Oficina. Processo administrativo e judicial

AutorMaria Leonor Leite Vieira
Páginas121-140

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PROFA. MARIA LEONOR LEITE VIEIRA - Honrada eu me sinto de ter aqui, à Mesa, nosso Prof. Eduardo Bottallo, que tem participado ativamente de todas as discussões e elaboração do Congresso, e todos os outros componentes: Paulo Conrado, Juiz Federal; à minha direita a Profa. Carla Gonçalves, Advogada, atuante em processo judicial e processo administrativo e que tem sempre escrito sobre a matéria, trazido boas luzes para as nossas discussões; o Prof. Dr. Renato Becho, também Juiz Federal, assim como o Prof. Dr. Paulo Conrado. E aqui, nesta Mesa científica - não é, Professora? -, a gente tem a liberdade para dizer isso: são dois Juízes Federais que nos animam a continuar as discussões perante o Poder Judiciário, porque de vez em quando, Dr. Renato, a gente fica desesperada! Nós - advogados - ficamos pensando em como levar as propostas, como levar as discussões; mas, sabendo que os Srs. estão, lá, cientes e conscientes do seu papel de Juízes, sentimo-nos mais à vontade para fazer isso. O Dr. Walter Carlos Cardoso Henrique, também Professor na PUC e Advogado atuante em São Paulo, no contencioso administrativo, já foi Juiz do TIT; a Dra. Sandra Denardi, também Advogada atuante, Professora na PUC.

Peço, desde logo, dispensa para falar sobre o currículo de cada qual: todos que compõem a Mesa são bastante conhecidos, eu vou apenas nomeá-los, e passaremos às discussões de algumas propostas que já chegaram à Mesa e outras que serão discutidas no decorrer desta tarde.

Todos aqui, então, estamos reunidos para discutir, junto com os Srs., algumas questões que constantemente nos são trazidas à mente. A primeira questão apresentada pelo público, que eu já vou passar diretamente para o Dr. Eduardo Bottallo, é um assunto que a todo Congresso desperta nossa atenção: é possível, Dr. Eduardo, discutir questões constitucionais no âmbito do processo administrativo?

PROF. EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO - Para mim, não há nenhuma base constitucional para impedir que questões constitucionais sejam examinadas no processo administrativo tributário. Muito pelo contrário, se nós examinarmos nossa Constituição, vamos encontrar sólidos fundamentos para que prevaleça o entendimento exatamente contrário a essa proibição, especialmente o art. 5º, que, no seu inciso LV, dos direitos e

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garantias individuais, praticamente colocou no mesmo patamar o processo administrativo e o processo judicial, com as mesmas garantias e a mesma abrangência. Aqueles que, diferentemente do meu ponto de vista, sustentam a impossibilidade de essas questões serem examinadas no âmbito do processo administrativo sempre procuram fundamentar seu ponto de vista em questões de ordem formal, como, por exemplo, a impossibilidade de haver o reconhecimento da ampla defesa para o Estado nos casos em que ele seja vencido nessa disputa constitucional no âmbito administrativo - e, consequentemente, estar sendo limitada ao Poder Público a garantia do devido processo legal. Eu, embora respeite essas opiniões, que são esposadas por pessoas sérias, pessoas de reconhecida competência no campo tributário, nesse ponto sou quase que participante de um argumento evidente. Eu creio que, tratando-se de questões constitucionais, somente existe uma fonte que legitimaria sua exclusão do processo tributário, e essa fonte seria a própria Constituição. Somente no caso de a Constituição conter dispositivo que expressamente proibisse essa alternativa é que essa alternativa não poderia prevalecer em nosso sistema. Porque, tratando-se de questões constitucionais e de prevalência da Constituição no mundo jurídico brasileiro, a mim me parece que, em um Estado de Direito, como é aquele que nós pretendemos viver, somente a Constituição poderia abrir uma exceção nesse particular.

E, para terminar o meu ponto de vista - que eu sei, volto a dizer, que é polêmico, sei que existem autores que não se prendem ao mesmo ponto de vista -, eu diria que a cada um de nós vale a pena pensar neste tema e fazer com que, aqueles que se convençam da importância da discussão do processo no âmbito administrativo, também façam valer esse ponto de vista nas suas atividades profissionais, mesmo quando isso não é acolhido eventualmente por um tribunal administrativo. Eu acredito que a reiteração dessa discussão é a melhor maneira de fazer com que essa ideia prevaleça, se não já, pelo menos em um futuro previsível.

E, para terminar, quero dizer que o TIT/ SP, em uma postura absolutamente pioneira tratando-se de tribunais administrativos, reconheceu a si próprio essa possibilidade. Lamentavelmente, esse grande passo na direção de uma maior amplitude na busca de uma sociedade justa foi posteriormente revertido pelo próprio Tribunal, para nossa profunda tristeza.

PROFA. MARIA LEONOR LEITE VIEIRA - Se alguém quiser fazer um comentário, por favor, sinta-se à vontade. Dr. Walter, que já fez o pedido, o Sr. tem a palavra.

