Nota sobre o princípio de autoridade e as concepções organicista e mecanicista da sociedade

AutorAcelino Rodrigues Carvalho
Ocupação do AutorAdvogado, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional
Páginas23-30

Page 23

Ao desenvolver seu pensamento sobre o conceito e o fundamento da sociedade, Goffredo Telles Junior1 começa por dividir os seres vivos em duas grandes espécies: animal e vegetal. Explica o autor que, no processo de evolução natural dessas espécies, alguns seres vivos organizaram-se em agrupamentos definidamente constituídos, formando populações. Assim, populações são grupos de seres vivos, vegetais ou animais, organizados dentro de um espaço delimitado, constituindo uma unidade biótica que, mesmo podendo ter suas partes modificadas, conservam, todavia, sua identidade. As populações são como células, organismos, possuindo estruturas e funções próprias, podendo crescer, desenvolver e adaptar-se às condições do meio.

Page 24

Algumas populações se formam de maneira acidental ou artificialmente; outras, no entanto, decorrem da necessidade de cooperação para a garantia da própria sobrevivência. Existem populações de animais que são meros agrupamentos; noutras, porém, os animais que a compõem, chamados de seres gregários, assim como os grupos menores de animais que se constituem dentro da população maior, formam comunidades com a finalidade de se ajudarem mutuamente, com vistas à consecução de objetivos comuns. As populações de animais formadas com esta característica recebem o nome de sociedades, das quais fazem parte as populações de seres humanos.2O estado social é o estado de natureza dos animais gregários. Contudo, para os não humanos, a sociabilidade é puramente instintiva; já para os humanos, além de instintiva, ela é, também, racional. Para os seres gregários não humanos, a sociedade representa um fim, ou seja, por força do instinto, ela se constitui no objetivo supremo da vida, para cuja consecução trabalham e morrem todos os membros do grupo social, não se levando em consideração a sorte particular de cada um face ao interesse coletivo de preservação da própria espécie, já que, desgarrado da sociedade, o indivíduo perece.

Com relação aos seres humanos, o fenômeno se passa de outra forma. O homem almeja outros objetivos além da sobrevivência do grupo. Logo, fazendo uso de sua inteligência, percebe ele que a natureza lhe impôs limitações e que, em virtude disso, necessita da colaboração de seus semelhantes para a realização daqueles objetivos. A sociedade surge, assim, como condição para que o ser humano se realize, e a realização do ser humano, por sua vez, torna-se a razão de ser da sociedade. Destarte, para os seres humanos, a sociedade é instrumental, sendo, portanto, meio cujo fim maior é a promoção do próprio homem. Aqui, o ser humano, individualmente considerado, é o mais importante, e a sociedade tende a desagregar-se quando não realiza sua promoção.

Page 25

Com efeito, consoante Goffredo Telles Junior,3 para o homem, a sociedade é, ao mesmo tempo, natureza e contrato; natureza e pacto social. É natureza, porque é da natureza humana a inclinação para a vida em sociedade; é pacto social, porque a forma de constituição da sociedade depende da vontade humana. "Predisposto por sua natureza e conduzido por sua vontade, o homem normal vive em sociedade por ele próprio estruturada". O autor conceitua sociedade humana como sendo a "união ética de seres humanos, em busca de fins comuns". No conceito explicitado, fica patente a existência de um ordenamento normativo ao qual os membros da sociedade ficam submetidos: "ela é um organismo ético porque constitui um todo harmônico, uma estrutura, em que os grupos sociais, agindo livremente, se sujeitam a uma disciplina geral, numa ambivalência criada com o intuito de propiciar a expansão de cada um".4Ao afirmar que a sociedade é, ao mesmo tempo, natureza e pacto social, Goffredo Telles parece tentar conciliar duas posições aparentemente inconciliáveis. Segundo Paulo Bonavides,5 Talcott Parsons conceituou sociedade como sendo "todo complexo de relações do homem com seus semelhantes". Contudo, acrescenta ele que as mais importantes formulações históricas sobre os fundamentos da sociedade são o organicismo e o mecanicismo, ficando, em conseqüência, toda e qualquer tentativa de conceituá-la sujeita, essencialmente, ao influxo de uma dessas duas concepções.

Exemplificando, o referido autor menciona o conceito de Toennies para quem sociedade "é o grupo derivado de acordo de vontade, de membros que buscam, mediante o vinculo associativo, um interesse comum impossível de obter pelos esforços isolados dos indivíduos", onde se tem um conceito eminentemente mecanicista. Del Vecchio, por seu turno, ainda segundo o mesmo autor, entendeu sociedade como sendo "o conjunto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT