Um nome a ser lembrado: Silvio Coelho dos Santos

AutorRogério F. Guerra
Páginas9-35

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Quem é o Prof Silvio Coelho?

É* professor da Universidade Federal de Santa Catarina desde 1961. Natural de Florianópolis, ele nasceu em 7 de julho de 1938. Graduouse em História (1960), mas logo deu início a uma colaboração com o Prof. Oswaldo Rodrigues Cabral (1903-78), auxiliando-o em suas aulas de Antropologia. A experiência parece ter sido fundamental para delinear os rumos de sua carreira, pois o jovem Silvio Coelho ingressou num curso de especialização (1962), ministrado no Museu Nacional (RJ), sob a orientação do Prof. Roberto Cardoso de Oliveira (1928-2006).

Seu doutoramento foi feito na Universidade de São Paulo (1972), sob orientação de Egon Schaden (1913-91), um dos grandes nomes da antropologia brasileira e originário de São Bonifácio, uma bela cidadezinha de Santa Catarina. O título de sua tese já sinalizava os rumos de sua carreira científica: Índios e brancos no sul do Brasil – a dramática experiência dos Xokleng. Logo em seguida, ele foi aprovado nos concursos de livre docência (Educação e sociedades tribais, 1974) e de professor titular (Indigenismo e expansão capitalista: faces da agonia Kaingang, 1979). A leitura de seu depoimento permite deduzir que três pioneiros da antropologia influenciaram os rumos de sua carreira: Oswaldo Cabral, Roberto Cardoso de Oliveira e Egon Schaden, devido ao tempo de convivência e, talvez, aos traços de personalidade dos atores. Cabral foi a pessoa que mais influenciou os rumos que Silvio Coelho deu à carreira profissional.

O Prof. Silvio foi Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, depois, Pró- Reitor de Ensino (1980-86) e Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (1992-94). Ele é sócio emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e membro da Academia Catarinense de Letras. Em reconhecimento a seus méritos acadêmicos e papel desempenhado na consolidação da UFSC, foi-lhe outorgado o título de Professor Emérito (1999). Intelectual incansável, Silvio Coelho sempre teve grande envolvimento com as atividades professorais, algo que pode ser constatado desde seu envolvimento, ainda como aluno de graduação do curso de História, num programa de alfabetização de soldados do 14o Batalhão de Caçadores (final dos anos 1950) até a presente data. Mesmo aposentado e com alguns problemas de saúde, ele ainda encontra tempo e energia para liderar o Núcleo de Estudos Sobre Povos Indígenas (NEPI/UFSC), onde orienta seus alunos e continua a produzir textos acadêmicos.

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Todos esses anos de sua dedicação merecem ser ressaltados, pois engrandecem o nome de nossa instituição.

[VEJA A FIGURA NO PDF ANEXADO]

Figura 1 Sílvio Coelho dos Santos, em entrevista para o jornal A notícia, Joinville (SC), 2002.

Contribuição intelectual

Especificamente no campo da Antropologia, Silvio Coelho, como ele é conhecido no cenário acadêmico, e Walter Fernando Piazza, sob a liderança de Oswaldo Rodrigues Cabral (1903-78), formaram a primeira equipe de antropólogos e implantaram o Instituto de Antropologia na UFSC. Ele inaugurou uma linha de pesquisa que envolve a cultura dos índios Xokleng, fato que resultou na publicação de vários papers e livros, dentre os quais destacamos Índios e brancos no sul do Brasil (1978), Os índios Xokleng: memória visual (1997) e Memória da antropologia no sul do Brasil (2006), sem esquecer sua contribuição historiográfica: Nova história de Santa Catarina (1974).

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Seu segundo livro (Integração do índio na sociedade regional: o papel dos postos indígenas de Santa Catarina, 1970) merece ser destacado, pois a obra foi apreendida pela Polícia Federal, quando se encontrava em fase final de publicação na Imprensa Universitária da UFSC. Conforme mostra o depoimento a seguir, o Prof. Silvio esclarece que o livro continha críticas à estrutura administrativa dos postos indígenas, fato que resultou em denúncia anônima e alguns problemas para sua liberação. Dono de variada produção acadêmica, ele também foi detentor do cobiçado II Prêmio Abril de Jornalismo (1976). A história da premiação é curiosa e merece algum detalhamento. Com efeito, um jornalista da Editora Abril veio à Santa Catarina para realizar uma matéria sobre rotas turísticas. Atendendo a uma recomendação, ele recorreu ao Prof. Silvio, em busca de ajuda.

