Negócios de comida e trajetórias de imigrantes brasileiros no Oeste da Austrália: adaptação de receitas, jornada dupla e muita determinação

AutorRenata Utchitel Casado, Eduardo Picanço Cruz, Roberto Pessoa de Queiroz Falcão
CargoLecturer in the Management and Organisations department at the University of Western Australia - UWA Business School/Professor Associado III do Departamento de Empreendedorismo e Gestão da Universidade Federal Fluminense/Professor do Mestrado em Administração (PPGA-Unigranrio) e Professor visitante de empreendedorismo na Universidade ...
Páginas27-42
Negócios de comida e trajetórias de imigrantes brasileiros no Oeste da Austrália: adaptação de receitas, jornada dupla e muita determinação.
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RESUMO
O artigo se propõe a investigar, por meio da análise de tra-
jetórias de sete empreendedores imigrantes brasileiros no
Oeste da Austrália, como se deu o processo empreendedor de
negócios de comida. Por meio de entrevistas em profundidade
e análise documental, os autores oferecem subsídios sobre os
recentes uxos de brasileiros para o Oeste da Austrália, um
fenômeno recente e pouco coberto pela literatura acadêmica
em português. Ademais, o mesmo também contribui para a
literatura do empreendedorismo étnico e imigrante, dado que
o contexto brasileiro é menos pesquisado do que o dos imi-
grantes asiáticos na Austrália. Os resultados particularmente
enfocam aspectos da criação e desenvolvimento de negócios
do setor alimentício, que se valem da alavancagem étnica,
embora sofrendo barreiras no que tocante à sua conguração,
e necessidade de adaptação ao público local.
Palavras-Chave: eectuation, empreendedores imigrantes,
negócios de comida, Austrália.
ABSTRACT
The article aims to investigate, through the analysis of trajec-
tories of seven Brazilian immigrant entrepreneurs in Western
Australia, how the entrepreneurial process of food business
took place. Through in-depth interviews and documentary
analysis, the authors oer insights into the recent ows of
Brazilians to Western Australia, a recent phenomenon and little
covered by academic literature in Portuguese. Furthermore,
it also contributes to the literature on ethnic and immigrant
entrepreneurship, given that the Brazilian context is less re-
searched than that of Asian immigrants in Australia. The results
particularly focus on aspects of the creation and development
of businesses in the food sector, which use ethnic leverage,
although suering barriers in terms of their conguration, and
the need to adapt to the local public.
Key-words: effectuation, immigrant entrepreneurs, food
businesses, Australia.
Negócios de comida e trajetórias de imigrantes brasileiros
no Oeste da Austrália: adaptação de receitas, jornada
dupla e muita determinação.
Food business and trajectories of Brazilian immigrants in Western
Australia: adaptation of recipes, double shift and a lot of determination.
Renata Utchitel Casado
Lecturer in the Management and Organisations department at the
University of Western Australia - UWA Business School.
email: renata.casado@uwa.edu.au
Eduardo Picanço Cruz
Professor Associado III do Departamento de Empreendedorismo e
Gestão da Universidade Federal Fluminense.
email: epicanco@id.uff.br
Roberto Pessoa de Queiroz Falcão
Professor do Mestrado em Administração (PPGA-Unigranrio)
e Professor visitante de empreendedorismo na Universidade
Tecnológico de Monterey (México).
email: robertopqfalcao@gmail.com
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2020.e72182
Recebido em: 13/03/2020
Aceito em: 04/12/2020
Renata Utchitel Casado • Eduardo Picanço Cruz • Roberto Pessoa de Queiroz Falcão
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Revista de Ciências da Administração • v. 22, n. 56, p. 27-42, Abril. 2020
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo busca evidenciar casos de
negócios de comida, criados por imigrantes brasilei-
ros no Oeste da Austrália. Os negócios, além de sua
função objetiva de geração de lucro aos empreende-
dores, também trazem uma sensação de pertenci-
mento às comunidades étnicas. Alimentos possuem
valores simbólicos e culturais, resgatando o senso de
comunidade de imigrantes, como visto em lojas de
especialidades culinárias e restaurantes tradicionais
dos enclaves étnicos, assim como sendo ponto central
das festividades típicas de imigrantes (por exemplo
em EVERTS, 2010; DAHINDEN, 2012).
