Novíssimas e raríssimas: melodrama e experimentalismo na narrativa cubana escrita pelas mulheres

AutorLídia Santos
Páginas31-46
Niterói, v. 9, n. 2, p. 31-46, 1. sem. 2009 31
NOVÍSSIMAS E RARÍSSIMAS:
MELODRAMA E EXPERIMENTALISMO
NA NARRATIVA CUBANA ESCRITA
PELAS MULHERES
Lídia Santos
City University of New york
Email: lsantos@gc.cuny.edu
Para Diony Durán1
Resumo: Temas como o exílio e a crítica aos
rumos tomados pela revolução de 1959 na
contemporaneidade são examinados à luz das
teorias contemporâneas sobre o melodrama.
A recriação deste gênero é vista como um
primeiro passo em direção à radicalidade e
à experimentação características da narrativa
mais recente, como a de Ena Lucia Portela, cuja
narrativa é comparada à de Marylin Bobes, Zoé
Valdés e Sonia Rivera-Valdés.
Palavras-chave: literatura cubana; gênero;
narrativas.
Os novos sujeitos
Dentre os novos sujeitos atuantes na literatura cubana contemporânea, as
mulheres sobressaem pelos temas que trazem à discussão. Lutando por espaço
num campo dominado por seus pares masculinos e recebendo o influxo simultâneo
do feminismo europeu e norte-americano, as escritoras demonstram que o sujeito
monolítico desenhado pela revolução se encontra, pelo menos, em discussão.2 O
desmembramento do sujeito-nação lhes permite não somente tematizar a diáspora
1 Este trabalho não poderia ter sido escrito sem o auxílio de minha amiga Diony Durán que, além de ter-me enviado da
Alemanha seus artigos sobre a escritura das mulheres cubanas, leu com atenção e fez excelentes comentários à versão
lida durante a conferência Cuba: 100 Years of Independence, a Century of Literature, realizada na Universidad de Yale,
em 2002. Agradeço também a Nara Araújo, que teve a gentileza de me enviar seus trabalhos sobre Ena Lúcia Portela,
sem os quais não poderia ter terminado esta segunda versão.
2 Diony Durán lista várias denúncias, publicadas por diferentes autoras e críticas cubanas, de que as antologias dedica-
das ao conto cubano, até meados dos anos 1990, excluem as mulheres, trabalho aqui com o manuscrito da tradução
do espanhol, de 18 páginas, feita pela própria autora). Sobre o influxo dos feminismos na obra das cubanas, ver
Araújo (2000).
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E Novíssimas e raríssimas: melodrama e
experimentalismo na narrativa cubana escrita pelas mulheres
cubana fora da Ilha, mas também as diásporas contidas nas diferentes identidades
que emergem no bojo da crise do sujeito nacional.
No caso da diáspora cubana, uma parte representativa das mulheres opta
por um tratamento melodramático. Utilizando o melodrama através da paródia, ou
do pastiche, as narradoras produzem um texto “resistente” (Fetterly), derivado da
mistura da tradição culta com o melodrama “popular”, ou seja, o que é veiculado
pelo rádio, inclusive em forma musical, ou pela televisão. Usados como ferramenta
experimental, esses gêneros contribuem para a desconstrução da tradição literária
em que se inscrevem as escritoras, abrindo espaço para que nela ganhem lugar tra-
dições de outra ordem. Através da citação da recepção e do consumo dos produtos
massivos por várias espécies de mulheres, a mulher desenhada por essas narradoras
deixa de ser uma entidade essencial. Tampouco se confunde sua descrição com
outro essencialismo: o da classe social.
Meu longo tempo de pesquisa dedicado ao uso do melodrama por homens
escritores do Caribe me autoriza a ressaltar a diferença presente na escritura das
mulheres em relação ao texto narrativo masculino (Santos). A maneira de narrar é
a distinção mais evidente. Os homens tendem a tratar as histórias melodramáticas
extraídas do contexto popular como manifestação pública. É o caso, por exemplo,
do “mito público” do cantor de boleros e guarachas Daniel Santos, no romance
La importancia de lamarse Daniel Santos (1988), de Luis Rafael Sánchez, ou da
cantora Rachel em La canção de Rachel (1996), de Miguel Barnet. As mulheres, por
outro lado, se dedicam a fazer pastiches do enredo dos melodramas, revelando nos
epílogos de suas narrativas segredos guardados nas alcovas, repetindo não só a
“escuridão” do privado em oposição à transparência do público (ARENDT, 1958, p.
73-78), mas também a interferência do público no privado (SPIVAK, 1987, p. 103).
Na solução das narrativas escritas por mulheres, quase sempre as famílias estão
amputadas pelo exílio, sendo compostas, em sua maior parte, de mães e filhas. São
raros, inclusive, os irmãos do sexo masculino. A ausência da figura emblemática
do pai, entendida por alguns críticos como uma característica geracional, ou como
“metáfora de la condição insular” (ARAÚJO, 2002, 213), adquire, nas produções
narrativas que utilizam o melodrama, novos significados. Incluir nelas o melodrama
popular significou colocar em discussão o drama do reconhecimento: do filho pelo
pai, das minorias pela nação (MARTÍN BARBERO, 1987, p. 244-245). Reduzir os
conflitos melodramáticos, através da paródia, às fórmulas da telenovela, como mães
solteiras e filiações duvidosas, ou à separação dos amantes pelo exílio, entre outros
temas, constrói, ainda, a alegoria de dramas que afligem uma nação submergida
num Estado pós-revolucionário e também submetido à lógica pós-colonial.

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