Ónus de alegar versus ónus de concentração: variações no direito processual português

AutorMaria José Capelo
CargoProfessora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas5-22
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
çã
o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
CAPELO, Maria José. ÓNUS DE ALEGAR VERSUS ÓNUS DE CONCENTRAÇÃO: V ARIAÇÕES NO DIREITO
PROCESSUAL PORTUGUÊS. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Re cife - ISSN: 2448-2307, Edição Comemorativa
dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 5-22. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/252566>
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ÓNUS DE ALEGAR VERSUS ÓNUS DE CONCENTRAÇÃO:
VARIAÇÕES NO DIREITO PROCESSUAL PORTUGUÊS
BURDEN TO PLEAD VERSUS BURDEN TO CONCENTRATE:
VARIATIONS IN PORTUGUESE PROCEDURAL LAW
Maria José Capelo
1
RESUMO
O presente estudo debruça-se sobre o ónus de alegação, problematizando tanto o
âmbito objetivo consoante a categoria do sujeito a quem é imputado (autor, réu ou executado)
como as consequências da preclusão emergente da decisão transitada em julgado. Quanto ao
autor, verificou-se que o entendimento dominante propugna pela liberdade de conformar o
objeto da causa. Já, na perspetiva do réu, assinalou-se o ónus de concentração de toda a
defesa na contestação, rejeitando-se, porém, a admissibilidade de um ónus de reconvir. Nos
embargos de executado, à luz do atual direito português, questionou-se a razoabilidade da
opção por um ónus de concentração de todos os meios atinentes à existência, exigibilidade e
validade da obrigação sob pena de preclusão.
Palavras-chave: Ónus de alegação; Procedimento declarativo; Embargos de executado;
Preclusão caso julgado.
ABSTRACT
Addressing the burden to plead, this study discusses both its full scope according to
the type of person being charged (whether a plaintiff, a defendant or an enforcible debtor),
and the consequences of the collateral estoppel arising from a final court decision. Regarding
the plaintiff, it has been found that mainstream doctrine makes the case for a free
determination of the object of the dispute. Concerning the defendant’s standpoint, the burden
to concentrate the whole defense in the statement of defense is highlighted, whereas the
burden to counterclaim is rejected altogether. As for the judgment debtor's stay of execution,
the A. wonders whether the burden to concentrate the whole defense pertaining to the
existence, enforceability and validity of the obligation under the penalty of collateral
estoppel, is a reasonable option in the framework of contemporary Portuguese law.
Keywords: Keywords: Burden to plead; Declaratory proceedings; Debtor’s defense
judgment debtor's stay of execution; Collateral estoppel. Res judicata.
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de um processo eficiente, célere e pacificador de todos os contornos de
uma relação jurídica controvertida condiciona a configuração dos ónus das partes
2
e interfere
1
Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
2
Cf., sobre conceito de ónus processual relacionando-o com o principio da autorresponsabilidade,
sem deixar de evidenciar a sua “coloração publicística” (coloritura pubblicistica, por garantir a
eficiência e a duração razoável do processo, CARRATTA, Antonio. II fondamento del principio
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
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o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
CAPELO, Maria José. ÓNUS DE ALEGAR VERSUS ÓNUS DE CONCENTRAÇÃO: V ARIAÇÕES NO DIREITO
PROCESSUAL PORTUGUÊS. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Re cife - ISSN: 2448-2307, Edição Comemorativa
dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 5-22. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/252566>
6
com as fronteiras do objeto sobre o qual se forma o caso julgado.
No que diz respeito ao ónus de alegação, a sua inobservância provoca tanto uma
preclusão “interna” (dentro do processo) como externa, no sentido de se projetar noutros
processos futuros sob a capa da autoridade de caso julgado.
Na ordem jurídica portuguesa, sem o suporte do artigo 508.º do CPCbr (Código de
Processo Civil do Brasil de 2015)
3
, o efeito preclusivo é “incorporado” na exceção de caso
julgado
4
.
Assim explica Miguel Teixeira de Sousa a “transmutação” da preclusão em exceção
de caso julgado:
“(…) primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente;
depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se
inadmissível a prática do acto num outro processo”, pelo que (…) depois de haver no
processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per
se, passando a actuar através da excepção de caso julgado”
5
.
Também perspetivando a eficácia preclusiva como uma “consequência” do caso
julgado, SERGIO MENCHIN I sustenta, de forma categórica, que o caso julgado impede a
reapreciação de questões já submetidas à análise do primeiro juiz, mas também a invocação
de questões que não foram feitas valer anteriormente, as quais, enquanto compreendidas no
âmbito do objecto do procedimento anterior, podiam aí ter sido apreciadas
6
.
Tais questões constituirão a “res iudicanda” e sobre todas elas formar-se-á caso
julgado, instituto processual através do qual se previnem decisões contraditórias ou repetidas
sobre a relação jurídica litigiosa
7
.
Uma vez que o caso julgado se “serve” da figura da preclusão
8
para estabilizar o
di preclusione nel processo civile, Il principio di preclusione nel processo penale. Torino: G.
Giappichelli Editora, 2012, sobretudo p. 15-20. Vide, expondo, numa perspetiva histórica, a
definição dos contornos dos conceitos de ónus e de deveres processuais e a sua assimilação pelo
direito brasileiro, AZEVEDO, Gustavo. Ônus e deveres processuais. Revista Acadêmica da
Faculdade de Direito do Recife, v. 92, n. 2, p. 232-250, dez. 2020.
3
ANTONIO DO PASSO CABRAL encara a estabilidade do artigo 508.º como uma “eficácia preclusiva”
autónoma e independente da figura do caso julgado, embora complementar (cf., do Autor, Coisa
julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições
processuais estáveis. 3. ed. Editora JusPODIVM, 2018, sobretudo p. 326-329).
4
Cf., na doutrina clássica, REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado. Coimbra
Editora, 1984. p. 174-175. v. 5.; ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Noções Elementares de
Processo Civil. Coimbra Editora, 1979. p. 324.
5
Cf. Preclusão e Caso Julgado, in
academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclusão_e_caso_julgad_02.2016, p.
22. Acesso em: setembro de 2021.
6
Cf. MENCHINI, Sergio. Il giudicato civile. 2. ed. Torino: Utet, 2002. p. 53. O ilustre processualista
italiano CHIOVENDA (Cf. Cosa giudicata e preclusione, Rivista Italiana per le Scienze
Giuridiche, n. 11, p. 3, 1933,) sintetiza a relação entre o caso julgado e a preclusão com a seguinte
formulação: “o caso julgado é um bem da vida reconhecido ou negado do juiz; a preclusão de
questões é o expediente do qual o direito se serve para garantir ao vencedor o gozo do resultado
do processo (…)”.
7
ANTONIO DO PASSO CABRAL refere que o objetivo da eficácia preclusiva “é evitar a fraude de
reprodução de demandas já debatidas anteriormente, com pequenas diferenças de conteúdo nas
alegações” (cf. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e
transição de posições processuais estáveis, cit., p. 117).
8
Esta preclusão atua independentemente da boa fé do sujeito onerado, por isso se afirma na doutrina
alemã que estamos perante uma “preclusão objetiva” (cf. GOTTWALD, In: Münchener
Kommentar zur Zivilprozessordnung mit Gerichtsverfassungsgesetz und Nebengesetzen
[RAUSCHER, Thomas et al. (org.)], 6. Ed., Verlag C.H. Beck, 2020, § 322, anotação 143)

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