Nuno Júdice: A arte poética com melancolia

AutorIda Maria Santos Ferreira Alves
Páginas131-139
NUNO JÚDICE: ARTE POÉTICA COM MELANCOLIA
Ida Ferreira Alves
“Quem canta”, perguntaram as sibilas, “quem canta
com voz divina / entre ruínas?”
Nuno Júdice, A Noção do Poema
Nuno Júdice é uma das mais representativas vozes no panorama poético de
Portugal a partir da década de setenta, com uma escrita que tensiona os limites
(limites?) entre modernismo e pós-modernismo, configurando o que poderíamos
nomear de uma poética da melancolia. O tom dessa poesia é freqüentemente pessimista;
no entanto, essa afirmação deve ser relativizada porque, de fato, não é seu tom único, e
sim expressão variável de diferentes sujeitos poéticos que vão aparecendo na cena do
poema, representando um “drama em gente” a falar da condição humana no mundo
contemporâneo, em meio a ruínas, fragmentos e vestígios da memória. Escrita
perpassada de ironia, criticamente relendo a tradição poética ocidental, muitas vezes
enfrenta a melancolia com um breve sorriso de quem sabe que o canto se faz de ficções
e que é, apesar de sua desilusão, uma janela aberta, mirando o horizonte para além das
ruínas deste mundo.
Sua poética e também sua produção crítica sobre poesia (especialmente O
Processo Poético (1992) e Máscaras do Poema (1998)) nos fazem refletir sob as
condições atuais de produção do discurso da poesia e sua vontade de permanecer como
forma de resistência à massificação existencial dominante em nossa contemporaneidade.
É fato que, neste final de século, acompanhamos, entre surpreendidos e
assustados, as transformações que a política mundial — definida por uma minoria
economicamente poderosa — vem provocando em todo o mundo. Tais transformações
incidem diretamente sobre as culturas nacionais e sobre as formas de recepção,
compreensão e debate dos temas que circunscrevem a existência cotidiana. A discussão,
desde meados da década de setenta, sobre a pós-modernidade é, nessa direção, o
questionamento sobre essa contemporaneidade globalizada, sem utopias, num mal-estar
existencial que advém da contraposição entre desejos diversos e a impossibilidade de
realizá-los tanto no nível coletivo (nas áreas político-econômica e sociocultural) quanto
no nível pessoal (em relação às experiências diversas do sujeito).
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