Palavras e Imagens: comparações entre textos, legendas e fotografias na obra Naven de Gregory Bateson

AutorMarialba Rita Maretti
CargoGraduada e Licenciada em Ciências Sociais, especialista em Artes Visuais pela Unicamp e mestre em Multimeios/Antropologia Visual pela mesma universidade, mestrado realizado com auxilio fapesp.
Páginas22-53

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Gregory Bateson1

Marialba Rita Maretti2

Obra licenciada com uma Licença Creative Commons - AtribuiçãoUso Não ComercialNão a obras derivadas 3.0 Unported

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O objetivo desse artigo é trazer a luz questionamentos que se referem a relação, muitas vezes problemática, entre imagens e palavras. De ordens semânticas diferentes, mas também muitas vezes complementares, as relações existentes entre narrativas textuais e narrativas imagéticas nem sempre ganham a atenção que merecem nos estudos da área de Antropologia Visual.

Sendo assim, resolvemos partir da obra Naven de Gregory Bateson. A obra -recentemente traduzida para o português - trata do estudo de uma cerimônia homônima ao título praticada pelos Iatmul, tribo da Nova Guiné, em meados dos anos 1930, destinada a congratular o filho de uma irmã por um feito considerado adulto. Em Naven, após trezentas páginas com uma analise tripla do ritual (etológica, sociológica e estrutural), Bateson apresenta 28 pranchas fotográficas totalizando 49 fotografias, as quais são constantemente referenciadas durante o relato etnográfico.

A fim de perseguimos a montagem fotográfica que Bateson utiliza em Naven realizamos três experimentos: 1) a primeira experiência é buscar comparar as relações entre fotografia e texto utilizadas por Bateson em Naven e em Balinese Character. Contudo, se levarmos em consideração que a grande empreitada (no que se refere ao uso da fotografia enquanto recurso metodológico) ainda estaria por vir com a publicação de Balinese Character: a photographic analisys anos mais tarde, poderemos compreender como Bateson concebeu a relação entre imagem e texto no início de sua trajetória como antropólogo. Nesse sentido, pretendemos evidenciar como as prerrogativas existentes em Naven encontram eco na confecção de Balinese Character; 2) a segunda experimentação referese a montagem que Bateson utiliza no “caderno de fotos” de Naven. Buscaremos por meio de um conjunto de seis pranchas fotográficas, 22, 23, 24, 25, 26 e 27, compreender como o autor buscou realizar uma segunda narrativa de ordem visual na obra.

Por último, 3) o terceiro ensaio busca exemplificar a circularidade presente no livro Naven, para tanto, buscamos encontrar ligações entre duas pranchas fotográficas que não se referenciam em suas legendas, a saber, a primeira e a última fotografias.

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Para iniciar o primeiro experimento, relembramos que, após a pesquisa realizada junto aos Iatmul, Bateson casase com Margaret Mead em Singapura, a caminho de seu próximo trabalho de campo, que irá ser feito pelo casal: uma proposta multidisciplinar financiada pelo Comitê para Estudos da Demência Precoce (esquizofrenia), em Bali.

Bateson e Mead haviam recém terminado suas monografias, ela sobre os Arapesh – Sexo e temperamento em três sociedades primitivas (Arapesh, Mundugomor e Tchambuli) fora publicado em 1935 – e ele sobre os Iatmul. O problema em comum (na pesquisa que ambos realizaram com os balineses) girava em torno das emoções e das maneiras através dos quais, geração após geração, eram expressas e transmitidas, o que imprimia à formação de indivíduos adultos um padrão culturalmente dominante calcado em certo tipo de temperamento. Mead e Bateson esperavam, pois, encontrar em Bali um tipo de temperamento e de estilo cultural que contrastasse esquematicamente com aqueles encontrados entre os Tchambuli, Arapesh, Mundugomor e Iatmul da Nova Guiné. (MENDONÇA, 2005, p. 43).

O resultado deste trabalho, com duração de dois anos em campo, foi o livro Balinese Character: a photographic analysis. O objetivo central desse livro é indicado por Mendonça (2005) ser um teste da utilidade da fotografia como ferramenta etnológica. Assim, o trabalho de campo se desenrolou com Bateson clicando incessantemente enquanto Mead realizava anotações textuais, a fim de descrever o contexto de cada tomada. Ao final, foram cerca de 25000 fotografias3,

para a publicação foram selecionadas 759, dispostas em cem pranchas fotografias agrupadas por temas4. Tais pranchas são compostas de uma dupla página, que aberta nos fornece, de um lado, um conjunto de fotografias e, de outro, comentários descritivos e analíticos sobre estas fotos. Como explicado por Mendonça:

Cada prancha (com fotografias numeradas dispostas numa página) é acompanhada, paralelamente (página ao lado), de um comentário geral sobre a temática tratada (determinado aspecto cultural presente na

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formação do caráter balinês) e de comentários específicos sobre a situação das fotografias apresentadas (descrição rápida da cena e de seu significado no contexto em que foi inserida; nomes dos que aparecem, idade das crianças, local, data e posição específica dentro do arquivo). Assim, além dos detalhes contextuais e das legendas básicas que acompanham as imagens, o comentário geral introdutório acrescenta um nível de aproximação a mais na consideração das fotografias. (MENDONÇA, 2005,

