A pluriatividade como fator de desenvolvimento do espaço rural do Médio Vale do Itajaí

AutorSérgio Roberto Maestrelli
CargoEngenheiro Agrônomo, mestre em Agroecossistemas pelo PPGAGR/CCA/UFSC
Páginas184-201

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1. A descrição do cenário
1.1. Introdução

A pluriatividade* no meio rural é um tema, cuja abordagem vem despertando cada vez mais o interesse do mundo acadêmico, devido principalmente a sua velocidade de propagação a partir dos anos 80, em determinadas regiões rurais do país onde a diferença entre o rural o urbano, se torna cada vez menos perceptível.

As áreas rurais estão cada vez mais associadas ao desenvolvimento de atividades de natureza não agrícola. Face às mudanças que se vislumbram, a população rural é compelida a empregar diversas estratégias de sobrevivência, entre elas a de realizar novas tarefas produtivas.

O meio rural, sob o ponto de vista econômico, não pode ser mais identificado apenas como áreas específicas de produção agrícola. Sob o ponto de vista social, a organização do trabalho se parece cada vez mais com o da cidade, e sob o ponto de vista espacial, está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano.

As funções tradicionais da agricultura brasileira, como abastecimento de produtos a baixo custo, geração de divisas para o país, servir de mercado para a indústria emergente, liberar mão-de-obra para os demais setores da economia, financiar o desenvolvimento nacional, gerar energia, cedeu parte deste espaço para o estabelecimento de novas funções que passaram a significar fonte de emprego, de renda e de ocupação para as pessoas residentes no meio rural.

São as atividades como: eco-turismo, turismo rural, preservação ambiental, reflorestamento, hipismo, indústria artesanal de alimentos, atuação de profissionais liberais, restaurantes típicos, artesanato, pesquepagues, pousadas, sítios, chácaras de finais de semana, residências, produção de flores e plantas ornamentais, hotéis fazendas, pequenos empreendimentos industriais e comerciais, spas e recantos.

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O mundo rural rapidamente se transforma num território de atividades econômicas diversificadas, agregando agricultura, indústria, comércio, além de um aumento sensível na área de prestação de serviços. Determinadas áreas rurais como por exemplo, o Médio Vale do Itajaí, está cada vez mais associado a atividades de natureza não agrícola.

Graziano da Silva (1996), afirma que, “já não se pode falar em meio rural , identificando-o exclusivamente com agricultura”.

Tal afirmação se torna mais evidente em regiões com predominância da agricultura familiar, onde a pluriatividade passou a ser uma meta a ser alcançada, como fator preponderante na elevação da renda rural. O agricultor de tempo parcial, anteriormente visto como um homem rural com “um pé na estrada rumo à cidade”, é um conceito que precisa ser revisto. Este processo não representa uma descaracterização da agricultura familiar e sim fortalecimento pois confere a este modelo econômico, uma maior estabilidade e melhoria nas condições de vida. A pluriatividade poderá permitir inclusive, uma redistribuição populacional nos territórios, cuja tendência atual converge para uma concentração nos médios e grandes centros.

A incapacidade da agricultura familiar em remunerar de modo satisfatório a mão-de-obra e consequentemente as necessidades, aspirações e anseios da família rural é que têm levado à diversificação das fontes de rendimento ou seja, a busca por atividades não agrícolas. No período colonizatório do Vale do Itajaí, como pode ser observado detalhadamente neste artigo, a busca por atividades não agrícolas por parte dos agricultores familiares constitui fator preponderante no contexto-sócio-econômico de suas propriedades , e se verificou em parte também devido à falta de profissionais em muitas dessas áreas. A própria revolução verde que provocou a exclusão de milhares de famílias do processo produtivo agrícola, forçou a intensificação pela busca do trabalho não agrícola.

Para a família rural, as atividades de natureza não agrícola, além de abrir espaços para muitos filhos sem condições de se tornarem proprietários rurais, porém com a opção de residência no meio rural, constitui uma forma de se evitar o abandono definitivo do campo. O desenvolvimento destas atividades constituem iniciativas que nem sempre requerem altos investimentos e representam para muitos a obtenção da independência econômica em relação aos demais membros da família. Vem a se constituir também num mecanismo de elevação de renda da propriedade.

