Estado Novo, realismo e autoritarismo político

AutorLuciano Aronne de Abreu
CargoDoutor em História Latino-Americana pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Páginas49-66
Dossiê
Estado Novo, realismo
e autoritarismo político
Luciano Aronne de Abreu*
1. Introdução
O
golpe de 10 de novembro de 1937 significou a implantação, no
Brasil, de um projeto político autoritário que, desde a década
anterior, era defendido por uma elite intelectual conservadora, em
nome de um suposto realismo político nacional. Entre esses intelec-
tuais, era lugar-comum a idéia de que, ao contrário da tradicional
elite pensante do país, que teria seus olhos voltados para o exterior,
deveríamos conhecer nossa própria sociedade, seus usos e costumes
e, então, propor e executar as mudanças necessárias à nossa ordem
política e social (BRESCIANI, 2005, p. 152). Além disso, eles também
partilhavam a percepção de que tinham uma missão política a cum-
prir, apagando, assim, as fronteiras entre o homem de letras e o de
ação (PECAULT, 1990, p. 21-24). A esse respeito, deve-se observar
a coincidência de suas idéias com as de uma importante fração das
elites políticas e militares, que, em nome da ordem e da unidade na-
cional, também defendia a implantação de um regime autoritário no
país. Pode-se dizer, então, que, ao longo do Estado Novo, as mútuas
interferências entre os campos político e intelectual constituíram-se
em um importante fator de legitimação do regime, como o estudo
do caso do Rio Grande do Sul propõe-se a demonstrar.
* Luciano Aronne de Abreu é Doutor em História Latino-Americana pela Universida-
de do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Professor do Departamento de História
e do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Endereço eletrônico: luciano.abreu@pucrs.br.
50 p. 49 – 66
Nº 12 – abril de 2008
2. Estado autoritário: projeto intelectual e prática política
Segundo Oliveira Vianna1, intelectual precursor e depois
colaborador do Estado Novo, nenhuma de nossas constituições
vingou porque não foram assentadas “sobre bases argamassadas
com argila da nossa realidade viva, da nossa realidade social, da
nossa realidade nacional”, mas baseadas em modelos ingleses,
franceses ou americanos (VIANNA, 1939, cap. XIV). Na opinião
de Vianna, ao contrário dos espíritos pragmáticos, para quem a
organização política e constitucional de um povo é um problema
essencialmente prático, o chamado idealismo utópico2 seria a
marca registrada de nossos legisladores, desde a Independência
até a República. Ao invés desse utopismo, seria desejável que
praticássemos no Brasil o chamado idealismo orgânico, que nas-
ce da própria evolução orgânica da sociedade, como uma visão
antecipada da evolução futura (idem, p. 11).
Quando, por exemplo, ocorreu a queda da Monarquia, se-
gundo Vianna, embora os republicanos desejassem vagamente a
República, não tinham um plano definido de organização política
e administrativa do país. Daí se infere que a Constituição de 1891
foi uma obra de improviso, inspirada no modelo americano e em
desacordo com a realidade nacional. Irônico, Vianna afirma que
os republicanos “podiam ter-nos dado um belo edifício, sólido
e perfeito, construído com a mais pura alvenaria nacional – e
deram-nos um formidável barracão federativo, feito de improviso
e a martelo, com sarrafos de filosofia positiva e vigamentos de
1 Intelectual conservador e discípulo de Alberto Torres, entre outras importantes
obras Oliveira Vianna foi autor de Populações meridionais do Brasil (1952 [1920]),
em que analisa, à luz de nosso passado colonial, as origens de nossos proble-
mas contemporâneos e aponta a inadequação de nossas leis e instituições à
nossa própria realidade. Essa obra serviu de referência para toda uma geração
de intelectuais brasileiros, entre eles Francisco Campos, considerado um dos
principais intelectuais do Estado Novo. Durante esse regime, Oliveira Vianna
exerceu o cargo de Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho.
2 Idealismo utópico seria, para Oliveira Vianna, todo e qualquer sistema doutri-
nário ou conjunto de aspirações políticas em desacordo com as condições reais
e orgânicas da sociedade que pretende reger e dirigir. Já o idealismo orgânico,
ao contrário, nasce da própria evolução orgânica da sociedade, como uma visão
antecipada de uma evolução futura (cf. VIANNA, 1939).

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