Piritiba - Vara cível

Data de publicação25 Abril 2022
Número da edição3082
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE PIRITIBA
INTIMAÇÃO

0000055-68.2016.8.05.0197 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Piritiba
Autor: Sulina Ferreira Dos Santos
Advogado: Olaf Marcilio Miranda Nunes (OAB:BA25886)
Reu: Banco Bonsucesso S.a
Advogado: Fábio Gil Moreira Santiago (OAB:BA15664)
Advogado: Alessandro Da Silva Silva (OAB:PE28490)
Advogado: Suellen Poncell Do Nascimento Duarte (OAB:PE28490)
Reu: Banco Bonsucesso S.a

Intimação:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DE PIRITIBA

Fórum de Piritiba – Rua Régis Pacheco, s/n, Piritiba/BA

CEP 44.830-000 – Tel:(74)3628-2213/2220

PROCESSO N. 0000055-68.2016.8.05.0197

PARTE AUTORA: SULINA FERREIRA DOS SANTOS

PARTE RÉ:

JUIZADOS – IDOSO - NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO

SENTENÇA

Vistos e etc.

Relatório dispensado na forma do art. 38 da Lei n. 9.099/95.

Trata-se de ação submetida aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC), na qual pretende a parte pleiteante que seja: (a) declarada a inexistência/nulidade do contrato de mútuo impugnado; (b) determinada a restituição em dobro das prestações descontadas em seu benefício; e (c) fixada indenização por danos morais.

DAS QUESTÕES PRELIMINARES

Da retificação do polo passivo - autorizo a retificação do polo passivo, fazendo constar Banco Bradesco Financiamento S.A - CNPJ 07.207.996/0001-50.

Da litigância de má-fé - afasto a preliminar, uma vez que esta deve ser provada de forma irrefutável, o que não ocorreu nos autos.

DO MÉRITO

Inicialmente, consigno que as questões controvertidas nos autos demandam a apreciação dos seguintes pontos: (a) validade do contrato celebrado entre as partes (b) ocorrência de danos materiais a serem ressarcidos mediante a repetição do indébito em dobro; (c) configuração de danos morais a serem indenizados; (d) direito da parte ré ao abatimento dos valores efetivamente percebidos pela parte autora em razão do contrato objeto de invalidação, em caso de procedência do pedido.

Os beneficiários da Previdência Social constituem público alvo preferencial dos mutantes, em razão da possibilidade de consignação do pagamento das prestações e do quase inexistente risco de inadimplemento contratual. A aparente suavidade das parcelas que serão descontadas é praticamente irresistível, principalmente quando se considera que os empréstimos costumam ser contraídos para a quitação de dívidas ou concretização de pequenos sonhos.

Todavia, a situação assume contornos preocupantes quando se percebe que, ao menos no interior da Bahia, a esmagadora maioria dos mutuários são aposentados e pensionistas analfabetos e já idosos. Tratam-se de beneficiários de amparo social ou aposentadoria por idade rural, com compreensão restrita sobre as implicações financeiras da avença e que percebem valores limitados ao salário mínimo, pessoas que terminam, apenas tardiamente, se dando conta de que a pretensa suavidade das prestações provoca impacto contundente em seus orçamentos.

Não se desconhece que os analfabetos possuem capacidade civil plena para a prática de atos negociais, até mesmo porque conclusão diversa poderia ser interpretada como vilipêndio a sua dignidade. Entretanto, é de clareza solar que a sua condição demanda maiores cautelas quando da celebração de negócios jurídicos, sobretudo quando escritos, onerosos e protagonizados por indivíduos idosos.

A cautela a ser adotada salta aos olhos quando se tem em mente o conceito de hipervulnerabilidade. Explico.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) foi concebido com arrimo no conceito de vulnerabilidade do consumidor, é dizer, no reconhecimento da sua situação de desvantagem em relação ao fornecedor e consequente necessidade de proteção especial no mercado de consumo.

