A Participação Judicial Semidireta na Defesa do Meio Ambiente

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas260-370
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SEÇÃO I. O PODER DE AGIR EM JUÍZO DOS ENTES
INTERMEDIÁRIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL
1. A legitimidade ativa de entes intermediários nas ações coletivas
ambientais
A participação judicial semidireta na defesa do meio ambiente, como já
mencionado727, tem lugar com a atribuição do poder de agir em juízo aos deno-
minados entes intermediários. A legitimidade ativa, aqui, é conferida aos grupos e
instituições sociais secundários que atuam como intermediários entre os indi-
duos titulares do direito ao meio ambiente e os representantes eleitos pelo povo.
Importante recordar, no ponto, que, em conformidade com o direito bra-
sileiro, a concepção de entes intermediários é bastante ampla, na medida em que
abrange não apenas entidades e organismos não estatais (as denominadas “for-
mações sociais”) como também órgãos e instituições estatais independentes cuja
nalidade institucional seja a defesa de direitos e interesses de toda a coletivida-
de.728 Bem por isso, no sistema pátrio, entre os entes intermediários a quem se pode
conceder legitimação para agir em defesa do meio ambiente estão, além das orga-
nizações não governamentais ambientalistas e dos sindicatos e órgãos de classe, a
Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e a Defensoria Pública.729
Sem sombra de dúvida, a participação judicial semidireta na preserva-
ção da qualidade ambiental é a modalidade de participação pelo processo civil
que, no presente, desperta maior interesse. Isto se dá, por um lado, em função
da multiplicação de instâncias representativas no Estado Democrático-Parti-
727. Ver, neste Título II, o Capítulo 1, item n. 2, supra.
728. Ver Primeira Parte, Título III, Capítulo 1, item n. 3.1, supra.
729. Não são considerados, no ponto, os partidos políticos, em razão de constituírem instituições da de-
mocracia meramente representativa e, assim, associados à participação indireta na defesa do meio
ambiente (cf. Primeira Parte, Título III, Capítulo 1, item n. 3.1, supra).
CAPÍTULO 3
A PARTICIPAÇÃO JUDICIAL SEMIDIRETA
NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE
A Participação Judicial na Defesa do Meio Ambiente
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cipativo, não limitadas à representação político-eleitoral730, e, por outro lado,
em virtude das restrições e, notadamente, das diculdades práticas enfrentadas
pela participação judicial direta, capazes de tornar esta última menos atraente e,
por via de consequência, menos efetiva.731 Daí por que a participação judicial se-
midireta tem adquirido crescente prestígio732, a ponto de poder ser considerada
730. Ver Primeira Parte, Título II, Capítulo 1, item n. 3, supra.
731. Ver Primeira Parte, Título II, Capítulo 1, item n. 3, supra.
732. Trata-se de tendência generalizada nos países que, como o Brasil, adotam o sistema de civil law, confor-
me apontam Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, nos relatórios apresentados sobre a legitimação
para agir nas ações coletivas, no XIII Congresso Mundial de Direito Processual, realizado no ano de
2007, em Salvador-BA (cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os
processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado, cit., p. 237,
250, 301 e 302). De uma maneira geral, pode-se dizer que nos países sul-americanos a orientação que
predomina, no tema, é a atribuição de legitimação para agir às associações civis e a instituições e orga-
nismos públicos independentes (Ministério Público, Defensor do Povo). Já nos países europeus, tem-se
preferido reservar a participação judicial semidireta às associações civis e entes privados sem ns lucrati-
vos. Exemplos expressivos de países que consagraram a legitimação concorrente entre organizações não
governamentais sem ns lucrativos e o Ministério Público são o Uruguai (art. 42 do Código Geral de
Processo uruguaio – cf. CAMPOS, Santiago Pereira. Relatório Nacional. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law:
uma análise de direito comparado, cit., p. 81), o Peru (art. 82 do Código Processual Civil peruano – cf.
QUIROGA LEÓN, Aníbal. Relatório Nacional. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;
MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito
comparado, cit., p. 105-109), o Paraguai (no tocante, em especial, à tutela do patrimônio cultural – cf.
PEDRO, Rodolfo Eduardo. Relatório Nacional. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;
MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito
comparado, cit., p. 201-202) e a Bélgica (arts. 1º e 2º da Lei de 12.01.1993, relativa ao direito de ação em
matéria de meio ambiente – cf. MARCHANDISE, Maxime. Le dommage collectif et l’intérêt à agir. In:
VINEY, Geneviève; DUBUISSON, Bernard (Coord.). Les responsabilités environnementales dans l’espace
européen: point du vue franco-belge. Bruxelles: Schulthess-Bruylant; Paris: LGDJ, 2006. p. 281). Optaram,
diversamente, pela legitimação concorrente entre associações civis e o Defensor do Povo, a Argentina
(art. 30 da Lei Geral do Ambiente – Lei n. 25.675/2002 – cf. MORELLO, Augusto M.; CAFFERATTA,
Néstor A. Processos colectivos en la Ley General del Ambiente 25675, cit., p. 2; BIBILONI, Héctor Jorge.
