Norbert Elias no contexto político universitário de Weimar

AutorChristophe Charle
CargoProfessor emérito de História Contemporânea na Université Paris 1, Panthéon-Sorbonne
Páginas52-73
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e.85700
5252 – 73
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Norbert Elias no contexto político-
universitário de Weimar1
Christophe Charle2
Resumo:
As biograas disponíveis sobre Norbert Elias ecoaram os relatos autobiográcos do sociólogo, que,
voluntariamente, colocou entre parênteses quase todo contexto político que explica os infortúnios
de seu destino universitário. O objeto deste artigo será não somente repolitizar a gura de Norbert
Elias em relação ao discurso “apolítico”, ou mesmo “antipolítico”, que ele alimentou no m de sua
vida, ao reiterar o “distanciamento” como ascese necessária para alcançar a perspectiva sociológica
justa, mas também, principalmente, iluminar os contextos político-universitários nos quais ele
estava imerso e que mais o afetaram em várias de suas escolhas. Articularei minhas considerações
em função das três principais cidades universitárias alemãs nas quais Elias viveu ou trabalhou e
farei referência, também, a Paris, uma esperança frustrada que impulsionou o grande salto em
direção ao mundo anglófono.
Palavras-chave: Norbert Elias. Universidade. Política. Trajetória. Weimar.
1. Introdução
Para introduzir esta contribuição, começarei citando uma carta de Norbert
Elias encontrada nos arquivos de Célestin Bouglé pertencentes aos fundos
da École normale supérieure. Roubados pela Gestapo, em 1940, e depois
transferidos para os arquivos soviéticos em 1945, esses documentos foram
1 Tradução de “Norbert Elias dans le paysage universitaire politique de l’époque de Weimar”, artigo inédito gentil-
mente cedido pelo autor, cuja origem é a intervenção oral no colóquio “L’Université et le politique”, organizado
por Antonin Dubois e Julius Gerbrachte, e realizado no Instituto franco-alemão da Universidade de Frankfurt em
junho de 2018. Tradução e revisão: Rodrigo da Rosa Bordignon e Camila Gui Rosatti.
2 Professor emérito de História Contemporânea na Université Paris 1 - Panthéon-Sorbonne, membro honorário do
Institut Universitaire de France, doutor honoris causa pela Universidade de Genebra. Publicação mais recente:
Paris, “capitales” des XIXe siècles, Paris, Seuil, 2021. E-mail: christophe.charle@ens.fr
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 50 - Jan./Abr. de 2022
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recentemente recuperados pelos Archives nationales. Essa transferência ex-
traordinária de documentos dos anos 1930 para outro canto da Europa
nos faz reencontrar o vestígio de um então obscuro assistente judeu-ale-
mão exilado na França, o jovem Elias, instalado em Paris após a tomada de
poder por Hitler. A carta já diz muito sobre a turbulência política na qual o
futuro autor de A Sociedade de Corte (ELIAS, [1969] 2001a) esteve imerso
durante mais da metade de sua existência.
Cito a versão datilografada da carta, corrigindo os erros cometidos
pela datilógrafa.
Dr. Norbert ELIAS.
Nasci em 22 de junho de 1897 em Breslau. Estudei em um liceu da cidade (Johannes
Gymnasium). Conclui o baccalauréat em 1915. Continuei meus estudos na Universidade
de Breslau (faculdade de losoa), mas depois de algumas semanas precisei partir para o
exército na função de telegrasta, passando em seguida para a de enfermeiro.
Em 1917, dispensado em decorrência de uma violenta depressão nervosa, pude retomar
meus estudos. Trabalhei sob a orientação do professor Husserl e de seu assistente Heidegger,
de Friburgo, e sob a orientação dos professores Rickert, Jaspers e A. Weber, de Heidelberg.
Em 1923, realizei minha tese de doutorado com o professor Honigsvald, em Breslau, sobre o
tema: “Idee [sic] und Individuum”. Em decorrência de diculdades materiais do período de
inação, o trabalho não foi editado. Segui carreira universitária em Heidelberg, onde prepa-
rava, sob a direção de Alfred Weber, uma pesquisa sociológica sobre a formação da ciência
moderna durante a Renascença. Para este trabalho, eu z pesquisas em Florença e em outros
lugares. Mas, como a “Notgemeinschaft der deutschen Wissenschaft” não pôde mais co-
locar a minha disposição os meios necessários para continuar meu trabalho, ele permanece
inacabado e inédito.
Em 1928, participei do Congresso sociológico em Zurique, cujos resumos remetem a minha
contribuição. Em 1930, tornei-me assistente do professor Mannheim em Frankfurt am Main
com o qual já trabalhava desde muito tempo em Heidelberg.
Na função de assistente em sociologia da Universidade de Frankfurt, dirigi a preparação de
diversas teses de doutorado e de seminários sociológicos. Como trabalho pessoal, durante
este tempo preparei um livro sobre a sociedade francesa do século XVIII, análise sociológica
na qual são tratados particularmente o poder real, a corte e a nobreza. O trabalho foi aceito
pela faculdade como “Habilitationsschrift”, e minha nomeação como “privadozent”3 já es-
tava aceita pelo representante do ministério, quando os recentes eventos políticos tornaram
3 N.T.: Privatdozent é um título tradicional do sistema universitário alemão e designa professores detentores
de uma habilitação universitária, sem estarem afetados a postos no sistema de ensino ou pesquisa. Com esse
título, eles podem dar conferências e cursos particulares, mas não recebem remuneração por parte do governo.
O acesso à condição de privatdozent é, no entanto, etapa necessária para obter um posto.

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