Partindo da ideia de que todo e qualquer consumidor é presumidamente vulnerável, é fácil compreender que a condição de idoso analfabeto qualifica a já reconhecida desvantagem do consumidor ordinário, perfazendo um acréscimo de fragilidade, de maneira que passa a se configurar uma hipervulnerabilidade, que impõe uma proteção ainda mais rígida das relações consumeristas protagonizadas pelos detentores das aludidas condições.

Vale destacar que o art. 39 do CDC reconhece expressamente a hipervulnerabilidade nos termos aqui enunciados ao instituir como prática abusiva que o fornecedor se prevaleça da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impor-lhe produtos ou serviços. Destaco:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

Contextualizada a situação e expostos os baldrames axiológicos que nortearão a resolução da controvérsia, passo a analisar a proteção contratual prevista no CDC, destacando a inafastável necessidade de prestação de informação clara e efetiva sobre os termos da avença:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[…]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

[…]

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

Ressalte-se que os contratos de concessão de crédito receberam tratamento individualizado do legislador que, vislumbrando as implicações danosas da sua inconsequente contratação e no intuito de reforçar a necessidade de precaução na sua celebração, dedicou todo o art. 52 do CDC para esmiuçar o que se deve entender por conhecimento mínimo em tais avenças:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III - acréscimos legalmente previstos;

IV - número e periodicidade das prestações;

V - soma total a pagar, com e sem financiamento.

[…]

Pois bem.

Da análise dos autos, verifica-se a ocorrência da contratação de empréstimo por pessoa idosa e analfabeta mediante a consignação em pagamento das prestações em seu benefício previdenciário.

De fato, a carteira de identidade colacionada aos autos não está assinada, constando a observação de que se trata de pessoa “não alfabetizada(ID 6137447, página 26).

Constato, ainda, que a parte ré apresentou cópia do contrato, no qual se vislumbra a mera aposição de impressão digital, não tendo sido comprovado que a avença foi firmada por instrumento público ou mesmo demonstrado que esta foi celebrada por intermédio de procurador constituído por instrumento público e ao qual tenham sido outorgados poderes para tal fim.

É sabido que a condição de acentuada vulnerabilidade da parte não retira de idosos e analfabetos a sua capacidade civil, uma vez que estes podem valida e plenamente celebrar negócios jurídicos. Contudo a demandada, apesar de ter colacionado o cópia do contrato, não apresentou instrumento público por meio do qual a avença tenha sido firmada ou mesmo demonstrou que esta foi celebrada por intermédio de procurador constituído por instrumento público e ao qual tenham sido outorgados poderes para tal fim.

De qualquer maneira, não é necessário fazer muito esforço para concluir que a mera apresentação do instrumento de contrato de adesão é insuficiente para, sobretudo no caso de analfabetos idosos, fazer prova da prestação efetiva da informação sobre a obrigação constituída e, portanto, da vontade consciente de contratar.

A incapacidade de ler impede que o contraente que pretende fazer um empréstimo se certifique, por exemplo, que está assinando apenas um contrato, quais as implicações financeiras do atraso no pagamento das prestações, em qual conta será efetuado o depósito ou quantas parcelas deverão ser pagas ao todo. Não raros são os casos que chegam ao conhecimento da Justiça nos quais, em meio a toda a papelada, são inseridas renovações e outras avenças com as quais o mutuário não anuiu, tudo no intuito de alimentar a sanha de bater metas dos prepostos ou a má-fé de terceiros que se beneficiam com os valores efetivamente disponibilizados.

Consoante dito no início desta fundamentação, as pessoas idosas e analfabetas são consideradas hipervulneráveis, de maneira que necessitam de um reforço protetivo quando comparadas ao consumidor padrão. No caso específico do contrato de mútuo, cuja nulidade ora se pretende, tal reforço se perfaz na exigência de celebração da avença por intermédio de instrumento público.

Com efeito, trata-se de formalidade decorrente da sistemática...

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