El proceso ambiental: objeto, competência, legitimación, prueba, recursos, cit., p. 173-176); a Colômbia
(art. 12, nºs 2 e 4, da Lei n. 472/1998, que disciplina a ação popular colombiana tendente à defesa, entre
outros bens, do meio ambiente – cf. MAURINO, Gustavo; NINO, Ezequiel; SIGAL, Martín. Las accio-
nes colectivas: análisis conceptual, constitucional, procesal, jurisprudencial y comparado, cit., p. 25) e a
Venezuela (art. 81 da Constituição venezuelana; art. 102 da Lei Orgânica do Ordenamento Urbanístico
– cf. SARMIENTO SOSA, Carlos J. Relatório Nacional. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise
de direito comparado, cit., p. 112-114). E, nalmente, concentraram a participação judicial semidireta
nas associações civis ambientalistas sem ns lucrativos, a França (arts. L. 141-1 e L. 142-1 do Código de
Meio Ambiente), a Itália (arts. 13 e 18, n. 5, da Lei n. 349/1986 que dispõe, entre outros assuntos, sobre a
ação tendente à reparação do dano ambiental – cf. CARRATTA, Antonio. Proli processuali della tutela
degli interessi collettivi e diusi, cit., p. 116 e ss.; DI COLA, Livia. La tutela dell’ambiente, cit., p. 287 e ss.;
BONATO, Giovanni. La tutela dell’ambiente secondo la L. n. 349 de 1986, con le sucessive modicazioni
del D. Legs. 267 del 2000, cit., p. 330 e ss.) e Portugal (art. 52, n. 3, da Constituição portuguesa e art. 2º, n.
1, da Lei n. 83/1995, relativa à ação popular para a proteção, entre outros bens, do meio ambiente, e art.
26-A do Código de Processo Civil português a respeito das ações para tutela de interesses difusos em
geral – cf. SOUZA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional do consumo e do ambiente em Portugal,
cit., p. 397; DIAS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo. Tutela ambiental e contencioso administrativo: da
legitimidade processual e das suas conseqüências, cit., p. 235 e ss.; GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação
popular portuguesa: uma análise comparativa, cit., p. 51-53), muito embora, neste último país, a Lei n.
83/1995 também preveja a intervenção do Ministério Público no processo da ação popular como scal
da lei, inclusive para substituir o autor popular em caso de desistência da ação, bem como de transação
ou comportamentos lesivos por parte deste em relação aos interesses em causa (art. 16, n. 3).
Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente
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não só uma forma consistente de expressão na órbita jurisdicional da vontade
popular e dos anseios do corpo social, ao lado da participação judicial de entes
estatais vinculados à representação política clássica (eleitoral)733, como, ainda,
um autêntico equivalente funcional à participação judicial direta.734
De acordo com o que se passa habitualmente em tema de tutela juris-
dicional dos direitos difusos, os entes intermediários, ao agirem em juízo em
nome próprio na proteção do meio ambiente, atuam, invariavelmente, em de-
fesa de um direito de todos os indivíduos da sociedade. Disso decorre, vale
anotar uma vez mais, a especicidade do regime da legitimatio ad causam na
matéria, em que o ordinário, o comum, é a atuação dos sujeitos legitimados em
nome próprio na defesa de direitos de todos os membros da coletividade.
A diferença na hipótese ora estudada está em que, ao contrário dos in-
divíduos legitimados para as ações coletivas ambientais, que agem acima de
tudo por direito próprio, os entes intermediários titulares do poder de agir em
juízo atuam, primordialmente, na condição de porta-vozes e representantes
dos membros da sociedade, a quem se atribui, em caráter indivisível, o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Tal distinção justica-se na matéria, pois, como referido, a participação
semidireta dos entes intermediários é expressão derivada do poder, depen-
dente, portanto, de sua instituição na sociedade pela vontade dos indivíduos
e cidadãos, aos quais o poder, diversamente, pertence em caráter originário. E
é dessa peculiaridade da participação popular semidireta que resulta a relação
de representação entre os entes intermediários e os membros da coletividade ti-
tular do direito ao meio ambiente. Os organismos e instituições sociais secun-
dários, ao atuarem em nome próprio na defesa da qualidade ambiental, agem,
na realidade, mediante consentimento dos indivíduos integrantes do corpo
social, titulares do direito ao meio ambiente, assumindo com isso, inclusive na
esfera jurisdicional, a condição de representantes destes últimos e do interesse
geral da sociedade na preservação da qualidade ambiental.735
733. Pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), autarquias e
entidades paraestatais (sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações públicas).
734. Ver Primeira Parte, Título II, Capítulo 1, item n. 3, supra.
735. Não se nega que os entes intermediários legitimados para as ações coletivas ambientais atuam, igual-
mente, na defesa de um interesse institucional próprio, que justica sua existência (cf. GRINOVER,
Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada, cit., p. 77; SALO-
MÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros Ed., 2007. p. 61-81,
especialmente p. 76; RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, signica-
dos e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 498). Contudo, o que predomina, na espécie, é
a relação de representação entre eles e os titulares do direito ao meio ambiente e do meio ambiente
como bem de uso comum do povo.

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