Os negócios étnicos e imigrantes tem sido
incluídos nos debates recentes sobre imigração
(RAMADANI, BEXHETI, DANA, RATTEN, 2019;
WANG, HII, 2019; BOUDREAUX, 2020), o qual
gravita entre dois polos: um lado que defende po-
líticas mais rígidas sobre a imigração, inando a
discriminação étnica nas sociedades desenvolvidas
(caso dos EUA e de alguns países europeus), e o outro
lado que defende o incentivo às políticas migratórias
buscando-se atrair mão-de-obra qualicada (caso
do Canadá e Austrália, por exemplo). É fato que
bilhões de dólares circulam em enclaves étnicos e
em negócios criados por imigrantes, sejam eles
negócios do ramo de alimentação ou startups e
empresas globais nascidas fundadas por imigran-
tes (DANA, VIRTANEN, BARNER-RASMUSSEN,
2019). As redes transnacionais de comércio, bem
como as redes locais de varejo étnico, são estabeleci-
das em escalas regionais, dentro da diversidade das
regiões metropolitanas dos cinco continentes. Fluxos
de ideias, mentes, capital e bens ocorrem diariamente,
promovidos por comunicações e meios de transporte
rápidos e baratos (DRORI, HONIG, WRIGHT, 2009).
Ao mesmo tempo que os empreendedores imigrantes
se concentram no mercado local gerando riqueza e
empregos, introduzem novos hábitos alimentares,
fornecendo comidas exóticas para os habitantes
locais ou promovendo a perpetuação de receitas de
“comida caseira” para seus colegas de trabalho ou das
comunidades imigrantes do exterior (HONIG, 2018),
o que muitas vezes é realizado de maneira eectual
(SARASVATHY, 2009), sem um planejamento formal
por parte dos imigrantes.
A migração brasileira para a Austrália é um
fenômeno relativamente recente, mas o número de
brasileiros na Austrália vem dobrando a cada cin-
co anos desde 2000, como mostra o último censo
(AUSTRALIAN BUREAU OF STATISTICS [ABS],
2016). Na última década, a migração do Brasil teve a
segunda taxa de crescimento mais rápida na Austrália,
depois do Nepal e à frente do Paquistão e da Índia
(DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS INTERNOS
[DHA], 2018). O Brasil é um dos principais parceiros
comerciais da Austrália na América Latina. Além
disso, é um dos principais países que envia estudantes
para a Austrália (COMISSÃO AUSTRALIANA DE
COMÉRCIO E INVESTIMENTO [AUSTRADE],
2019). Na Austrália Ocidental, onde essa pesquisa foi
realizada, o número de brasileiros aumentou 460%
entre 2001 e 2011, de 380 para 1.758, surgindo com
eles novos negócios étnicos (CLARKE, 2016).
O objetivo do artigo é o de contribuir para a
compreensão do processo empreendedor de imigran-
tes que estabelecem negócios de comida, ao se analisar
sete casos de empreendedores imigrantes brasileiros
no Oeste da Austrália. O estudo foi conduzido na
região por meio da análise de entrevistas em pro-
fundidade, contrastando com a literatura existente
a respeito do empreendedorismo de imigrantes que
estabelecem negócios de comida em todo o mundo.
Para explorar as trajetórias empreendedoras dos
brasileiros em sua comunidade étnica no Oeste da
Austrália, este estudo se baseia na abordagem teórica
da eectuation (SARASVATHY, 2009), na qual os
negócios são criados por meio de recursos dispo-
níveis, sejam oriundos do background cultural do
empreendedor, de suas experiências prévias ou das
circunstâncias da vida de imigrante. Dessa maneira,
as questões de pesquisa que nortearam este estudo
foram:
1) quais seriam as características comuns a suas
trajetórias empreendedoras?
2) quais seriam os fatores geradores de alavanca-
gens étnicas nos negócios de empreendedores
imigrantes brasileiros estabelecidos na Austrália
Ocidental?
As contribuições deste estudo são duplas. Pri-
meiro, o artigo oferece insights sobre os recentes

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