O que os nomes das fundações partidárias querem dizer?
Autor | Eliana Tavares dos Reis - Igor Gastal Grill |
Cargo | Pesquisadora e docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais - Pesquisador e docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais |
Páginas | 97-147 |
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e.86203
9797 – 147
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
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Biograas estratégicas: o que
os nomes das fundações
partidárias querem dizer?
Eliana Tavares dos Reis (UFMA)1
Igor Gastal Grill (UFMA)2
Resumo
Propomos neste artigo reetir sobre as estratégias e lógicas que presidem o empenho coletivo
na heroicização/sacralização biográca de lideranças políticas homenageadas postumamente por
meio da atribuição de seus nomes a Fundações Partidárias (FPs). Mediante a análise do material
laudatório produzido sobre os personagens a partir das entidades, observamos como biograas es-
tratégicas são modelares e modeladas nas apropriações/construções de organizações coletivas for-
madas por agentes, interesses e ns diversos, porém tributários da positivação dos seus “ícones”.
Abordamos as formas de registro/ativação da “memória” dos mortos celebrados e observamos o
peso da associação a propriedades sociais, causas legítimas, eventos marcantes, “tradições polí-
ticas” e organizações partidárias como investimentos na capitalização de bens e representações
competitivamente engendrados.
Palavras-chave: Biograas. Homenagens Póstumas. Fundações Partidárias. Elites Políticas.
1 Pesquisadora e docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenadora do Laboratório de Estudos
sobre Elites Políticas e Culturais – LEEPOC. Autora dos livros “Trajetórias, espaços e repertórios de intervenção
política” e “Elites parlamentares e a dupla arte de representar”, além de dezenas de artigos em periódicos e
capítulos em coletâneas. E-mail: eliana1reis@terra.com.br
2 Pesquisador e docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenador do Laboratório de Estudos sobre
Elites Políticas e Culturais – LEEPOC. Autor dos livros “Heranças políticas no Rio Grande do Sul” e “Elites par-
lamentares e a dupla arte de representar”, além de dezenas de artigos em periódicos e capítulos em coletâneas.
E-mail: igorgrill@terra.com.br
Biograas estratégicas: o que os nomes das fundações partidárias querem dizer? | Eliana Tavares dos Reis (UFMA)
Igor Gastal Grill (UFMA)
98 97 – 147
1. Introdução
Ao longo do tempo, observamos uma profusão de (re)invenções e contí-
nua diversicação das modalidades de registro, das formas de armazena-
mento e dos modos de celebração biográca. No bojo desses processos,
alternativas de investigação se expandiram e foram renadas, graças a in-
vestimentos disciplinares, que colaboraram para a sosticação de modelos
analíticos pertinentes à coleta/sistematização de dados, à formulação de
interrogações originais e à apreensão vigilante de lógicas, práticas e meios
de fabricação/eternização de biograas3.Lideranças políticas são particu-
larmente dignicadas como alvos relevantes de notabilizações, conduzidas
em seu nome ou em nome de categorias e causas que elas representariam,
pelos mais diversos motivos e ns coletivos de consagração. Dicilmente
as estratégias de enaltecimento biográco não estão interligadas a sistemas
de percepção e de divisão condizentes com o delineamento de grupos so-
ciais. Especialmente no que diz respeito aos domínios políticos, os me-
canismos de condensação de coletividades se objetivam em organizações
mais ou menos estáveis (partidos, sindicatos, entidades etc.), referidas por
suas siglas. Ao que se conjugam empreendimentos de ordenação de suas
imagens como unidades coesas, de ações coerentemente orquestradas, com
motivações precisas e homogêneas. Elas aparecem como se tivessem uma
“personalidade moral” e fossem capazes “de agir, de falar, de pensar como
um só homem” (OFFERLÉ, 1997, p. 8)4, e são objeto de empenhos inces-
santes de qualicação, em consonância com as pretensões (sempre móveis)
da forma como organizações e componentes vislumbram ser percebidos.
Nomear é identicar uma espécie de objeto, procedência, classe, en-
m, é designar demarcadores sociais, que explicitam disposições, signicam
injunções, e podem ser acionados como trunfos ou espólios (mormente
simbólicos) passíveis de serem valorizados, desvalorizados, revalorizados,
enm, disputados. O que se aplica às estirpes políticas ou intelectuais. Nos
embates políticos, rótulos são mais frequentemente (não excludentemente)
3 Para um balanço de matrizes teóricas para tratamento de dados biográficos, bem como apropriações e agendas
de pesquisa que ajudaram a constituir nas ciências sociais brasileiras, ver Reis e Barreira (2018).
4 Para a relevância das rupturas com esses obstáculos na análise política dos processos de objetivação de catego-
rias, grupos, instituições, consultar Lacroix (1985).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 50 - Jan./Abr. de 2022
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agilizados em transações dinâmicas de detração ou exaltação do que em dis-
positivos de objeticação. Aliás, organizações são fundadas ou seus porta-
-vozes acionam etiquetas como fundamento de justicativas e identidades.
Não raro, tipicações terminadas em “ismos” – aglutinadoras de práticas
e representações heterogêneas – são aplicadas para denotar ideologias, ten-
dências, legados e movimentos forjados nos desdobramentos das batalhas
de qualicação/desqualicação das aproximações ou rivalidades políticas.
Muitas delas têm, na sua raiz, nomes de personagens destacados como re-
levantes à ativação de identicações. E seus ativadores podem rentabilizar
com relativo êxito (não de forma consciente, cínica ou meramente instru-
mental) a sua “memória”, seja para aclamar a vinculação do precursor a
certas “tradições políticas” (socialismo, trabalhismo, liberalismo ou outro)
e valores (como a democracia), seja para reivindicar liações ou distâncias
da linhagem em questão.
Importa-nos que, nesses processos, biograas estratégicas são modelares
e modeladas nas apropriações/construções de organizações coletivas forma-
das por agentes, interesses e ns diversos, porém tributários da positivação
de “ícones”. Neste artigo, propomos reetir sobre as estratégias e lógicas que
presidem o empenho coletivo na heroicização/sacralização biográca de
lideranças políticas homenageadas postumamente por meio da atribuição
de seus nomes a fundações partidárias (FPs). Abordamos, notadamente,
o caráter indissociável das formas de registro/ativação das biograas dos
mortos celebrados e os investimentos competitivamente engendrados na
capitalização de bens e de representações.
O que abre uma via de reexão sobre como créditos simbólicos são
construídos processualmente (mas não linearmente) na relação (de mão
dupla) entre pessoas e grupos? Cientistas sociais são inclinados a pensar de
forma dualista, inclusive por conta dos instrumentos teóricos disponíveis.
Deparamo-nos com cenários nos quais, de um lado, recursos individuais
acumulados pessoalmente por líderes (honra, estima, notoriedade, prestí-
gio, fortuna, títulos, saberes, competências...) são exibidos como decisivos
à formação de grupos5. E, de outro lado, integrantes de organizações apa-
5 Ver Landé (1977).
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