A conversa despertou o interesse do jornalista por temas relacionados aos índios, pois ele convidou o Prof. Silvio a escrever uma matéria sobre os bugreiros, personagens perdidos no tempo, que se encarregavam de eliminar os bugres (expressão depreciativa e em desuso utilizada no sul do país para designar os índios). Eles eram contratados pelas autoridades, e atuaram até meados do século XX. O Prof. Silvio já havia discutido em suas obras o caso de Martinho Marcelino de Jesus, chefe das tropas que se consagrara com o apelido de Martinho Bugreiro, e fizera uma entrevista com Ireno Pinheiro, um ex-bugreiro que então vivia em Santa Rosa de Lima (SC). Aceito o convite, a entrevista foi transformada numa matéria jornalística e publicada na Revista do Homem (abril de 1976), que antecedeu a conhecida Playboy. A matéria teve enorme repercussão e o Prof. Silvio recebeu o cobiçado II Prêmio Abril de Jornalismo. Não obstante tudo isso, o Prof. Silvio tem forte relacionamento com o mundo acadêmico. Diante da crescente desvalorização do professor, ele não perde o otimismo e sempre enfatiza: “Sou fruto da escola pública”.

A UFSC e o Departamento de Antropologia

A história do Departamento de Antropologia confunde-se com a trajetória acadêmica de três personagens: Oswaldo Cabral, titular da disciplina Antropologia Cultural, Walter Piazza e Silvio Coelho dos Santos, seus dois notáveis assistentes. Tudo teve início quando o Prof. Cabral liderou um movimento que deu origem ao Instituto de Antropologia (1968), o qual foi transformado em Museu de Antropologia dois anos mais tarde. A nova unidade foi instalada na estrebaria da Fazenda Experimental Assis Brasil. A inauguração ocorreu em 29 de maio de 1968, e contou com a participação do Governador Ivo Silveira (1966-71), o Reitor João David Ferreira Lima e outras autoridades. Em decorrência da implantação da reforma universitária (1970), os professores passaram a integrar o Departamento de Sociologia.

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O envolvimento de Cabral, Piazza e Coelho promoveu a transformação das baias da antiga estrebaria em unidades de pesquisa, o que permitiu a formação de vários pesquisadores em Arqueologia e Antropologia.

[VEJA A FIGURA NO PDF ANEXADO]

Figura 2 Sílvio Coelho dos Santos com o médio sanitarista Noel Nutels no Museu de Antropologia da UFSC, 1975.

Em 1992, a antiga estrebaria recebeu uma designação oficial: Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral. O curso de Especialização em Antropologia foi criado em 1976, dando origem ao Programa de Pós-graduação em Antropologia (mestrado), implantado em 1978. Uma portaria do Gabinete da Reitoria (0875/1985) promoveu a separação das áreas de especialização, e o processo deu origem ao Departamento de Antropologia e ao de Sociologia e Ciência Política (1995). Nessa ocasião, foi implantado o Programa de Pós-graduação em Antropologia – inicialmente mestrado, mas ampliado para o doutoramento em 1998.

O depoimento

O presente depoimento foi dado ao editor da Revista de Ciências Humanas e envolveu cinco encontros de mais ou menos três horas de duração cada um. Os relatos foram gravados e posteriormente editados pelo próprio editor. Mais tarde, o material editado foi enviado ao Prof. Silvio paraPage 13correção de datas e inserção de informações documentais, como números de decretos e portarias emitidos pelas autoridades. Os relatos consumiram cerca de 30 horas, somando o tempo despendido no depoimento e na editoração do material. É importante ressaltar o momento em que as entrevistas ocorreram, pois também é revelador da estatura intelectual do Prof. Silvio. Com efeito, ele se submetera às extenuantes entrevistas após ter sido submetido a três cirurgias para remoção de um tumor no aparelho digestivo (numa delas, ele contraiu infecção hospitalar e foi obrigado a despender três semanas na UTI). O editor o encontrou fisicamente debilitado, mas entusiasmado com a recuperação e o retorno às atividades rotineiras. As entrevistas ocorreram no NEPI, ladeadas por alunos e funcionários.

As perguntas e as respostas

Revista de Ciências Humanas – Como foi criada a Universidade Federal de Santa Catarina?

Coelho – A UFSC foi criada com o ato do presidente Juscelino Kubitschek (1902-76), em 1960, e instalada em 1962, embora os esforços em prol da criação da universidade remontem aos anos 1950. Num primeiro momento, Henrique da Silva Fontes defendia a criação de uma universidade estadual, obteve o aval dos governos estaduais de Irineu Konder Bornhausen (1951- 56), Jorge Lacerda (1956-58) e Heriberto Hülse (1958-61), quando a União Democrática Nacional (UDN) detinha o poder em Santa Catarina. Já se tinha em mente que a universidade seria instalada na Trindade, pois a administração de Irineu Bornhausen havia promulgado uma lei reservando a Fazenda Experimental Assis Brasil para permitir a instalação do campus universitário.

Uma vez que a Faculdade de Direito, dirigida pelo Prof. João David Ferreira Lima (1910-2001), havia sido federalizada em meados dos anos 1950, houve pressão natural para que a nova instituição ficasse aos encargos do governo federal. O Prof. Henrique da Silva Fontes (1885-1966) também pertencia à Faculdade de Direito, mas Ferreira Lima contava com o apoio da maioria dos professores, de forma que prevaleceu o pensamento de que o governo estadual dificilmente teria condições de arcar com os custos de implantação de uma universidade. Os salários dos professores eram elevados, em relação aos salários pagos pelo governo estadual, e a futura universidade traria enormes...

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