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Permanecer no campo e ao mesmo tempo poder usufruir do bem estar e conforto do meio urbano, possibilitar a criação de pequenos animais, poder produzir para o auto-consumo e eventuais vendas, fugir do aluguel e de outros encargos tipicamente urbanos, são estratégias que a população rural busca para assegurar um bom padrão de vida. Assim, cada vez mais pessoas residentes no meio rural conciliam o desempenho de atividades agrícolas agregadas a atividades não agrícolas. Longe de representar uma ameaça à propriedade rural, a ida parcial para a cidade ou para outras atividades, não diminui a importância da propriedade rural para a família e sim confere a ela estabilidade, estabilidade esta constantemente abalada pela alta de insumos e queda dos preços dos produtos agrícolas. A terra continua tendo para o agricultor de tempo parcial um forte conteúdo econômico e também cultural.

1.2. Do conceito

Num conceito amplo, a pluriatividade pode ser definida como sendo o desenvolvimento pelos agricultores, de atividades de caráter não agrícola no meio rural, dentro ou fora da propriedade rural, como profissionais autônomos ou como assalariados, temporários ou permanentes combinando ou não com atividades agrícolas.

1.3. Das origens

As atividades não agrícolas de bases artesanais constituem um aspecto do processo produtivo do estilo de vida camponês que remonta à velha Europa da idade média, cujos aspectos se acentuaram muito a partir do sec XIX.

Já nesta época, de acordo com Seyferth (1974), a partilha das propriedades subdividiam de tal forma as terras que os camponeses se viam obrigados a intensificar a busca por novas ocupações. O artesanato, bem como o estabelecimento de pequenos comércios, venda de mão-de-obra, são algumas das estratégias que permitiam à família camponesa, o aumento de ingressos econômicos e que contribuíam para a própria reprodução do camponês.

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Neste cenário, com a chegada do rigoroso inverno europeu, quando os trabalhos agrícolas se interrompiam, os camponeses se dedicavam ao trabalho assalariado do corte e transporte de lenha das florestas, ou exerciam a função de assalariados nas minas de carvão.

1.4. Das causas da pluriatividade

As causas que motivaram a busca de rendas não propriamente agrícolas pelos imigrantes que se estabeleceram no Vale do Itajaí foram praticamente as mesmas de seus antepassados: dívidas, aspectos culturais e a falta de recursos em dinheiro. No caso dos imigrantes, as dívidas eram aquelas contraídas junto à Administração Central da Colônia para o pagamento das terras e com os vendeiros no período inicial que antecedia a primeira colheita. Na fase atual, o desempenho de atividades não agrícolas, proporciona uma complementação de renda cada vez mais necessária em virtude da baixa remuneração dos produtos agrícolas.

Buscar as origens, as causas, rever os aspectos históricos e evidenciar a pluriatividade no processo econômico das propriedades rurais do Médio Vale do Itajaí, além de discutir o comportamento e a atitude do profissional da extensão rural neste contexto, são os objetivos propostos.

2. Dos aspectos históricos da pluriatividade no vale do Itajaí

Em virtude da inexistência de caminhos, os primeiros colonos foram incumbidos da abertura de picadas. Sentindo a necessidade de aumentar a renda familiar, eles aderiram em massa aos trabalhos de abertura de picadas principais acompanhando o curso dos rios e, a partir deles, se promoveu a abertura de picadas secundárias que se estendiam em direção ao fundo do vale.

O processo de colonização adotado pelo Dr. Blumenau que priorizava a formação de inúmeros povoados e vilas, ampliou os contratos de abertura e construção de estradas, cujos colonos aderiram em massa. Ao trabalhar nas estradas, os colonos recebiam do governo, pagamento em dinheiro e/ou em terras devolutas. Com esses recursos, muitos colonos procuravam abater parte de suas dívidas, contraídas junto à Administração da Colônia. Posteriormente surgiram também os trabalhos ligados à construção das estradas de ferro.

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Uma outra atividade muito comum nas primeiras décadas de colonização foi a função exercida pelos puxadores de madeira para as serrarias, os chamados “Zu puschen2 , cujo produto era obtido na derrubada da mata para a abertura de estradas.

Nos primórdios da colonização, a unidade...

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