Necessidade e contingência da natureza humana

AutorEdoardo Boncinelli
CargoEdoardo Boncinelli é professor de Biologia e Genética na Universidade Vita-Salute de Milão (IT). Suas obras mais recentes são Io sono tu sei (Mondadori, 2002), Tempo delle cose, tempo della vita, tempo dell'anima (Laterza, 2004), Il posto della scienza (Mondadori, 2004), Verso l'immortalità (Cortina, 2005), Prodigi quotidiani (Boroli, 2005)
Páginas1-24
NECESSIDADE E CONTINGÊNCIA DA NATUREZA HUMANA1 2
NECESSITY AND CONTINGENCY OF HUMAN NATURE
NECESIDAD Y CONTINGENCIA DE LA NATURALEZA HUMANA
Edoardo Boncinelli3
Psicologia experimental, neurociências e biologia evolucionist a obrigaram-nos a
reconsiderar ab imo o que é o homem, a pôr em foco a verdadeira essência da
natureza humana e a sua especific idade. Ao leitor a esc olha entr e um ressen tido
desespero e uma orgulhosa assunção de responsabilidade.
Experimental psychology, neurosciences, and evolutionist biology have obliged us
to reconsider ab imo what man is, and to focus on the true essence of the human
nature and its specificity. To the reader is left a resentful despair and a proud
assumption of responsibility.
Psicología experimental, neurociencias y biología evolucionista nos obligan a
considerar ab imo lo que el hombre es y a focalizar la verdadera esencia de la
naturaleza humana y su especificidad. Resta al lector escoger entre la
desesperación resentida y una aceptación orgullosa de la responsabilidad.
1. Os progressos cognoscitivos dos últimos decênios permitiram encarar, modelar e
remodelar o conceito de natureza humana, ou seja, o conjunto de traços essenciais que,
com maior ou menor justificação, costumamos julgar que, entre todas as outras
realidades, nos caracterizam. Uma possível aproximação do problema consiste em
1 Agradecemos muito ao autor pela concessão do dire ito de apresentar na revista eletrônica INTERthesis a
tradução portuguesa deste artigo, originalmente p ublicado na revista semestral italiana Micromega, em
número especial que precisamente rediscute o conceito de natureza humana. BONCINELLI, Edoardo.
Necessità e contingenza della natura umana. Micromeg a, almanacco di filosofi, n. 4, 2005. Roma, Gruppo
Editoriale L’Espresso, pp. 8-27.
2 A tradução para língua portuguesa deste artigo é de Selvino José Assmann, doutor em Filosofia (Pontificia
Università Lateranense, PUL, Itália), professor titular em Filosofia da História do Departamento de Filosofia
(UFSC), professor do D outorado Interdisciplinar do Centro de F ilosofia e Ciências Humanas (UFSC). E-m ail:
selvino@cfh.ufsc.br
3 Edoardo Boncinelli é professor de Biologia e Genética na Uni versidade Vita-Salute de Milão (IT). Suas
obras mais recentes são Io sono tu sei (Mondadori, 2002), Tempo delle c ose, tempo della vita, temp o
dell’anima (Laterza, 2004), Il posto della scienza (Mondadori, 2004), Verso l’immortalità (Cortina, 2005),
Prodigi quotidiani (Boroli, 2005).
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analisar os termos dessa evolução conceitual do ponto de vista da ciência, que prefere
programaticamente observar o mundo assim como ele é, mesmo que o quadro que disso
emerge possa desagradar a alguns ou a muitos, e deixar a outros a tarefa de nos explicar
como deveria ser. Certamente esta é uma severa auto-limitação, enquanto outros pensam
que tal atitude seja “prosaica” demais e não leve a nada de interessante. Pode acontecer
que seja assim, mas pessoalmente estou convencido de que também para ser mais do
que somos, precisamos antes conhecer o que somos. Dito de outra forma, o melhor modo
para superarmos os vínculos que nos condicionam, como indivíduos ou como espécie,
consiste em conhecer-nos cada vez melhor, sem apelar para pseudo-explicações ou
mentiras piedosas.
A biologia, por exemplo, pode até ser transcendida, mas não pode ser ignorada.
Ajuda-nos a entender o que somos, mas também a identificar com precisão o que não
somos. A idéia de animal, da qual fazemos tanta questão de nos distinguir, por exemplo,
tem muitas vezes séculos de idade. Hoje sabemos muito mais sobre o que os animais de
fato são – sobretudo certos animais – e tal conhecimento pode servir para situar na
devida luz tanto o que nos aproxima quanto o que nos distancia deles.
Ao procurarmos definir e enfocar melhor a essência da natureza humana, importa,
na minha opinião, distinguir de saída a natureza do indivíduo singular daquela do coletivo,
ou seja, daquilo que somos enquanto parte de uma sociedade que possui uma cultura e
uma história. Em síntese extrema: como indivíduos, somos animais – com características
de todo modo peculiares, mas sempre somos animais – produto de uma evolução
biológica milenar fundamentalmente cega e oportunista; enquanto isso, o coletivo
humano, e com ele o indivíduo que lhe pertence, mostra um caráter histórico e é filho de
uma continuidade cultural, longitudinal e transversal, que não encontra igual em nenhum
outro tipo de realidade. Dessa última característica nos sentimos muito orgulhosos, mas
não nos é conveniente nem é profícuo ignorarmos os vínculos e as condições que nos
limitam como seres singulares. Leopardi já se perguntava diante dos despojos de Tristão
“desejo e espero que me seja explicado pelos que entendem de indivíduos e de massas o
que estão fazendo [as massas] sem indivíduos, sendo compostas de indivíduos”.
2. Vejamos então, em primeiro lugar, o perfil do homem enquanto ser singular. A
visão que o homem da idade clássica tinha do seu lugar no universo sofreu nos últimos

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