Mendonça (2005, p. 85), indica que tanto a escrita quanto a fotografia constituíam para o casal duas técnicas comunicacionais, “dois métodos parciais de descrição do ethos” balinês. Assim, tanto a escrita quanto a visualidade foram utilizados em conjunto de forma a enriquecer a descrição e a análise. O autor ainda salienta que “a forma de apresentação das imagens surge como um modo peculiar de refletir sobre as relações internas entre diferentes contextos em uma mesma sociedade”. (MENDONÇA, 2005, p. 90), já que a obra apresenta além de fotografias, gravuras e desenhos balineses que visualizados em conjunto, produzem novos sentidos e explicações do ethos desta sociedade.

A fim de demonstrar mais claramente como se dá o dialogo entre texto e imagem na obra Balinese Character, iremos na página seguinte reproduzir uma prancha fotográfica desta obra5.

Balinese Character foi considerado, por Collier (1973) como o ponto inicial de uma nova disciplina, denominada Antropologia visual. Com a publicação desta obra: “Gregory Bateson e Margaret Mead fizeram a primeira e exaustiva pesquisa, nunca superada até o presente, de uma outra cultura, cujos resultados foram publicadas no Balinese Character” (Collier, 1973, p. 08).Na mesma trilha de Collier, Samain (2004) considera Balinese Character como sendo

um livro que evocaria, pela primeira vez na história da Antropologia visual, numa constante interação entre registros verbais e registros visuais (concebidos como verdadeiras fontes de pesquisa e não apenas como meras e possíveis ilustrações), os modelos e os processos de socialização por meio dos quais uma criança nascida em Bali incorpora a cultura de seu povo e se torna um autêntico balinês. (SAMAIN, 2004, p. 53).

Corroborando com a visão de Collier e Samain, Ricci (2006) apresenta o livro de Bateson e Mead, e ressalta o fato de que pela a primeira vez a “fotografia e

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cinema são usadas como documentos primários da pesquisa sobre campo e não somente como mero suporte da observação e conseqüentemente com função ilustrativa da escrita6” (RICCI, 2006, p. 22).

O pesquisador Sébastien Darbon (2005), cujo posicionamento é de levantar limitações quanto ao uso de imagens em pesquisas, aponta para a maestria metodológica de Margaret Mead e Gregory Bateson em Balinese Character, a qual

além da maneira – seguramente exemplar – com que a imagem era concebida como instrumento de realçar uma dimensão metodológica. Essas fotografias vêm sistematicamente acompanhadas de dois tipos de comentários: uma contextualização e um início de interpretação de um lado, uma descrição sistemática do que se vê na foto de outro lado. Em suma, uma espécie de redundância. Em outras palavras, Bateson considera que, de um simples ponto de vista descritivo, a fotografia não basta. (DARBON, 2005, p. 103).

Um posicionamento contrario a estes, a respeito da conjunção entre escrita e imagem na obra do casal, foi feito por Freire (2006), que apontou as fotografias em Balinese Character como não passando de meras ilustrações. O autor defende que esta etnografia poderia ter sido construída sem a presença das imagens, o que não declinaria em nada seu conteúdo.

menos do que uma descrição com fotografias, tratase, nessa obra, de uma descrição de fotografias. Ora, mas a descrição, em linguagem escrita, de um determinado tema a partir de fotografias, não pode ser comparada a uma descrição desse mesmo tema a partir da observação do mundo real, tampouco à descrição de fotografias que acompanham o texto e estão, conseqüentemente, à disposição do leitor, como é o caso de Balinese Character. Isso significa dizer – e os autores o dizem – que Balinese Character é o resultado da combinação de fotografias, das legendas que as acompanham e da introdução escrita por Margaret Mead. Não obstante, o que nos parece importante ressaltar aqui, num primeiro momento, é o caráter redundante das legendas em relação às imagens. O que nos leva a, em termos provocativos, lançar a hipótese de que, mesmo sem as fotografias, Balinese Character seria uma etnografia dos vários aspectos do comportamento balinês estudados pelos dois autores. Tal como foi finalmente publicado, Balinese Character seria uma etnografia desse comportamento ilustrada com 759 fotografias. (FREIRE, 2006, p. 64-65).

Contudo, o norte de nosso primeiro experimento é seguir a pista indicada por Ricci (2006), o qual afirma que o uso da fotografia em Naven já parece representar a orientação de diálogo entre imagem e escrita que reaparecerá, posteriormente, em Balinese Character.

Neste volume [Naven] o uso da fotografia parece já prefigurar a orientação

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dialógica entre imagens e escrita o qual é implantado em Balinese Character. A utilização somente da palavra escrita é evidentemente um forte limite para Bateson em Naven (…) O que o obriga a tomar conta das duas perspectivas antagônicas: o empirismo da escola inglesa dentro da qual se formou e a tensão epistemológica e reflexiva que caracterizou toda sua obra. A confirmação disso é o uso das fotografias...

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