A Participação Pública Ambiental Sob o Enfoque da Ação

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas204-222
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1. Considerações iniciais
O sistema de direito processual, de acordo com Cintra, Grinover e Dina-
marco, pode ser analisado sob diversos enfoques, com base em seus institutos
fundamentais. Um dos enfoques é o do Estado, prestador do serviço jurisdicio-
nal, o que leva ao estudo da jurisdição. Outro é o da pessoa que pede esse ser viço
estatal, circunstância que conduz ao estudo da ação.592 E outro, ainda, é o do
método de trabalho referente ao exercício da jurisdição e dos poderes inerentes
à ação, mais diretamente relacionado ao processo. Neste Título pretende-se exa-
minar o fenômeno da participação mediante o processo civil na defesa do meio
ambiente sob o prisma da ação, ou seja, pela ótica dos sujeitos intitulados à parti-
cipação pública ambiental que invocam a atividade jurisdicional para tal m.
Devido à inércia da jurisdição, esta, de regra, somente pode ser ativada
pela provocação do titular de uma determinada pretensão, a m de que a fun-
ção jurisdicional atue diante de um caso concreto.593 A ativação da jurisdição,
como sabido, faz-se pela via da ação, tradicionalmente entendida como o direi-
to ao exercício da atividade jurisdicional ou o poder de exigir esse exercício.594
Garantida constitucionalmente595 e disciplinada pela legislação processual in-
fraconstitucional, a ação expressa, assim, o poder de iniciativa processual, com
vista à provocação do exercício da jurisdição.596
592. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2005. p. 257.
593. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo, cit., p. 257.
594. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo, cit, p. 257.
595. Art. 5º, XXXV, da CF.
596. Sobre a ação como poder de iniciativa processual, ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições
de direito processual civil, cit., v. 2, p. 294-295. Na realidade, segundo o autor, a ação é mais do que
isso, representando não apenas o poder de iniciativa como também o poder de participação pro-
CAPÍTULO 1
A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
AMBIENTAL SOB O ENFOQUE DA AÇÃO
A Participação Judicial na Defesa do Meio Ambiente
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Para o tema de interesse deste trabalho, tem relevância o poder de inicia-
tiva processual popular, atribuído a indivíduos, grupos, entidades, instituições e
órgãos representativos, para fazer atuar a jurisdição em prol da defesa do meio
ambiente. Esse poder ou direito se exerce por intermédio das denominadas de-
mandas coletivas, as quais concretizam a provocação dos órgãos jurisdicionais
para a tutela dos direitos difusos, entre os quais se inclui, como tantas vezes
mencionado, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
As ações coletivas, segundo se tem entendido, explicitam a disciplina
da ação, constitucionalmente garantida, relativamente à proteção de direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, com a atribuição do poder de
invocar a tutela jurisdicional correspondente a determinados sujeitos, ex-
pressamente autorizados pela lei e/ou pela Constituição.597 Cuida-se, portan-
to, de um especial regramento da ação civil598, a m de propiciar aos indiví-
duos, entes, instituições e organismos públicos e privados o poder de promo-
ver o exercício da jurisdição para a tutela de direitos de titularidade coletiva
(direitos difusos e coletivos) ou para a tutela coletiva de direitos individuais
(direitos individuais homogêneos).599
cessual (Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 292-296).
597. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1998. p. 104-105. Não existe, em
doutrina, consenso quanto ao conceito de ação coletiva. Para Aluisio Gonçalves de Castro Mendes,
ação coletiva pode ser denida como “o direito apto a ser legítima e autonomamente exercido por
pessoas naturais, jurídicas ou formais, conforme previsão legal, de modo extraordinário, a m de
exigir a prestação jurisdicional, com o objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos
os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos (Ações coletivas no direito
comparado e nacional, cit., p. 26). Já Antonio Gidi entende que ação coletiva é “a ação proposta
por um legitimado autônomo (legitimidade), em defesa de um direito coletivamente considerado
(objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma comunidade ou coletividade
(coisa julgada)” (Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., p. 16; El concepto de acción
colectiva. In: ______; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coord.) La tutela de los derechos difusos,
colectivos e individuales homogêneos: hacia um código modelo para iberoamérica. 2. ed. México:
Porrúa; Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, 2004. p. 15). E Gregório Assagra de Almeida a
conceitua como “o instrumento processual colocado à disposição de determinados entes públicos ou sociais,
arrolados na Constituição ou na legislação infraconstitucional – na forma mais restrita, o cidadão -, para a
defesa via jurisdicional dos direitos coletivos em sentido amplo” (Direito processual coletivo brasileiro: um
novo ramo do direito processual, cit., p. 541). Por m, há que ser mencionada, ainda, a doutrina de Márcio
Flávio Mafra Leal, o qual divide o conceito de ação coletiva em dois, dada a distinção por ele feita entre
duas ações que levam o mesmo rótulo: uma, a ação para defesa de direitos individuais, sob tratamento
processual coletivo, considerada como “uma ação de representação, em juízo, por uma ou mais pessoas
(físicas ou jurídicas) de direitos individuais, cujos titulares não guram na relação processual, direitos
estes que processualmente são tratados de maneira uniforme, como se fossem direitos de uma classe, em
virtude da extensão da coisa julgada, que atinge todos seus integrantes”; outra, a ação coletiva para defesa
de direitos difusos, tida como “o direito de uma comunidade, considerada como uma unidade sem per-
sonalidade jurídica, representada processualmente por um terceiro em virtude de lei ou por autorização
judicial” (Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 43-44).
598. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional, cit., p. 105.
599. As expressões “tutela de direitos coletivos” e “tutela coletiva de direitos individuais” são, como se
pode perceber, extraídas da doutrina de Teori Albino Zavascki (cf. Processo coletivo: tutela de direi-
tos coletivos e tutela coletiva de direitos, cit., p. 38-41).

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