Parte em sentido material e parte em sentido processual

AutorAcelino Rodrigues Carvalho
Ocupação do AutorAdvogado, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional
Páginas108-115

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De acordo com Chiovenda,18 a correta determinação do conceito de parte não encerra importância apenas de ordem teórica, sendo antes necessária à solução de graves problemas de natureza prática. São diversos os questionamentos levantados pelo autor, cabendo, aqui, destacar a afirmação segundo a qual saber se uma pessoa é parte ou terceiro numa lide é importante para a identificação das ações e, por conseguinte, para a verificação sobre a existência ou não de coisa julgada material ou de litispendência.

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A colocação do problema nesses termos gera perplexidade, uma vez que o autor, assim como fazem tantos outros, atribui ao vocábulo parte um conceito meramente processual, conforme mencionado acima, entendendo, inclusive, ser possível a dissociação, em determinadas hipóteses, entre aquele que figura na relação jurídica processual e o titular da relação jurídica de direito material litigiosa, o que permite a seguinte indagação: se a configuração da coisa julgada e da litispendência se dá pela reprodução de ações idênticas e as ações são idênticas quando têm as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir (CPC, art. 301, § 1º e3º) e, ainda, se a causa de pedir é elemento de conteúdo substancial, como também é o pedido, não gera incompatibilidade com o elemento parte, que é de natureza eminentemente processual?

A resposta somente pode ser em sentido afirmativo. Caso contrário, não teria propósito o instituto da substituição processual, do qual se tratará adiante. No entanto, o problema não tem chamado a atenção da doutrina, em virtude de serem tidas como excepcionais as hipóteses em que não ocorre uma coincidência subjetiva entre as partes no processo e o titular da relação material litigiosa, o que se constitui em algo paradoxal no sistema.

Na verdade, ao se optar por um conceito de parte de conteúdo estritamente processual, resolvem-se alguns problemas como, por exemplo, o da existência de processo, ainda que ausente alguma das condições da ação, que também são verificadas com base em elementos do direito material, como se verá adiante, deixando-se, porém, outros sem solução, como é o caso da coisa julgada e da litispendência, que não se verificariam quando a parte no processo não coincidisse com o sujeito da relação de direito material, possibilitando, assim, o ajuizamento de uma nova ação, pois, nessa hipótese, pelo menos na aparência, não ocorreria a tríplice identidade característica da ação, uma vez que as partes não seriam idênticas.

Consoante escólio de José Roberto dos Santos Bedaque,19 os "elementos da ação consistem em dados da relação jurídica material

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utilizados pelo processo para individuar a ação proposta". Também segundo ele, é importante a correta compreensão desses elementos, pois, a partir deles, resolvem-se diversos problemas de natureza processual, como a conexão, a litispendência e a coisa julgada: "identifica-se e individualiza-se uma ação com dados da relação substancial. E é em função dessa individualização e desses dados que serão concebidos outros fenômenos tipicamente processuais, como a conexão, a litispendência e a coisa julgada". Isso, no seu entendimento, evidencia a íntima relação existente entre processo e direito, ou seja, entre o instrumento e seu objeto.

Contudo, se assim ocorre com relação à causa de pedir e ao pe-dido, o mesmo não se pode dizer no tocante às partes, porquanto, como predito, seu conceito é formulado com base somente no direito processual, dispensando-se qualquer influência do direito material, o que, ao nosso sentir, é perfeitamente plausível, porém insuficiente para resolver questões de ordem técnicas como as já anunciadas. A solução do problema, em nosso entendimento, consiste exatamente na afirmação de um conceito de parte em sentido estritamente processual e outro conceito de parte em sentido material, inclusive para permitir a melhor aproximação entre direito e processo, como propõe o referido autor.

Quem primeiro tentou estabelecer uma distinção entre parte material e parte formal foi Adolf Wach.20 Para o mencionado doutrinador alemão, parte em sentido material seria o sujeito ativo ou passivo da relação de direito material e parte em sentido processual ou formal seria a pluralidade ou universalidade de pessoas sem...

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