Pluralismo jurídico como alternativa epistemológica para a cultura de direitos humanos desde o contexto latino-americano

AutorAndré Luiz Pereira Spinieli
CargoAdvogado. Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor voluntário (estágio-docência) de Regime Internacional de Direitos Humanos no Curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor de Noções de Administração Pública, Filosofia e ...
Páginas653-671
PLURALISMO JURÍDICO COMO ALTERNATIVA EPISTEMOLÓGICA PARA A CULTURA DE
DIREITOS HUMANOS DESDE O CONTEXTO LATINO-AMERICANO
André Luiz Pereira Spinieli1
Resumo
O debate sobre o pluralismo jurídico no contexto político e social l atino-americano não é recente, de modo que suas
percepções foram renovadas a partir do movimento neoconstitucionalista operado no continente, responsável por
desencadear alternativas epistêmicas para se pensar a efetividade dos direitos humanos e dos direitos de cidadania, tudo a
partir da lógica de emancipação social e descolonialidade, como possibilidade de rompimento com o constitucionalismo
tradicional, de cunho conservador, hegemônico e colonialista. Em termos gerais, como uma das respostas à concepção
juspositivista, o pluralismo jurídico surge como modelo de pensamento para a práxis dos direitos humanos, em face de uma
sociedade na qual impera a lógica das exclusões concretas em contrariedade às inclusões abstratas. Dessa forma,
tomando por base a abordagem bibliográfica, este trabalho propõe oferecer reflexões a respeito do atual estado da cultura
de direitos humanos instalada na América Latina, com enfoque nas contribuições epistemológicas advindas da teoria crítica
dos direitos humanos e do pluralismo jurídico wolkmeriano.
Palavras-chave: Pluralismo jurídico. Direitos humanos. Cultura constit ucional. América Latina. Teoria crítica dos direitos
humanos.
LEGAL PLURALISM AS AN EPISTEMOLOGICAL ALTERNATIVE FOR THE CULTURE OF HUMAN RIGHTS SINCE THE
LATIN AMERICAN CONTEXT
Abstract
The debate on legal pluralism in the Latin American political and social context is not recent, so that their perceptions were
renewed from the neo-constitutionalist movement operated on the continent, responsible for triggering epistemic alternatives
to think about the effectiveness of human rights and human rights of citizenship, all based on the logic of social emancipation
and decoloniality, as a possibility of breaking with traditional constitutionalism, of a conservative, hegemonic and colonialist
nature. In general terms, as one of the answers to the juspositivist conception, legal pluralism emerges as a model of thought
for the practice of human rights, in the face of a society in which the logic of concrete exclusions prevails in opposition to
abstract inclusions. Thus, based on the bibliographic approach, this work proposes to offer reflections on the current state of
human rights culture in Latin America, focusing on the epistemological contributions arising from the critical theory of human
rights and legal Wolkmer’s pluralism.
Keywords: Legal Pluralism. Human rights. Constitutional culture. Latin America. Critical theory of human rights.
Artigo recebido em: 20/01/2020 Aprovado em: 25/10/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2p653-671.
1 Advogado. Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP)..
Professor voluntário (estágio-docência) de Regime Internacional de Direitos Humanos no Curso de graduação em Relações
Internacionais da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor de Noções de Administração Pública, Filosofia e
Sociologia para carreiras policiais (PMESP e Barro Branco) na Escola Instinto Lógico (IL). E-mail: spinieliandre@gmail.com
André Luiz Pereira Spinieli
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1 INTRODUÇÃO
A historiografia latino-americana nos permite verificar, de antemão, que a cultura de
direitos humanos no continente, à imagem e semelhança de outros elementos, como a própria
sistemática social e institucional, tem como origem um construto realizado a partir das visões de mundo
dos colonizadores. De forma geral, os atores e as instituições do direito neste continente estão
vinculados ao positivismo jurídico herdado dos metropolitanos, que utilizaram a estrutura normativista,
estatista, formalista e pós-violatória como instrumento apto à expansão do capitalismo europeu sobre
as terras do novo continente.
A ampliação e o enraizamento dos elementos do positivismo jurídico no c ontexto social
latino-americano, teoria na qual a lex sobrepõe o jus, fundamentaram as práticas coloniais de
enfraquecimento da população a partir do rompimento com uma cultura própria nascente e em
consequente crescimento, impondo-se uma associação da cultura geral e jurídica dos povos nativos
aos cânones europeus. Portanto, impôs-se um modelo pré-constituído não apenas de direito, mas
também de sociedade, em que a repressão cultural transformou a realidade latino-americana em
verdadeiras subculturas camponesas analfabetas, desprovidas de autonomia e padrões específicos de
expressão jurídica (QUIJANO, 1992).
A construção de uma cultura jurídica latino-americana essencialmente formalista, de
caráter ahistórico, racionalista, positivista e legalista, tem para si a preocupação com as formas e
formalidades do direito, mas não com sua realidade prática ou incidência na dinâmica social. A visão
positivista que tomou por séculos as sociedades emergentes da América Latina, principalmente até a
entrada em vigor das teorias críticas da segunda metade do último século, encontra-se encarcerada em
um cativeiro, pelo qual o conhecimento e a cultura de direitos humanos são reduzidos a quatro
paradigmas: dois de cunho científico, um político e outro filosófico.
Sob a égide do citado legalismo pós-violatório cujas ideias foram fixadas fora de lugar,
ao ponto de não incorporar os direitos humanos das minorias e grupos vulneráveis latino-americanos
nos sistemas jurídicos, por influência do liberalismo econômico e do idealismo jurídico , o
neoconstitucionalismo do século XX, tipicamente construído a partir das bases filosóficas da libertação
de Ignacio Ellacuría e Enrique Dussel, por exemplo, surge como premissa para se pensar a
emancipação social e jurídica dos povos frente ao positivismo. A propósito, esse novo
constitucionalismo é preenchido a partir da enorme preocupação com as políticas públicas e a
realização dos direitos humanos, em especial os sociais, dos povos latino-americanos, cujas melhores
expressões são os documentos constitucionais equatoriano e boliviano, com a noção do bem viver1.

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