NEM TODA PARTICIPAÇÃO É IGUAL: planejamento de recursos hídricos a partir dos níveis de empoderamento

AutorDesirée Cipriano Rabelo, Andréa Barborsa Alves
Páginas442-467
NEM TODA PARTICIPAÇÃO É IGUAL: planejamento de recursos hídricos a partir dos
níveis de empoderamento1
Desirée Cipriano Rabelo2
Andréa Barborsa Alves 3
Resumo
Para avaliar a qualidade democrática dos processos participativos de planejamen to de recursos hídricos (PRHs), especial-
mente “como se par ticipa”, o artigo buscou as referências clássicas dos níveis de participação, em particular os níveis ado-
tados pelas organizações multilaterais: Informação, Consulta e Envolvimento Ativo. Com base nesses níveis, classificou as
informações sobre mé todos/estratégias participativas dos relatórios oficiais dos processos de elaboração de PRHs das
bacias dos Doce, São Francisco, Velhas, Santa Maria da Vitória e Jucu e Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Parte da premissa
que nem toda participação é igual e há formas crescentes de partilha de poder na relação governo- cidadão. A análise apon-
ta a banalização do termo “participativo” e a necessidade da transparência dos objetivos e abrangência da par ticipação
pública nos PRHs e processos semelhantes.
Palavras chaves: Participação pública. Recursos hídricos. Planejamento. Plano de bacia.
NOT ALL PARTICIPATION IS EQUAL: river basin planning from the levels of empower ment
Abstract
In order to evaluate the democratic quality of participation in wa ter resources planning processes (PRHs), especially in “the
methods of participation”, the research takes the classic references of participation levels, particularly, the levels assumed by
the multilateral organizations: Information, Consultation and Active Involvement. This was used to classify the official reports
about participation methods/strategies by of five basin planning of: Doce , São Francisco, Santa Maria da Vitória and Jucu
and Piracicaba, Capivari and Jundiaí rivers. The premise is that not all participation is equ al and that there are increasing
forms of power sharing in the government-citizen relationship. The analysis shows the trivialization of the term “participation”
and the need for transparency of the objectives and scope of public participa tion in the PRHs and similar processes.
Keywords: Public Participation. Water resources. Planification. River Basin Plans .
Artigo recebido em: 04/12/2019 Aprovado em: 23/04/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1p442-467.
1 Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa Aperfeiçoamento de processos participativos de planejamento de
recursos hídricos no âmbito de comitê de bacia (CNPq 46239 9/2014-1) desenvolvida no Laboratório de Gestão de Recursos
Hídricos e Desenvolvimento Regional Universidade Federal do Espírito Santo.
2 Bacharel em Comunicação Social. Doutora em Comunicação social (UMESP) e Pós- Doutorado em Sociologia (UAB).
Atualmente participa do LabGest (Laboratório de Gestão de Recursos Hídricos e Desenvolvimento Regional) da
Universidade Federal do Espírito San to e é professora no Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação
de Recursos Hídricos (PROFÁGUA. Endereço da universidade de vínculo: Av. Fernando Ferr ari, 514 - Goiabeiras, Vitória -
ES, 29075-910. E-mail: desiree_ufes@yahoo.com.br
3 Assistente Social. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), especialista em Gestão de Política de Saúde Informadas por Evidência (Hospital Sírio Libanês) e Regulação,
Controle, Avaliação e Auditoria em Saúde (Faculdades Integradas Espirito Santense - FAESA). Assistente Social da
Prefeitura Municipal de Vitória/ES, atuando como Gerente de Regulação, Controle e Avaliação . Endereço do órgão de
vínculo: Av. Mal. Mascarenhas de Moraes, 1185 - Forte São João, Vitória - ES, 29017-010. E-mail:
andrea.eades@gmail.com
Desirée Cipriano Rabelo e Andréa Barbosa Alves
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1 INTRODUÇÃO
A partir da última década do século XX, os organismos internacionais passaram a reco-
mendar fortemente a participação dos usuários no planejamento e execução das políticas, programas e
ações de recursos hídricos (CCE, 2000, 2003; CIAMA, 1992; CNUMAD, 1992). No Brasil, a orientação
foi assumida na Lei 9433/1997 - Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) que prevê, entre seus
instrumentos de gestão, os planos de recursos hídricos ou de bacia hidrográfica (PRHs). Nos territórios
onde há disputas pelo uso da água, os planos “estabelecem, de forma organizada, as soluções negoci-
adas nos respectivos comitês de bacia, com objetivo de minimizar os atuais e evitar os futuros conflitos”
(ANA, 2013, p. 12). Por isso, mais importante do que um plano que contemple todas as questões rela-
cionadas aos recursos hídricos é que ele resulte de um “pacto construído entre os atores envolvidos”
(ANA, 2013. p. 21). Segundo determina a Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CN-
RH) N°145/2012, a sociedade deve participar em todas as etapas do planejamento. Mas, cabe aos
Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs) a decisão por sua elaboração; a promoção da articulação dos
arranjos e recursos necessários; o acompanhamento dos trabalhos e a aprovação do plano final.
Em 2016, os 12 PRHs de bacias interestaduais elaborados, em processo de revisão ou de
elaboração, cobriam uma área correspondente a 54% do território nacional. Já em relação às bacias
estaduais, 164 delas já tinha o PRH elaborado, a maioria deles aprovada antes de 2010 (ANA, 2017).
Ou seja, 20 anos após a aprovação da Lei 9.433, o planejamento de recursos hídricos no Brasil, com
participação da sociedade, é uma prática institucionalizada. Não se trata de um fenômeno isolado: de
forma crescente, desde a Constituição de 1988, as Instituições Participativas (IPs)1– como conselhos
gestores e conferências públicas, dentre outras – integram a gestão pública em todos os níveis. E
tornaram-se um tema central entre os pesquisadores das Ciências Sociais, com o desenvolvimento de
um arcabouço teórico-analítico significativo para compreensão tanto do seu funcionamento quanto de
seus resultados efetivos (AVRITZER, 2011). Um amplo conjunto de ferramentas e subsídios
contemplam esses aspectos, reconhecendo as múltiplas questões que incidem sobre as IPs. O desafio
é avaliar se e como elas produzem impactos sobre a atuação de governos (IPEA, 2010; PIRES et al.,
2011). Nesse sentido dois pontos são considerados chaves:
i) a qualidade dos processos participativos é elemento fundamental para entendermos os e-
feitos e impactos produzidos por IPs; e ii) é necessário utilizar múltiplas perspectivas, enfo-
ques, estratégias e técnicas de análise (desde estudos em profundidade sobre um único ca-
so a estudos comparativos e de grandes amostras) para avaliar as dimens ões de atuação e
os variados resultados produzidos por IPs (PIRES et al., 2011, p. 361).

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