Preferências em licitação para bens e serviços fabricados no Brasil e para empresas brasileiras de capital nacional

AutorProf. Celso Antônio Bandeira de Mello
CargoTitular da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo
Páginas1-9

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  1. Dois problemas são suscitáveis e já têm sido suscitados ao propósito das preferências outorgáveis em licitações quando em pauta bens e serviços produzidos no País ou empresas brasileiras de capital nacional .

    O primeiro deles concerne à questão que poderia ser expressada na seguinte pergunta: com a Emenda Constitucional nº 6, de 15.08.95, que revogou o art. 171 da Constituição de 1988, ficaram inviabilizadas quaisquer das preferências estabelecidas seja no art. 3º da lei nº 8.666, de 21.06.93, que expediu normas gerais de licitação e contratos, seja na lei 8.248, de 23.10.91, que dispõe sobre a aquisição de bens e serviços de informática ?

    Em nosso entendimento, desta pergunta poder-se-ia dizer o mesmo que foi dito pelo eminente ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, OROZIMBO NONATO, ao propósito de outra, cuja resposta era igualmente curial: "O mesmo é propor a questão que lhe dar resposta negativa".

    Sem embargo, não é pacífico tal entendimento entre nós. Pelo contrário, têm sido fonte de muitas divergências, o que justifica o desenvolvimento da matéria em causa.

  2. O art. 171 da Constituição de 1988, em seu § 2º, oferecia às empresas brasileiras de capital nacional a garantia de que, nas aquisições de bens e serviços pelo Poder Público, ser-lhes-ia obrigatoriamente outorgada preferência, nos termos que a lei viesse a estabelecer. Estes eram seus dizeres:

    "Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional".

    Assim, o próprio deste dispositivo era, em nome do interesse nacional, o de determinar que a lei estabelecesse tratamento mais favorável, nas aquisições de bens e serviços pelo Poder Público, a uma determinada categoria de pessoa, definida no inciso II do mesmo artigo, qual seja:

    "aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendose por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades".

    Assim, é evidente (a) que o art. 171 cuidou de uma específica e determinada categoria de pessoa; b) que estabeleceu fosse por lei conferido tratamento diferenciado à referida categoria c) que, pois, o benefício a ser atribuído se caracterizava pelo ângulo subjetivo, isto é, pela qualidade do beneficiário e não por qualquer outro fator alheio a sua subjetividade.

    Segue-se que a revogação do artigo nada tem a ver com questões estranhas a tal espécie de pessoa. Ou seja, do só fato da supressão do artigo em causa nada se pode extrair no que atina a preferências outorgadas a outro título, desfrutável por outra categoria (e indeterminada) de pessoas, independentemente de atributos subjetivos que possuísse ou pudesse possuir.

    Trata-se de algo óbvio, cristalinamente claro, evidente por si mesmo.

  3. Com efeito, a elisão de uma regra constitucional que prevê a outorga de dado benefício a alguém em razão de determinado atributo que este possui, não traz consigo, só por só, a elisão do benefício desfrutável por outrém e ademais, captável - não em razão de qualquer atributo pessoal, é dizer, subjetivo - mas como fruto de alguma situação objetiva por força da qual favorecerá indeterminadamente quem quer que a preencha, sem estabelecer qualquer relação com sua individualidade jurídica.

    Ante o caráter surpreendente da dúvida que se instaurou ao respeito, cumpre insistir : o art. 171, não tratou de conferir tratamento especial a qualquer empresa que, "exempli gratia", desenvolvesse dado produto no Brasil ou que o fabricasse com maior valor agregado local. Tanto que, em decorrência do que se dispunha no preceptivo citado, ainda que empresa Page 3 brasileira de capital nacional houvesse importado parte relevante dos insumos de equipamentos a serem fornecidos, teria preferência em relação à empresa carente de tal qualificativo, conquanto esta última, ao contrário daquela, aqui houvesse desenvolvido o produto objeto da eventual compra ou possuísse maior valor agregado no Brasil.

    Assim, ulterior revogação deste dispositivo, por Emenda Constitucional subseqüente (como deveras ocorreu), do ponto de vista lógico e jurídico só poderia interferir com benefício concedido a empresa brasileira de capital nacional, ou seja, só poderia afetar vantagem desfrutável pelo sujeito portador da sobredita caracterização. Donde, a supressão do art. 171, é racionalmente estranha a qualquer benefício fundado em elemento diverso, como o que tomasse por base o fato do produto ser desenvolvido no Brasil ou possuir maior valor agregado local ou algum outro, qual - suponha-se - o de haver sido produzido em condições de maior higidez do ponto de vista ecológico ou, ainda, de haver sido desenvolvido por cidadão brasileiro etc.

    Em conclusão: é claro a todas as luzes que a eliminação de uma garantia assentada em elemento "subjetivo" - a empresa em sua identidade nacional, como dantes definida -...

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