da verdade material; apenas sustentamos que a mesma deve ser perseguida na fase de instrução dos procedimentos necessários e preparatórios à emissão do ato de lançamento), que dizem respeito à necessidade funcional de o sistema jurídico impor um limite técnico que viabilize a eliminação de situação de instabilidade sistêmica - não funcionamento/ produção de efeitos da norma (o que é feito ordinariamente por meio de preclusão, prescrição, decadência etc.).

O chamado imposto sobre a renda, constituído pelas normas que o disciplinam (atribuição constitucional de competência e respectivas regras de instituição e funcionamento - anterioridade, progressividade, universalidade, generalidade etc.), trabalha sobre fatos jurídicos oriundos da juridicização do plano de eventos econô-micos, traduzidos por meio da contabilidade e da escrituração comercial/societária. A normatividade do imposto sobre a renda não inventa as realidades contábeis e societárias sobre as quais incide, e nem estas realidades contábeis e societárias inventam os eventos econômicos que visam a traduzir em fatos jurídicos. Pelo contrário, cada grau de formalização conceitual reconhece a existência do plano sobre o qual atua e lhe determina efeitos.

É clássica a afirmação doutrinária de que o direito tributário é um direito de sobreposição. Esta colocação clássica tem sido amesquinhada por tecnicismos que ofuscam o brilho de sua virtuosa clareza e eficiência; voltaremos a esta questão mais adiante.

Para prosseguir, temos que organizar a temática, retomando a noção de avaliação de investimentos pelo método de equivalência patrimonial, compreender de que se trata e para quê serve (pois o mesmo tem sido tomado para fins tributários como se para tanto servisse) e, em seguida, ver como se deve dar a aplicação de normas tributárias sobre seus efeitos econômicos juridicizados.

2. O método de equivalência patrimonial

"Equivaler" significa "valer o mesmo"; ser idêntico na forma, no peso, no valor etc. Equivalência é a qualidade de equivalente. Na Lógica, por exemplo, refere à igualdade de implicação mútua entre duas proposições, de tal forma que a verdade de uma só se confirma pela da outra. Na Etimologia, lembre-se que o termo "equivalente" vem do Latim aequivalens e significa "que tem valor igual". Estamos, portanto, tratando de palavra consensual-mente adotada (símbolo) para ref letir duas circunstâncias que se equivalem. O que se equivale não é novo; é igual a outro elemento em relação ao qual é considerado. Não acresce; não aumenta; reflete o que lhe é igual, apenas. A recordação é necessária.

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Vamos, portanto, manter em mente que a referência que se fizer a "equivalência" terá o objetivo de referir algo que pretenda traduzir realidades que se equivalem. E isso porque o termo foi assim normativamente juridicizado. Definir um termo ou palavra é indicar seu significado. No plano das linguagens naturais, o significado das palavras surge espontaneamente da dinâmica do fenômeno histórico. Já, no plano das linguagens artificiais, a estipulação dos significados atribuídos aos conceitos é aptidão exclusiva de uma pessoa, grupo ou órgão especificamente apontado pelo sistema como competente para tanto. Do contrário ocorreria freqüente ruptura da estrutura de funcionamento do código lingüístico, comprometendo-se sua função essencial, de permitir a comunicação interpessoal acerca de um dado objeto, de forma técnica.

É o que se dá em matéria jurídica. A linguagem do Direito não é estritamente natural. O significado dos vocábulos não é arbitrariamente atribuído por dinâmica histórica aleatória; decorre de formulações técnicas reservadas ao órgão legislativo competente para disciplinar uma determinada conduta.

Neste contexto, o método de avaliação de investimento por meio de equivalência patrimonial traduz opção concebida pela Contabilidade, e adotada pela legislação societária, para viabilizar a observação e a compreensão conjugada dos movimentos econômicos havidos em um conjunto de unidades empresariais inter-relacionadas. Um grupo econômico, constituído de diversas unidades empresariais, precisa poder ser compreendido, observado, pelo mundo que o circunda, de maneira unitá-ria e coerente.2

Daí ter sido necessário prever a consolidação dos resultados econômicos havidos em cada uma das unidades componentes do grupo econômico ao longo do tempo (regime de competência), criando-se técnicas contábeis e societárias tendentes a viabilizar a visualização do fluxo contá-bil (lingüístico, registrário) destes eventos econômicos para a demonstração consolidada da situação patrimonial na sociedade empresária investidora.

No regime da escrituração das participações societárias pelo custo de aqui-

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sição, a investidora somente reconhece como movimentação do investimento os dividendos recebidos da unidade empresarial investida. Por sua vez, no regime de equivalência patrimonial, ou de patrimônio líquido, a investidora vai reconhecendo as mutações havidas no patrimônio da investida ao longo do tempo, ou seja, em função do(s) período(s) de tempo em que as mesmas ocorrem, independentemente da materialização de sua distribuição como dividendos. Distribuem-se, assim, os ganhos e perdas, pelos períodos em que eles foram efetivamente produzidos pela investida. Isso permite que os interlocutores da entidade empresarial (investidores, financiadores, Estado, fornecedores e clientes) possam ter visão mais acurada, a cada momento, da saúde econômica do grupo empresarial com o qual mantêm relações.

Na ótica da investidora, a técnica permite que se aparte (i) o custo do investimento feito na unidade de negócios investido (ii) das perdas e dos acréscimos dela decorrentes (resultantes das mais-va-lias geradas pela unidade investida, e lá já tributados).3

Todas estas afirmações decorrem de prescrições legais, que disciplinam como tecnicamente deve ser aplicado e compreendido este método de identificação da situação patrimonial das unidades componentes do grupo econômico. E, como tal, objeto de definição normativa, técnica, não pode ser manipulado de forma a se comprometer sua lógica interna e sua finalidade.4

Estamos diante de termos técnicos, postos pela lei brasileira, cujo sentido não pode ser manipulado e distorcido.

3. O resultado do método de equivalência patrimonial

O método de equivalência patrimonial representa, portanto, ferramenta con-tábil tendente a viabilizar que, por meio da análise das demonstrações financeiras da investidora, terceiros em geral (mercado investidor, instituições de crédito, Estado, fornecedores e clientes) possam compreender as mutações patrimoniais ocorridas no grupo empresarial, como um todo.

É, de fato...

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