Gênero e cinema: uma abordagem sobre a obra de duas diretoras sul-americanas

AutorAna Maria Veiga
CargoDoutoranda em história da UFSC, pesquisa gênero e cinema latino-americano.
Páginas111-128
111
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 111-127, jan/jun. 2010
Gênero e cinema: uma abordagem sobre a obra
de duas diretoras sul-americanas
Gender and cinema: un approach on the movies
of two South American directors
Ana Maria Veiga1
RESUMO
Ao abordar parte da produção cinematográfica de Maria Luisa Bemberg (Argentina)
e Ana Carolina Teixeira Soares (Brasil), diretoras que exploraram a temática das
mulheres em seus países com filmes que alcançaram o circuito comercial a partir
dos anos 1970, proponho uma reflexão sobre como essas mulheres buscaram
constituir um espaço de crítica e reivindicação. Tomando as imagens e narrativas
fílmicas como documentos históricos, pretendo refletir sobre como esses trabalhos
fazem parte de uma memória cinematográfica voltada para o questionamento das
relações hierárquicas e tradicionais de gênero. Proponho também uma análise da
expansão deste tipo de cinema, seja ele considerado feminista ou não, em países
tidos como periféricos, no momento em que as manifestações das mulheres
eclodiam pelo mundo e em que o cinema foi apropriado como mais um instrumento
político na constituição de subjetividades também moldadas, por outro lado, pelas
trágicas consequências dos regimes militares.
Palavras-chave: Cinema. Gênero. Subjetividade. Argentina e Brasil.
ABSTRACT
Approaching on part of the cinematograph production of Maria Luisa Bemberg
(Argentina) and Ana Carolina Teixeira Soares (Brazil), directors which has explored
women‟s subjects in their countries with films that have reached the commercial
circuit from the seventies, I purpose a reflection about how these women searched to
constitute a space of critics and vindication. Taking the filmic images and narratives
as historical documents, I intend to reflect about how these works are part of a
cinematographic memory turned to the questioning of hierarchical and traditional
gender relations. I also purpose un analysis of the expansion of this kind of cinema,
either feminist or not, in “peripheral” countries, at the moment that women‟s
manifestations raised through the occidental world and that the cinema was taken as
another political instrument in the constitution of subjectivities also shaped, by the
other side, by the tragic consequences of the military political system.
Key-words: Cinema. Gender. Subjectivity. Argentina and Brazil.
1 Doutoranda em história da UFSC, pesquisa gênero e cinema latino-americano.
amveiga@yahoo.com.br
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 111-127, jan/jun. 2010
1 INTRODUÇÃO
Final dos anos 1970 e década de oitenta. No Brasil, a ditadura militar se
distendia até chegar à redemocratização. Na Argentina, só nos oitenta o terror
começou a se dissipar. De qualquer modo, a produção artística durante os regimes
militares, mas também depois deles, estaria fortemente marcada. Aqui eu falo
especificamente do cinema apropriado por duas mulheres de dois países que
estavam sob essas condições. Ambas puderam, com suas construções
cinematográficas, em meio aos estigmas de seus contextos históricos, representar
mulheres que tiveram muito a dizer e que trouxeram um protagonismo feminino
àquelas histórias, de maneira nenhuma descoladas de outras histórias. Os filmes
realizados por elas aparecem como “intertextos”, num emaranhado de relações que
os conectam a outros textos/discursos e ao próprio contexto vivido.
Ana Carolina Teixeira Soares é brasileira e começou a rodar suas películas
na década de 1970, momento em que algumas outras brasileiras passaram a filmar,
boa parte delas impulsionada pelos cursos de cinema da ECA (Escola de
Comunicação e Arte) da Universidade de São Paulo e de outras faculdades no país.
A maioria delas optou pelo formato documentário de curta duração, mas o forte de
Ana Carolina foram seus longas-metragens de ficção. Em entrevista que acompanha
a trilogia de filmes que trago para este estudo, não se reconhece como feminista e
afirma que fazer filmes que focaram mulheres foi uma necessidade em sua vida.
Maria Luisa Bemberg, morta em 1995, nasceu na Argentina em 1922, dentro
de uma das famílias mais abastadas do país. Os limites colocados pela família aos
seus sonhos de estudo e desenvolvimento pessoal a levaram ao encontro das ideias
feministas que circulavam no mundo ocidental a partir dos anos sessenta. Em 1970 ,
tornou-se pivô da formação da UFA Unión Feminista Argentina por ter se
declarado publicamente feminista em entrevista aos meios de comunicação. Depois
disso, sua caixa de correio recebeu cartas de outras mulheres, interessadas em
formar um grupo feminista de discussão e solidariedade (CALVERA, 2007). Dois
anos depois, aos cinquenta anos de idade, com um empurrãozinho das
companheiras da UFA, Bemberg começou a fazer cinema.
Seus primeiros filmes já colocavam o feminismo e a questão das mulheres em
primeiro plano. Foram eles os curtas El mundo de la mujer (1972) e Juguetes

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