A organização e a representação do conhecimento no tempo

AutorErcilia Severina Mendonça
Páginas278-294

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Introdução

A organização* do conhecimento configura-se no mundo contemporâneo como multidisciplinar, se pensar que todos os processos do conhecimento passam por todas as ciências e culturas. O tempo é fator importante nesse processo, pois, tanto na Antigüidade, com as categorias e denominações terminológicas de Aristóteles, quanto na modernidade, com a pluralidade interdisciplinar, o conhecimento traz questões que estão presentes no cotidiano e necessitam de métodos de organização para se adequarem ao desenvolvimento do conhecimento racional.

Nos últimos cinqüenta anos houve uma série de transformações, em que as antigas teorias sofreram revisões, análises e reformulações, e as novas teorias procuram se estabelecer buscando fundamentação e legitimação. A representação do conhecimento implícita nesse processo de transformação expressa a preocupação do homem na busca pela verdade.

Partindo desse princípio, este artigo propõe-se a explanar sobre as questões da organização e representação do conhecimento, desde a Antiguidade até os dias atuais. A intensão, ao examinar o estatuto temporal do conhecimento, é lançar idéias para novas descobertas, uma vez que o significado das transformações consiste na renovação dos instrumentos (KUHN,1995). Na primeira parte, apresentam-se de forma geral as bases da organização do conhecimento e a teoria de Aristóteles; na segunda, colocam-se as novas teorias e suas representações na organização do conhecimento; na terceira, destacam-se as características de surgimento da ciência da informação e sua relação com outros campos e disciplinas; na quarta parte, investiga-se o porquê de a ciência da informação; e por fim coloca-se o pressuposto do surgimento de uma ciência que poderá ser gestora de todo o conhecimento.

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As atividades científicas e técnicas são o manancial dos conhecimentos científicos e técnicos, que se transformam em informações científicas e técnicas. Segundo Le Coadic (1996, p.27),

[...] sem informação, a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem informação, a pesquisa seria inútil e não existiria o conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo se circula livremente.

O contexto dessa citação remete ao Egito e ao Ocidente Antigo, onde germinaram a organização e a representação do conhecimento, por meio da diversidade de origem dos bibliotecários que unificaram a cultura helenística.

Alexandria era a capital cultural, a metrópole moderna antes da era cristã, onde havia multidão ativa, comércio e negócios. A explosão do conhecimento que ocorre hoje é semelhante à que se deu em Alexandria. Esse fato disseminou o idioma grego nas artes, na literatura, na ciência e na política, promoveu o desenvolvimento de caracteres cursivos para facilitar a escrita (de lá vêm os sistemas de taquigrafia) e fomentou a produção de peles (de carneiro e bezerro) para servir como material de escrita. A indústria informacional existente em Alexandria, capital intelectual e erudita, fez surgir críticos e comentaristas literários, que fizeram do ato de escrever uma profissão, iniciando os processos de colecionar, conservar, editar e expor idéias do passado. Compilou-se bastante, selecionandose textos, fazendo-se listas de quase tudo, inclusive biografias, como também se produziram muitos resumos, que substituíam as obras originais (DURANT, 1966). Essas mudanças tiveram caráter de revolução, porque fizeram surgir novos conhecimentos e informações, suscitando novas ciências e teorias, pois o fluxo de conhecimento é constante e renovador. O poder da informação existente em Alexandria era exercido pelo resgate dos originais, em que o dono do documento recebia indenização compensatória em dinheiro e cópia do documento.

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A duplicação e a organização dos documentos eram examinadas por sábios, que os separavam por grupos. A Ilíada e a Odisséia de Homero, como se conhecem hoje e que falam de uma época remota, chegaram até esta era pela atividade técnica de organização e representação do conhecimento de três bibliotecários, Aristófanes de Bizâncio, Zenodóto de Éfeso e Aristarco de Samotrácia, que fizeram, junto com eruditos, a revisão textual dessas obras (DURANT, 1966).

Deve-se a Aristóteles, o filósofo, e a Calímaco, o classificador, todo o processo de organização e representação do conhecimento. Pela observação metódica e disciplinada da natureza a seu redor, Aristóteles legou as categorias existentes na atualidade, as quais servem de base para novos conhecimentos. Pai do método científico e primeiro a organizar pesquisas científicas cooperativas, Aristóteles, junto com seus discípulos, reuniu dados sobre fauna, flora e antecipou as teorias biológicas do século XIX (DURANT, 1966).

Sua dedicação e paciência nas experiências científicas definiram os termos que hoje coordenam o conhecimento. Aristóteles, além de precursor da reunião do conhecimento disperso e da terminologia conceitual, pode também ser considerado o iniciador da interdisciplinaridade, pelas definições específicas que procurava atingir em seus estudos, numa busca incansável pelo conceito, reunindo e coordenando conhecimento em todas as áreas. As dez categorias 2 do conhecimento classificadas por Aristóteles representam hoje os aspectos básicos sob os quais qualquer assunto pode ser considerado.

Essas categorias são utilizadas na classificação e representação do pensamento humano, ou seja, os pensamentos tornaram-se ponto de partida para as representações.

A representação do conhecimento hoje

Aristóteles, em seu tempo, gerava conhecimento pela necessidade de saber. Sua ciência era especulativa e experimental, produzindo conhecimento para satisfazer seu espírito curioso, que procurava apurar os processos e as técnicas de raciocínio. O conhecimento produzido por Aristóteles era registrado e não disseminado, suas atividadesPage 281eram exercidas na natureza e tinham o universo como um grande texto a ser decifrado. Aristóteles exerceu plenamente essa atividade observadora, contempladora e exploradora do quadro que se lhe apresentou.

Mesmo diante desse quadro empírico de fenômenos naturais, a filosofia clássica forneceu grande parte da agenda intelectual do campo contemporâneo, como a percepção de mundo, a classificação de objetos e a avaliação da racionalidade ou irracionalidade humana (GARDNER, 1996).

A partir do século XIX, foram lançadas disciplinas que passaram a se preocupar com o pensamento e o comportamento humano. O foco do conhecimento passou a ser o indivíduo e a sociedade, tanto que, como observa Gardner (1996, p.401), “as limitações específicas de cada ciência social tiveram de ser reconhecidas”. Agora, não se observa uma linha de pensamento, mas múltiplas linhas sob a base do conhecimento adquirido e acumulado ao longo do tempo.

Por necessidade de classificação, o conhecimento dividiu-se em duas partes, ocorrendo transformações profundas entre a chamada cultura humanista, em que o conhecimento era organizado racionalmente, e a cultura mosaico 3 , esta representante do mundo contemporâneo, que carece de certezas acerca da organização do conhecimento moderno pela ausência de referenciais estáveis. Nesse contexto, a prática de nomear, definir, categorizar, classificar e representar tem sido discutida em todos os níveis.

Essa multiplicidade disciplinar e a representação com as novas tecnologias exigem conhecimento de vários profissionais para resolução dessas questões. Com base nisso, citam-se aqui alguns postulados (no sentido de se proceder a um raciocínio) de teóricos de áreas ou campos que hoje são considerados importantes para a questão da representação do conhecimento, tais como a interdisciplinaridade, as tecnologias, as ciências sociais e humanas, a ciência cognitiva e a ciência da informação.

Para Lyotard (1998, p.71-94), a interdisciplinaridade é fator integrante desta...

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