Diário Oficial del 19-12-2019 - Poder Legislativo

Data de publicação19 Dezembro 2019
SeçãoPoder Legislativo
As mudanças realizadas
pelo Governo Federal
no f‌i nanciamento da
atenção básica foram debati-
das, ontem, em audiência pú-
blica realizada pela Comissão
de Saúde. Por solicitação do
deputado Isaltino Nascimento
(PSB), o colegiado ouviu re-
presentantes da sociedade civil
organizada, os quais alertaram
para o risco de diminuição nos
recursos destinados à Estraté-
gia de Saúde da Família, prin-
cipalmente nas áreas pobres de
grandes municípios.
De acordo com os parti-
cipantes, o Programa Previne
Brasil, instituído pela Portaria
nº 2979/2019 do Ministério da
Saúde, promete a injeção de
R$ 2 bilhões na atenção bási-
ca do Sistema Único de Saúde
(SUS) em 2020. A medida,
porém, está atrelada aos crité-
rios da iniciativa, os quais se
baseiam na quantidade de pes-
soas cadastradas nos serviços
oferecidos pelos municípios,
e não no número de residen-
tes e de ações existentes. Isso
provocaria, segundo eles, a
redução das verbas destinadas
à Saúde da Família nas locali-
dades mais carentes.
Especialistas apontaram
que o esforço de cadastra-
mento, exigido das prefeitu-
ras para não perder recursos,
inviabilizará os repasses. “A
ideia de que o Previne Bra-
sil vai atender 50 milhões de
pessoas desassistidas é uma
grande falácia. O sistema já
tinha 120 milhões de usuários
cadastrados em 2013, só que
parte deles acabou não sendo
contabilizada na mudança que
começou a ser implementada
no SUS naquele ano. Eles con-
tinuaram a ser assistidos, mas
deixaram de aparecer nas re-
lações”, af‌i rmou a professora
de Saúde Coletiva da Univer-
sidade Federal de Pernambuco
(UFPE) Ana Lúcia Andrade.
“Os municípios não conse-
guiram fazer esse cadastro em
quatro anos e o atual Governo
quer que isso ocorra até mar-
ço. Pelas nossas estimativas,
a maioria das cidades não vai
chegar aos valores atuais de
repasses com essa alteração, e
a atenção básica f‌i cará asf‌i xia-
da”, complementou a especia-
lista. O valor de transferência
f‌i xa por habitante varia, atu-
almente, entre R$ 23 e R$ 28,
segundo informou Andrade.
“O SUS custa R$ 560 por
pessoa ao ano, enquanto pla-
nos de saúde privados mais
baratos cobram pelo menos
R$ 2 mil pelo mesmo período.
E o valor per capita de gastos
do sistema tende a diminuir
cada vez mais, com o teto im-
posto pela Emenda Constitu-
cional (EC) nº 95”, comparou
a professora de Saúde Coleti-
va. “Isso é parte de um projeto
para acabar com a universali-
dade do SUS e implantar os
planos populares de saúde pri-
vados”, acredita.
Cristiano Nascimento,
coordenador do Conselho
Municipal de Saúde do Reci-
fe, explicou quais seriam as
consequências da mudança
na Capital pernambucana, em
que há cerca de 500 mil ca-
dastrados em uma população
total de 1,6 milhão de pessoas.
“Mesmo que o município faça
um esforço extraordinário e
consiga aumentar o cadastro
num ritmo jamais feito para
alcançar o máximo possível
de habitantes (4 mil) para cada
equipe de Saúde da Família,
mais de 500 mil pessoas ainda
f‌i cariam de fora”, apontou.
“O Ministério da Saúde
diz que o princípio da uni-
versalidade do SUS não está
ameaçado. Mas como garan-
tir o atendimento para todos,
se só recebemos para atender
menos da metade do nosso
público?”, questionou. Nasci-
mento observou também que,
com o teto de gastos, não há
como conseguir recursos no-
vos para a área. “Esses R$ 2
bilhões para atenção básica do
Previne Brasil tiveram que ser
retirados de outras dotações
da saúde pública, com R$ 500
milhões vindos de economia
administrativa do ministério e
R$ 1,5 bilhão, do atendimento
de média e alta complexida-
de”, registrou o gestor.
Outro problema do novo
modelo seria o f‌i m dos re-
passes f‌i xos para os Núcleos
de Apoio à Saúde da Família
(Nasf). Segundo carta dos tra-
balhadores da área, a medida
pode levar “à demissão em
massa de prof‌i ssionais que tra-
balham nessas unidades, como
f‌i sioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, nutricionistas,
fonoaudiólogos, psicólogos,
assistentes sociais, farmacêuti-
cos, sanitaristas, prof‌i ssionais
de educação física e médicos
veterinários”.
Para Adriana Jucá, repre-
sentante desse setor, “a aten-
ção básica perde sua integra-
lidade, com as pessoas tendo
que ser atendidas em ambula-
tórios especializados em vez
de já receberem o atendimento
no Nasf. Reduz-se o espaço
dos agentes comunitários e da
visão de promoção da saúde
dentro do território coberto
pelas equipes de Saúde da
Família”. Ela ressaltou, ainda,
que alguns incentivos presen-
tes no Previne Brasil impedem
a queda de recursos em 2020,
mas os valores devem dimi-
nuir em 2021.
A terapeuta ocupacional
Priscilla Viegas, que faz parte
do Conselho Nacional de Saú-
de (CNS), ressaltou que a Por-
taria 2979 foi publicada sem
consulta prévia e debate junto
ao órgão colegiado – o que,
segundo ela, contraria a Lei
“O Ministério da Saúde im-
plantou uma medida que
afronta o princípio da univer-
salidade do SUS. O resultado
disso é um Sistema pobre e
limitado, com uma carteira de
serviços extremamente restri-
ta”, considerou a representan-
te da Associação Brasileira
dos Terapeutas Ocupacionais
(Abrato).
Como encaminhamen-
to da audiência, o deputado
Isaltino Nascimento sugeriu a
criação de um comitê pernam-
bucano em defesa do SUS, a
f‌i m de apoiar um projeto de
decreto legislativo que torne a
Portaria 2979/2019 sem efeito.
“Precisamos de uma articula-
ção que vá além do Parlamen-
to Estadual e pressione o Con-
gresso Nacional, com ações
descentralizadas e integração
com movimentos sociais da
área de saúde, universidades
e outros centros de formação.
Vamos alertar a população e
os gestores municipais sobre
esses riscos”, salientou.
“Quando f‌i zemos a mo-
bilização pelo Sistema Úni-
co de Assistência Social
(Suas), houve quem achas-
se que não adiantaria. Mas,
depois de toda a pressão, o
Governo Federal liberou R$
870 milhões neste f‌i m de
ano para o Sistema, fruto da
nossa pressão”, registrou,
ainda, o socialista. Tam-
bém estiveram presentes na
reunião os deputados João
Paulo (PCdoB), Antonio
Fernando (PSC) e Roberta
Arraes (PP), que é presiden-
te da Comissão de Saúde e
abriu o debate.
Diário Of icial
Estado de Pernambuco
Ano XCVI • Nº 231 Recife, quinta-feira, 19 de dezembro de 2019
Poder Legislativo
CERTIFICADO DIGITALMENTE
Financiamento da atenção básica em
saúde é discutido em audiência pública
Entidades alertam que mudanças podem provocar diminuição de recursos para segmento
FOTOS: EVANE MANÇO
ENCONTRO - Debate foi promovido pela Comissão de Saúde, por solicitação do deputado Isaltino Nascimento

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