PROF. WALTER CARLOS CARDOSO HENRIQUE - Prof. Bottallo, primeiro eu vou cumprimentá-lo, porque há décadas o Sr. sustenta esse entendimento tão correto, tão perfeito, com forte infiuência política. Se eu quisesse colocar na Constituição uma regra dizendo que a Constituição não poderia ser utilizada na defesa de processos administrativos essa regra seria, evidentemente, inconstitucional, porque estaria tirando a força de toda a Constituição. Seria algo sem nenhum sentido. Então, eu não consigo imaginar um raciocínio, uma retórica, que rebata isso. Apenas o excesso das Administrações em fazer valer atos muitas vezes inconstitucionais, ilegais, ilegítimos, apegando-se ao conceito equivocado de tripartição de Poderes, e não de funções, é que pode justificar essa alegação.

PROFA. CARLA DE LOURDES GONÇALVES - Só agregando ao que o Prof. Bottallo e o Prof. Walter disseram, a própria Lei do Processo Administrativo Federal, a Lei 9.784, no seu art. 2º, repisa que o processo administrativo deve ser informado pelos princípios da legalidade e do duplo grau de jurisdição. Seria, realmente, absurdo não permitir - mas é o que acontece hoje em dia, estando positivado tanto no Regimento

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Interno do CARF quanto no do TIT e do Conselho Municipal aqui de São Paulo, que é ainda mais restrito - a análise de constitucionalidade. E eu também já me deparei com decisões que, inclusive, asseveraram que a legalidade não poderia ser analisada, como disse a Profa. Maria Leonor. Então, realmente, eu compartilho desse entendimento, que há muito eu defendo, e continuo achando um absurdo, a despeito da ampla vedação que existe hoje em dia.

JUIZ FEDERAL RENATO LOPES BECHO - Num segundo apenas, Prof. Bottallo, estou revendo a minha posição. Eu já publiquei, em um sentido contrário, eu diria, quando eu era mais positivista do que hoje. Hoje, depois de alguns estudos, eu me considero um pós-positivista, e, como pós-positivista, eu consigo ir além dos pressupostos que eu tinha no passado. E, agora, eu estou em condições de repensar este assunto. Obrigado!

PROFA. MARIA LEONOR LEITE VIEIRA - Dr. Renato, há algum tempo, lendo um artigo que o Sr. escreveu, publicado na Revista Dialética, sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos, algumas dúvidas ali me assolaram, mas à época eu não revi mais a matéria, não pensei, não discuti. Mas vou aproveitar este momento, pois tudo deve ser dividido, tudo deve ser discutido: As questões tributárias, o Sr. acha que estão sujeitas à Corte Interamericana de Direitos Humanos? Quero dizer, se questões tributárias levadas ao Poder Judiciário forem absolutamente contrárias às decisões, ou a decisão for absolutamente contrária ao pensamento aceito e corrido na doutrina, pode ser apresentado recurso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos?

JUIZ FEDERAL RENATO LOPES BECHO - Parte da resposta é fácil. Podem. Essa é a parte fácil, porque esse artigo foi produzido depois até de um encontro em que eu estava, a convite do Prof. Bottallo, no Recife ou em algum lugar ali, no Nordeste, e no jantar eu fiquei na mesma mesa que o Min. Rezek. E o Min. Rezek - eu vou "contar o santo", mas eu não vou contar em detalhe o "milagre", porque eu posso errar no "milagre" - falou o seguinte: que um precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos tinha sido a questão da tributação pela contribuição previdenciária de aposentados. Ou seja, ele me falou que, pela primeira vez, uma questão tributária brasileira teria sido levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos em San José da Costa Rica, por conta do pacto respectivo. E o Prof. Rezek até me que ele teria conversado com o advogado, e falou o seguinte: "Puxa, mas você tinha que ter levado era a questão do precatório". Porque, segundo ele, Francisco Rezek, o precatório é um sistema de pagamentos único no mundo. Ele só existe no Brasil. Ou seja: o direito do Estado de não cumprir uma decisão judicial transitada em julgado ou cumprir parceladamente, ad infinitum, só existe no Brasil. E ele sustentava - ele, Rezek - que isso feria direitos humanos.

Agora, vejam bem, Colegas, não coloquem o que eu acabei de dizer entre aspas. Tem anos este Congresso. Eu fui atrás da ideia, e não do precedente. Expressamente, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que é o Pacto de San José da Costa Rica, acolhe as relações tributárias. Então, ela diz alguma coisa do tipo - se eu tivesse o artigo, aqui, eu poderia até dizer expressamente, mas, como a Profa. Maria Leonor falou, saiu publicado na Revista Dialética : o contribuinte é considerado pessoa, ou seja, ele está abrangido nos seus direitos inalienáveis como pessoa humana, e as questões tributárias podem ser levadas ao Tribunal Internacional. E há pelo menos um ponto em que o legislador constituinte derivado positivou uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que é o hoje princípio da duração razoável do processo.

Se os colegas Congressistas forem verificar o porquê de - salvo engano - a Emen-

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da 45 ter colocado o princípio da duração razoável do processo, a...

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